Livro infantil promove inclusão ao abordar deficiência auditiva
A história da personagem é inspirada na trajetória da autora, que voltou a escutar aos 32 anos de vida.
Aos 10 anos, a publicitária Lakshmi Lobato perdeu a audição. Depois de 22 anos, ao se submeter a uma cirurgia para colocar um implante coclear, ela voltou a ouvir. Para relatar as suas experiências, ela criou o blog “Desculpe, Não Ouvi!” e posteriormente escreveu uma biografia com o mesmo título. No começo de dezembro, a comunicadora lançou um novo projeto, mas desta vez dedicado ao público infantil.
O livro “E Não É Que Eu Ouvi?“ conta a história de uma garotinha que em determinado dia acordou sem escutar. Escrita por Lak e ilustrada por Eduardo Suarez, designer e marido da escritora, a obra também traz informações para auxiliar os pais e educadores sobre os tratamentos para a perda auditiva e os tipos de implantes disponíveis. Em entrevista exclusiva ao Bebê.com.br, a autora falou da sua trajetória e contou como surgiu a ideia de escrever para crianças. Confira:
Você se inspirou na sua história na hora de criar a personagem Lalá?
Lak Lobato (L.L.): Sim. A história da Lalá é uma versão fantasiosa e infantil da minha. Quando lancei a biografia “Desculpe, Não Ouvi!” – uma compilação de textos do blog que escrevo desde 2009 – percebi que tinha deixado de lado meu público mais importante: os pequenos que tinham acabado de receber um implante coclear e não encontravam personagens para se identificar. Mas, diferente de mim, a Lalá recupera a audição rapidamente. Ela permanece criança, com todas as fantasias que a infância lhe permite, já eu levei algumas décadas para voltar a poder ouvir.
Você perdeu a audição na infância. O que aconteceu?
L.L.: Provavelmente uma sequela de caxumba ou de uma meningite assintomática, mas o meu caso não tem um diagnóstico preciso. Só sei que um dia acordei sem audição e tive que reaprender a viver dentro de uma “bolha de silêncio”, que é a melhor forma que eu consigo descrever a surdez. Tanto que a Lalá, quando acorda surda, recebe esse diagnóstico: “numa bolha ela entrou”.
Você passou a escutar depois de colocar o implante coclear. Como foi voltar a ouvir?
L.L.: Essa é uma pergunta que as pessoas gostam de fazer, mas tenho dificuldade para responder. Eu perdi a audição muito cedo, quando ainda não tinha capacidade de entender sequer o que isso significava. Não passava pela minha cabeça o preconceito que iria sofrer e nem as dificuldades que poderia enfrentar, mas só pensava que não conseguia mais assistir desenho animado ou ouvir música. Crianças têm essa leveza que os adultos não conseguem ter porque pensam de forma complexa. Quando voltei a ouvir, eu já tinha mais de 30 anos e com capacidade de analisar a situação como um todo. Então, neste momento que deveria ser o mais feliz da minha vida, eu fiquei triste. Só quando voltei a escutar tive a noção exata do tamanho da minha perda: doeu pensar em todos os momentos importantes que passei em silêncio e chorei tudo o que não tinha chorado – era uma dor que eu precisava sentir para poder curar a ferida. Passado o período do impacto, eu comecei a redescobrir o mundo. Descobri que um monte de coisas fazem barulho e eu sequer imaginava. Fiquei fascinada e fiz poesia para cada um desses sons. Nesse sentido, me considerei privilegiada de poder redescobrir o mundo com a inocência de uma criança, mas com a consciência de um adulto.
Como surgiu a ideia de escrever um livro infantil para conscientizar os pequenos?
L.L.: Eu sempre recebia pedidos dos pais para escrever a dedicatória com o nome dos filhos para que eles lessem a minha biografia quando crescessem. E eu pensava ‘mas falta muito tempo. Eles precisam de algo pra já’. Somando isso ao desejo que sempre tive quando criança de encontrar um personagem para me identificar porque a leitura virou o meu passatempo. Conversei sobre isso com meu marido, que tem um talento incrível com crianças, ele amou a ideia e desenvolvemos a história.
O livro é dedicado para crianças de qual faixa-etária?
L.L.: Eu dediquei o livro para as crianças que carinhosamente chamo de “afilhados de implante coclear”. São pequenos que eu conheço desde que a surdez foi detectada, com meses de idade. Filhos cujos pais descobriram a minha história através do blog e das redes sociais, já que eu consegui mostrar como uma tecnologia auditiva pode fazer a diferença na qualidade de vida de uma pessoa. Algumas dessas crianças hoje têm um desenvolvimento de linguagem similar aos de seus colegas ouvintes ou estão quase lá. A história da Lalá foi escrita pensando não só nelas, mas em crianças de todas idades, com vários níveis de linguagem. Foi feito tanto para os pais lerem para elas e elas poderem acompanhar, como também para ser aquele livrinho que vai crescer junto com o pequeno. Ele pode começar entendendo só as figuras, com a alfabetização, passar a lê-lo e mais tarde compreenderá sua própria deficiência lendo a parte técnica, que é um pouquinho mais complexa.
O que os pais de crianças auditivas devem ter em mente? Ainda há muito preconceito?
L.L.: Ter um filho com deficiência não é o sonho de ninguém. A maioria dos pais recebe a notícia como um baque forte da vida – eles entram em um período difícil, cheio de medos e anseios. Ter qualquer tipo de ajuda nesse período pode representar um apoio que torna o momento mais leve porque deficiência, a gente admitindo ou não, ainda é tabu. É um assunto pouco discutido e que a mídia divulga em tom de tragédia. Com informações adequadas, essa “tragédia” poderia ser muito mais fácil de encarar, de buscar ferramentas que facilitem o desenvolvimento das crianças precocemente diagnosticadas com deficiência auditiva. Inclusive o livro tem uma parte técnica escrita com a consultoria de uma fonoaudióloga especializada em soluções auditivas, Valéria Oyanguren, para ajudar os pais, familiares, professores a entender melhor os detalhes.
Como o seu marido, o designer Eduardo Suarez, ajudou a produzir o livro?
L.L.: Ele foi escrito a quatro mãos e nós desenvolvemos a história juntos. O roteiro inicial foi rápido, mas queríamos fazer o texto todo rimado, que foi um desafio adicional. Como o meu marido é designer, ele também fez todo o projeto gráfico, ilustrações, diagramação, a capa… E eu escrevi a história.
Livro: E Não É Que Eu Ouvi?
Autor: Lak Lobato
Ilustradora: Eduardo Suarez
Preço: R$ 45
Número de páginas: 36
À venda em: internet