Para aumentar a família ou até mesmo começar uma, muitos casais ou pais solos recorrem ao processo de adoção. Só que o procedimento brasileiro que já burocrático por si só tem encontrado ainda mais complicações neste ano em decorrência da pandemia do novo coronavírus.
“Todos os prazos processuais estão interrompidos no Brasil e, com isso, as pessoas também não estão conseguindo entrar com os procedimentos para se habilitarem à adoção”, explica Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão Nacional de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
Ainda que 5.069 crianças estejam no sistema para serem adotadas e 36.445 pretendentes para acolhê-las, não há exceções neste momento. Mesmo os adultos que estão em busca de irmãos, crianças com deficiências ou doenças crônicas não estão conseguindo realizar os processos em decorrência da paralisação geral.
Além da pausa de tais processos, a situação fica ainda mais delicada ao saber que os passos anteriores a eles também sofreram alterações. Isso significa que os procedimentos para que as crianças sejam inseridas no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), para que então sejam acolhidas pelas famílias, também estão pausados.
Quais são os motivos para isso?
Antes do atual cenário com milhares de contaminados e mortes em decorrência do Covid-19, o poder judiciário já tinha acelerado o processo de adoção para aqueles que tinham condições possíveis para isso.
“Quando ficou evidente a passagem de contaminação do vírus, uma das preocupações foi esvaziar tanto quanto possível as casas de acolhimento – já que são moradias coletivas, com até 15 crianças e pessoas que trabalham nos locais. Para os processos em que os estudos já estavam feitos, de ir até a casa dos adotantes para entrevistá-los, os juízes agilizaram as decisões para que as crianças passassem a quarentena já com estas pessoas, sempre que algo indicava que valia a pena correr o risco de tirá-las da casa de acolhimento”, esclarece Iberê Dias, juiz do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Além da aceleração para a guarda provisória, Silvana explica que crianças com uma relação estável com padrinhos afetivos (voluntários que dão suporte emocional e/ou financeiro para jovens nas casas de acolhimento) foram destinadas a passarem o isolamento social com eles quando não possuem um adotante.
O mesmo foi levado em consideração para aquelas que foram designadas para famílias acolhedoras, que são oficialmente cadastradas, selecionadas e destinadas a essa função de apoio quando crianças precisam de um lar temporário para depois retornarem à familia de origem ou serem encaminhadas ao sistema de adoção quando necessário.
Em contrapartida, Iberê ressalta que os casos que não tiveram a análise de campo, em que assistentes sociais e psicólogos trabalham para conhecer a família que procurou o fórum para a abertura do processo de adoção, não puderem ser acelerados ou remanejados. E, consequentemente, precisarão esperar o fim da quarentena para serem continuados.
Outro problema trazido por Silvana que diminui a agilidade da adoção neste momento é o fato de muitas varas da infância terem os seus processos escritos em papéis e não digitalizados. Portanto, com o isolamento social, não é possível consultar estes escritos presencialmente.
Há também a adversidade de cidades ainda mais fragilizadas socialmente viveram com o que é chamado de vara única. Isso significa que todos os processos que ocorrem naquele local possuem apenas um juiz para julgá-los e, muitas vezes, os casos infantis são colocados por último ou como menos importantes.
O que pode ser feito neste momento?
Com tantos poréns para o cenário da adoção durante a pandemia, Silvana ainda aconselha que os pais que já possuem a guarda provisória das crianças lembrem-se de que é preciso que sejam renovadas no período adequado.
“Ela dá aos adotantes a responsabilidade legal sobre aquela criança, isto é, todos os deveres para manter sua educação, cultura e saúde. E, geralmente, a validade dos planos de saúde é atrelada a da guarda provisória”, ressalta a presidente da Comissão.
A especialista ainda explica que essa guarda costuma valer por 180 dias e é renovada referente ao mesmo período. Portanto, é imprescindível que, caso ela vença durante a quarentena, seja reativada para que a criança não fique desprotegida juridicamente.