A Covid-19 fez muita gente temer idas ao hospital e, neste contexto, algumas gestantes consideram ter o bebê em casa. O parto domiciliar, contudo, é contraindicado pela Sociedade Brasileira de Pediatria, Conselho Regional de Medicina e Associação Médica Brasileira mesmo durante a pandemia.
“O risco das complicações é maior do que o perigo oferecido pela Covid-19, até mesmo porque as maternidades se estruturam bem para reduzir as possibilidades de contágio“, aponta Erika Kawano, ginecologista e obstetra da clínica Mantelli.
O tópico divide opiniões. Em parecer de 2019, o Conselho Federal de Enfermagem diz que o parto domiciliar planejado permanece à margem da legislação brasileira, mas que “é um direito e uma opção perfeitamente segura e viável para as gestações de risco habitual”.
“Ele pode ser seguro, desde que acompanhado por uma equipe qualificada, capaz de identificar cedo qualquer alteração e encaminhar a gestante para o hospital no primeiro sinal de dúvidas sobre a segurança do procedimento”, explica Flávia Magalhães, médica obstetra da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp).
Tema polêmico
Cada país tem seu protocolo e, apesar da posição dos médicos, existem serviços de parto domiciliar no Sistema Único de Saúde (SUS). Os estudos sobre a segurança do método dizem ora que o perigo é maior em casa, ora que não existe diferença.
Uma revisão de 14 pesquisas envolvendo mais de 500 mil mulheres concluiu que o risco de mortalidade materno-infantil é o mesmo nos dois cenários. Os dados foram publicados em 2019 no periódico EClinical Medicine, do prestigiado grupo The Lancet.
Já outra revisão mais antiga, de 2010, divulgada no American Journal of Obstetrics and Gynecology e muito citada pelos críticos do nascimento em casa, encontrou em 237 estudos uma taxa de morte neonatal quase duas vezes maior nos partos domiciliares: 0,2% contra 0,09%.
No Reino Unido, as diretrizes do Instituto Nacional de Saúde e Excelência Clínica afirmam que mulheres saudáveis, com gestações de risco habitual, podem se beneficiar da abordagem, já que a taxa de intervenções é considerada menor no ambiente doméstico.
Parto mais humanizado mesmo no hospital
“Na visão das entidades médicas, nós precisamos melhorar a qualidade do parto hospitalar, não aumentar o índice do parto domiciliar”, comenta Flávia. Isso porque o parto no hospital ainda é, em boa parte dos casos, cercado de intervenções questionáveis, como o uso de medicamentos que aceleram a saída do bebê e manobras que são consideradas violência obstétrica.
É justamente em busca de um nascimento mais natural e humanizado que costuma surgir a ideia de fazer o parto domiciliar. Se este for o objetivo, a futura mãe pode sim optar pela modalidade, desde que esteja bem preparada e ciente de que o parto é uma caixinha de surpresas, e em casa não é possível receber nenhum tipo analgesia.
“O problema é tomar essa decisão apenas para fugir do hospital, porque se a mulher não confia na equipe e no processo, isso irá atrapalhar o andamento, e a transferência para o hospital em um momento de adrenalina pode fazer com que ela esteja ainda mais exposta a infecções”, destaca Flávia.
Quem pode ter um parto domiciliar
Estima-se que haja um risco de 15% de complicações mesmo em gestações que transcorreram bem, sem doenças da mãe ou problemas no bebê. Por isso, um dos requisitos mais importantes é estar a no máximo 20 minutos de distância de um hospital, com um plano estruturado para mudar de cenário rápido.
“O bebê pode precisar de suporte imediato se houver algum problema no período expulsivo, o final do parto, e cada minuto é muito importante para o recém-nascido. O atraso no atendimento pode levar a sequelas permanentes”, comenta Erika.
Para prestar o primeiro atendimento nessa situação, a equipe de enfermeiras que acompanha os nascimentos em casa (e é treinada em cuidados com o recém-nascido) leva equipamentos como manta térmica, suporte de oxigênio, além de itens para socorrer a mãe caso haja lacerações ou sangramentos.
Por fim, é preciso ter realizado o pré-natal corretamente, com pelo menos seis consultas e todos os exames obrigatórios, estar saudável e garantir um ambiente limpo e estruturado na casa. Entre os benefícios aventados, menos intervenções médicas na mãe e a possibilidade de viver a experiência do nascimento em um ambiente mais familiar e acolhedor.