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Existe gravidez psicológica masculina? Entenda o caso

Ela recebe o nome de Síndrome de Couvade, mas não chega a ser uma doença! Saiba tudo sobre os sintomas e as teorias que buscam explicar a condição.

Por Flávia Antunes
Atualizado em 15 Maio 2020, 16h01 - Publicado em 17 dez 2019, 18h01

Embora apenas a mãe carregue o bebê na barriga, relatos mostram que não só a figura feminina sente os impactos do processo complexo que é a gestação. Sim, o pai pode ser afetado em sua saúde mental e física, em um processo que, apesar de estudado pelos especialistas, ainda é pouco conhecido. Mas seria uma “gravidez psicológica”?

O termo correto é Síndrome de Couvade. O nome pode parecer estranho à primeira vista, mas tem uma explicação histórica: ele foi escolhido pela semelhança das manifestações da síndrome com o ritual da couvade, praticado em comunidades arcaicas. Nestas, o marido simula o processo do parto ou se põe em “resguardo” no lugar da mulher. Entre os índios tupinambás, por exemplo, o isolamento do homem acontece logo após o parto, quando fica em sua moradia recebendo o consolo dos integrantes da tribo até a queda do coto umbilical do bebê.

A palavra foi utilizada pela primeira vez em 1865 pelo antropólogo britânico Edward Burnett Tylor e deriva do verbo francês “couver”, que significa “chocar”. “O estudioso fez uso do termo para se referir a um rito seguido por culturas antigas em diferentes partes do mundo que constituía numa cerimônia de reconhecimento que garantia a legitimidade da criança, estabelecia quem era o pai e atraía para a cabana dele os ‘espíritos do mal’, onde estes poderiam ‘gastar sua ira’ na mãe simulada, deixando a mãe real livre para ter seu bebê de forma segura”, afirma Plínio de Almeida Maciel Junior, professor do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento Humano da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

“O conceito de ‘Síndrome de Couvade’ tem sido utilizado por pesquisadores e clínicos para se referirem a um conjunto de manifestações físicas e psicológicas de caráter involuntário e inconsciente que surgem em pais biológicos concomitantemente à gravidez das esposas”, define o psicólogo.

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Por mais que nem sempre sejam assimiladas pela pessoa, a duração da condição também é utilizada para confirmar o diagnóstico. A literatura aponta que os sinais costumam aparecer no início da gestação da mulher e desaparecem quase imediatamente após o parto e, em alguns casos, um pouco antes do nascimento da criança.

Cunhá-lo, entretanto, como “gravidez psicológica masculina” é um assunto que divide a opinião dos especialistas. “Acredito que podemos sim chamar deste jeito, porque envolve todo um fator comportamental alterado e uma série de sinais orgânicos que vão trazer alterações fisiológicas”, explica Cristina Borsari, psicóloga da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Mas afinal, quais são os sintomas?

“Os principais sintomas manifestados no homem costumam ser os clássicos do período gestacional. Eles geralmente aparecem no primeiro trimestre da gravidez em forma de náusea, vômitos, enjoos matinais e indisposição gástrica”, explica Cristina.

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Plínio acrescenta mais alguns indícios, como dores de cabeça, azia, flatulência, dor abdominal, inchaço progressivo do abdômen, prisão de ventre, alteração do apetite, ganho ou perda de peso, dificuldades respiratórias, sangramento nasal, dores de dente, erupções cutâneas, dores nas costas, dores generalizadas, insônia, fadiga, ansiedade, depressão, irritabilidade, agitação, menor capacidade de concentração, diminuição da libido e anorexia.

Segundo ele, embora a lista seja extensa, não há consenso sobre o número de sinais que poderiam classificar a síndrome. “Alguns defendem que dois deles são suficientes para caracterizá-la, enquanto outros propõem cinco ou mais sintomas”, afirma a psicóloga, que relatou já ter observado em sua experiência profissional, mudanças bastante evidentes, como o ganho de peso do futuro pai. “Por conta da ansiedade associada à gestação, ele começa a comer e a ter um aumento de peso similar ao da sua companheira”, conta. 

Possíveis explicações

O que também permanece inconclusivo é a origem da condição. “Podemos pensar que ela aparece por fatores psicossomáticos – ou seja, em decorrência de um sofrimento emocional que se manifesta no corpo”, conclui a especialista.

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Existem também algumas teorias psicogênicas e psicoevolucionárias, que entendem o comportamento humano como fruto da interação com o ambiente – e, esta última, como consequência de uma história da espécie. Para simplificar, é como se o progenitor se sentisse mais pai tendo os mesmos sintomas que sua companheira que está em gestação.

E não para por aí. Segundo o professor da PUC-SP, outras abordagens podem ser levadas em conta, como a psicossocial e a desenvolvimentista. “Sob estas vertentes teóricas, a síndrome seria uma resposta à marginalização social da paternidade e à crise de desenvolvimento da gestação, levando em consideração as especificidades da experiência de um homem durante a gravidez da companheira. Deste modo, aspectos da identidade e da autoimagem do indivíduo sofreriam transformações durante este período para incorporar as funções parentais e de cuidado. É como se este homem estivesse se preparando psicologicamente para assumir suas funções como cuidador”, esclarece ele.

A explicação não é nada simples, mas traz à tona novamente a questão do preparo masculino. Em outras palavras, o homem, ao se deparar com o seu novo papel – que envolve demandas específicas e muitas vezes inéditas – sente na pele o efeito de toda uma dimensão psicológica.

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Mais complexa ainda é a perspectiva psicodinâmica – teoria inaugurada por Sigmund Freud. Sob este viés, entram em jogo motivações que não acessamos diretamente pela consciência. “A síndrome seria consequência da inveja inconsciente do homem pela capacidade procriativa da mulher e de uma rivalidade para com o bebê, também de ordem inconsciente”, explica o psicólogo. “De todo modo, é possível supor que tais manifestações estão relacionadas principalmente com o envolvimento afetivo-emocional dos homens com a gestação da parceira e é expressão do processo de transição para a paternidade pelo qual eles passam”, acrescenta ele.

E se engana quem pensa que o fenômeno é restrito à gestação do primeiro filho. De acordo com o especialista, os sintomas que caracterizam a síndrome podem surgir independentemente se o homem é pai de primeira, segunda ou terceira viagem. “Cada gestação tem as suas especificidades, tanto para a mulher quanto para o homem”, reitera Plínio.

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É necessário tratamento?

Se estiver acontecendo por aí, muita calma. Segundo a psicóloga, por se tratar de um transtorno de característica psicossomática, o ideal é a terapia – caso o homem perceba algum comportamento diferente a partir da descoberta da gestação de sua parceira. “Hoje, temos muitos profissionais que fazem o pré-natal psicológico. Na minha abordagem, é o acompanhamento do casal e dos dois separadamente. Na sessão, buscamos valorizar o papel destes futuros pais, a formação da família, além de trabalhar medos e fantasias relacionadas à gestação”, diz ela.

Já Plínio indica que cada caso seja avaliado individualmente e que o encaminhamento para a psicoterapia seja feito por vontade do paciente – se as manifestações estiverem promovendo sofrimentos, angústias ou mesmo trazendo conflitos em suas relações. “Mas se não estiverem causando abalos afetivo-emocionais desta ordem, sem dúvida se trata somente de ajustes psicossociais próprios de uma situação de transição do desenvolvimento psicológico pessoal e, deste modo, não faz sentido pensar em tratamento”, tranquiliza ele.

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