“Como foi a emoção de passar por uma ‘gestação invisível'”
Conheça a história de Mariana Trotta, que após o luto por perder seu bebê, tornou-se mãe da Alice.
Inspirada pela vontade de ser mãe, Mariana Trotta entrou na fila da adoção no mesmo ano em que começou a tentar engravidar. Depois de dois anos, já com a gestação avançada, ela vivenciou a triste perda do pequeno Lucas e foi após passar por um processo de luto que ela e seu marido, Anderson Lins, resolveram assumir sua “gestação invisível”. Três anos após o início do processo para adotar uma criança, a professora universitária finalmente recebeu a melhor notícia que poderia ter: sua filha, Alice, estava à sua espera.
“Minha história com a adoção se confunde com a maternidade desde a minha adolescência. Quando fiz 15 anos, comecei a trabalhar voluntariamente em um projeto social de auxílio para moradores de rua. Alguns anos depois, conheci Maria, grávida, dependente química. Me aproximei muito dela e acompanhei toda a sua gestação. Nasceu Anderson, pequenininho, tão frágil. Fui pegá-los na maternidade e levei-os para a casa: a rua… Obviamente não conseguia mais dormir pensando naquele bebê e nas péssimas condições na qual ele estava exposto. Queria muito adotá-lo, mas eu acabara de fazer 18 anos. Um dia, Maria foi presa com o filho nos braços, que foi encaminhado para a antiga FEBEM. Visitava-o todo o fim de semana, até que um dia ele saiu de lá, sem que eu pudesse saber do seu paradeiro. Senti um buraco no coração, uma dor quase de mãe.
Casei cedo e sempre tive vontade de ser mãe, biológica ou adotiva. Fui bailarina, depois fiz mestrado e doutorado em semiótica da dança e fui adiando o processo da maternidade. Em 2012, senti que era hora. Entramos na fila para adoção, comecei a participar dos grupos de apoio e também demos início às tentativas para engravidar. Demoramos dois anos para conseguir. Em 2014, fiquei grávida do Lucas, enquanto esperava ainda outra criança na fila da adoção.
Infelizmente, com a gestação bem avançada, perdi o Lucas. Foi o pior momento da minha vida. Sofri muito, chorava todos os dias, o tamanho da minha dor era maior que o meu corpo, achei que não poderia suportar. Mas o Lucas me fez mãe pela primeira vez. Ouvir seu coração batendo em mim, fazer seu parto e a sua despedida tornaram-me uma mãe forte. Fiz um ritual de passagem para ele, enchi um barquinho de madeira com muitas flores, escrevi uma carta contando para o Lucas o que significou a vinda dele e toda a emoção que senti de tê-lo tão dentro de mim. E deixei o mar levá-lo, olhando todo o percurso até que não o tinha mais nos olhos, mas para sempre na minha existência. Deixei de ser ímpar, virei par.
Nove meses depois da perda do Lucas, criei coragem de superar o luto e assumir a minha gestação invisível. Quem era essa criança que estava por vir? Criei um blog de poesias para contar a todos da minha nova gestação e para preencher as lacunas da falta da barriga, para que meu filho ou filha soubesse o quanto ele foi esperado e gestado como qualquer outra criança. Quando estamos grávidas, é maravilhoso compartilhar com outras mães, comprar as coisinhas do nosso bebê, partilhar as ansiedades e dificuldades com os amigos e familiares. Mas ‘quando a barriga é no coração, a gestação não se conta por semanas, contam-se os batimentos cardíacos, os meus andam a mil por hora, nos meus batimentos, a pressa, passo o dia a gerar o coração’. E foi assim, escrevendo um poema por dia, que a minha gestação abstrata virou uma gestação concreta e todos ficaram grávidos comigo. Na rua me perguntavam: ‘Alguma novidade? Já fez o enxoval?’. Sim, eu estava grávida. Com o mesmo amor, saí para comprar as coisinhas do bebê, sem saber o que esperar, se uma menina ou menino, um bebê recém-nascido, ou com um ano… Uma gestação de quanto tempo? Minha única certeza era de que estava à espera de um novo amor!
No meu imaginário poético, me perguntava: será Alice ou Valentim? Nomes escolhidos para esse novo amor. Eu me perguntava sempre se minha filha ou filho já havia nascido, se estava somente à espera do nosso encontro. No dia 18 de dezembro de 2015, três anos depois de dar início a todo esse processo, meu telefone tocou. Parecia improvável, era uma sexta-feira, às 17h. Eu havia chegado ao aeroporto de São Paulo, tinha ido visitar minha família para as festas de fim do ano.
Já estava desanimada, pois achava que ninguém me ligaria mais naquele ano. Comprei a passagem na sexta, final da tarde, com o mesmo pensamento: ninguém me ligaria numa sexta, no final do expediente, já em 18 de dezembro. E eis que fomos encontrar meu pai no metrô e: trim, trim! Quando vi que era da Vara da Infância, tremi da cabeça aos pés. ‘Mariana, nós temos uma indicação de uma criança’. Nessa hora, já chorava tanto que mal consegui continuar a conversa. ‘Você pode vir conhecê-la agora? Não, estou em São Paulo’. No nervosismo só consegui perguntar se era uma menina ou um menino… E era uma menina chamada Alice! O mesmo nome que eu tinha escolhido! Chorava tanto que meu irmão teve que parar o carro para avisar meu marido que estava no Rio. Foi o rompimento da bolsa! Uma emoção sem fim. Peguei o primeiro avião de volta e, no dia seguinte, fui conhecer minha filha! Claro que não dormi a noite inteira. Foi um privilégio viver esse início de nascimento na presença do meu pai, meu irmão e meu sobrinho.
O dia do encontro, data em que a Alice nasceu para nós, foi mágico. Escolhi minha melhor roupa. Dirigi com as pernas bambas até o abrigo. Toquei a campainha com o coração na boca e lá estava a minha filha, com cinco meses de vida esperando a sua mãe e o seu pai. Quando olhamos para ela, não tivemos dúvida alguma: era a cara do pai! Ficou calma conosco, com um sorriso de lado e dormiu no colo do pai, relaxada, como quem diz: agora não preciso mais esperar. E nós também. A espera acabou.
Cinco dias depois, véspera de Natal, lá estava ela, em casa. Nós, pais de primeira viagem, sem saber se ligávamos o ar condicionado, se trocávamos a fralda, se ela estava com fome… Fomos a cada dia descobrindo a maternidade, nos afetando, nos amando e escutando as palavras papai e mamãe. ‘A lua que parece grávida escutou meus devaneios mães, trouxe uma menina encantada, acalentada por vento bom, uivo, clarão, madrugada, transformo o choro em som, Alice sonho, hoje é canção’. E quando me perguntam o que é a adoção, afirmo com o coração que é o encontro de uma filha que quer ser filha e de uma mãe que quer ser mãe”.