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Motivos não faltam para manter a vacinação dos filhos em dia

Especialistas reforçam segurança e importância da imunização enquanto movimentos antivacina ganham força no mundo.

Por Chloé Pinheiro
23 out 2017, 21h16

No início de outubro, uma mãe passou cinco dias presa nos Estados Unidos por se recusar a vacinar seu filho de nove anos. Depois de ser solta e perder a guarda da criança, ela declarou à imprensa local que “faria tudo de novo”. Parece estranho aqui no Brasil, que sempre teve boas taxas de cobertura vacinal, mas o fato é que nos últimos anos cresceu o número de pais que não querem imunizar os filhos.

As consequências são drásticas. Para se ter uma ideia, na Europa, desde 2016 já foram 19 mil casos de sarampo registrados, com 44 mortes. E o sarampo é uma doença que pode ser prevenida com a vacina. Fora isso, uma pesquisa com pediatras nos Estados Unidos revelou que 87% deles já tinha se deparado com casos de pais que se recusam a vacinar os filhos corretamente.

Apesar do nosso histórico positivo, mesmo no nosso país esse discurso ecoa de maneira preocupante. “No Brasil, não temos um movimento organizado, mas indivíduos e até profissionais de saúde têm divulgado conceitos equivocados sobre efeitos colaterais e outros riscos infundados que se espalham rápido,e deixam as pessoas com medo de se vacinar”, aponta Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Tanto é que em 2016 tivemos a cobertura mais baixa da década do Programa Nacional de Imunizações, que é considerado referência no mundo. “É mais uma questão de desvalorização da importância da vacina do que um movimento contrário a ela”, comenta Carla Domingues, coordenadora do Programa do Ministério da Saúde.

Segundo a especialista, parte disso ocorre porque os pais não veem mais os surtos das doenças que, no passado, assolaram o país. “Já praticamente erradicamos o sarampo, a poliomielite, a rubéola, doenças que aconteciam aos milhares e causavam sequelas como surdez, paralisia infantil e problemas neurológicos”, aponta Carla.

Vamos, então, aos fatos!

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A vacina é uma das principais conquistas da ciência

“Junto de saneamento básico e água tratada, ela é o principal fator que fez nossa expectativa de vida saltar de 50 anos para quase 80”, destaca Carla. Isso porque as vacinas treinam o sistema imune de um jeito que só mesmo o micro-organismo que causa a doença de fato consegue, só que sem usar o agente nocivo de verdade. Uma espécie de simulação, com pedaços do vírus original ou outras substâncias que simulem seus efeitos nos anticorpos. “Assim, adquire-se memória imunológica, e a lembrança de como se defender daquele agente fica marcada como impressão digital nas células”, comenta José Roberto Mineo, imunologista e professor da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais.

Elas são seguras

A composição é analisada de maneira constante mesmo quando o produto já está no mercado. “Elas passam por mais de vinte testes de controle de qualidade, pela Anvisa e depois ainda verificamos lote a lote para checar se há algum desvio na composição que não foi detectado”, explica Carla.

Sem contar que é mais fácil ganhar na loteria do que ter uma reação adversa a uma vacina. “Para se ter ideia, a chance de acontecer algum efeito colateral importante com quem toma a vacina da pólio é uma em cinco milhões. Mas 40% das crianças que não estão protegidas, se contraírem o vírus, terão lesões severas com sequelas e até risco de morte”, aponta a gestora do Ministério da Saúde.

Há reações, entretanto, leve e esperadas, embora não aconteçam com todas as crianças. Elas podem ser tanto locais, se a vacina for aplicada via injeção, com dor muscular ou mesmo picos de febre leve, que são apenas um sinal de que o sistema imune foi acionado – um mecanismo necessário para a dose fazer efeito. Mas tudo depende de qual imunizante será aplicado – na dúvida, vale esclarecer com o pediatra.

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Algumas doenças só sumiram do Brasil

A poliomielite, por exemplo, que causa paralisia infantil, comprometendo a capacidade da criança se movimentar, não existe há mais de 25 anos no país. Mesmo assim, ainda se vacina contra ela. É que, caso haja uma queda na cobertura, a população ficará rapidamente suscetível a uma nova epidemia, especialmente porque vivemos em mundo globalizado, com fluxo intenso de turistas e viajantes. “Tanto que entre 2013 e 2015 vivemos um surto de sarampo ‘importado’ no Nordeste, em grande parte por conta do fluxo de turistas que o país recebeu por conta da Copa e Olimpíadas”, comenta Deborah Ascar Requena Perez, pediatra do Hospital Assunção, da Rede D’Or São Luiz. Então a regra é: se ainda existe um único lugar no mundo com a doença chamada imunoprevenível, isto é, que pode ser evitada, todo o resto deve se vacinar contra ela.

Não vacinar coloca em risco a vida de outras pessoas

Um dos principais problemas na recusa à proteção é que se perde a chamada imunidade de grupo. Como a vacina só ensina as defesas do nosso organismo a se defenderem, elas precisam estar funcionando bem para receber o estímulo. Então, pessoas em tratamento de câncer e outras doenças que baixem a imunidade não podem ser imunizadas. Logo, dependem de que haja uma alta adesão às vacinas na população em geral para não serem atingidas por ameaças em circulação. O que para eles, aliás, pode ser bem mais grave do que um simples sarampo. “Muito mais do que uma escolha pessoal, vacinar-se é um ato de cidadania”, resume Kfouri.

“Sem contar que o movimento que vemos nas redes sociais geralmente vem de pessoas que têm alta escolaridade e acesso à informação, então quem acaba pagando o preço por isso são as populações mais pobres”, ressalta Mineo.

Não há elo real entre vacina e autismo

O boato corre até hoje na internet, mas veio de um estudo fraudulento que foi divulgado em 1998 na renomada revista científica Lancet. O trabalho investigou 12 crianças autistas que haviam tomado a vacina MMR, usada para prevenir sarampo, e alegou que elas tinham vestígios do vírus no corpo. Mais tarde, em 2004, descobriu-se que a afirmação era falsa e o único autor do trabalho que não voltou atrás na sua posição teve sua licença médica cassada. Depois, uma outra onda, já também refutada com estudos, associou o autismo ao timerosal, conservante a base de mercúrio que faz parte de algumas vacinas. “Apesar das evidências científicas, mitos como esses ainda fazem o sarampo ser a doença imunoprevenível que mais mata no mundo, especialmente em países desenvolvidos”, lamenta Kfouri.

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