Saúde

Desreguladores endócrinos: há como evitar que eles cheguem às crianças?

Contato com compostos químicos presentes em vários produtos que usamos pode causar sérios problemas de saúde. As grávidas e os pequenos são mais vulneráveis

por Da Redação Atualizado em 14 set 2022, 13h46 - Publicado em
9 set 2022
11h21

Eles estão por toda a parte: nas embalagens de alimentos, nos potes de armazenamento na cozinha, nas garrafinhas de água, em mamadeiras e chupetas, na nossa própria comida e no ar que respiramos, com a poluição. “Os desreguladores endócrinos são compostos químicos naturais ou fabricados, com os quais temos contato, e que podem interferir em nosso sistema hormonal e causar problemas de saúde”, define a endocrinologista pediátrica Julienne A. R. de Carvalho, do Hospital Pequeno Príncipe e professora de Pediatria da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Onde estão os desreguladores endócrinos?

Provavelmente aí na sua casa, por mais cuidado que a família tenha, é possível que você os encontre. “O contato é amplo. Temos substâncias desreguladoras no plástico, na água, na poluição atmosférica, nos cosméticos, em algumas embalagens de alimentos…”, exemplifica a endocrinologista Elaine Frade Costa, presidente da Comissão de Endocrinologia Ambiental da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Mas, calma, a ideia não é deixar todos aterrorizados e, sim, explicar o que são, de fato, esses compostos, para ajudar você a se proteger melhor das possíveis consequências.

Grávidas e bebês: alerta máximo

Grávidas e crianças, principalmente as menores de 2 anos, são os grupos mais suscetíveis à ação dos desreguladores endócrinos. “É uma fase de grande multiplicação celular”, ressalta a médica Julienne. Como eles influenciam os hormônios, substituindo-os ou bloqueando o funcionamento natural deles, as funções endócrinas ficam alteradas.

Vale lembrar que são os hormônios os responsáveis pelo controle de diversas atividades do corpo humano, como o metabolismo, o crescimento, a secreção de leite, a ovulação e muito mais. Além disso, várias dessas substâncias desreguladoras têm a capacidade de atravessar a barreira placentária, ou seja, afetam o bebê dentro do útero e podem atrapalhar seu desenvolvimento.

“A infância é considerada uma fase de suscetibilidade, porque é quando as células têm maior plasticidade e é possível que isso cause alterações celulares, que podem levar a doenças na vida adulta. Gestantes também, não tanto por causa da mãe e, sim, por causa do feto. O bebê é vulnerável”, aponta Elaine.

De qualquer modo, todo mundo, independentemente da idade ou da condição, pode ter de enfrentar os efeitos causados por desreguladores. “O aumento recente de algumas doenças está associado a essas substâncias”, alerta Julienne, que cita algumas das consequências do contato com tais compostos:

  • câncer, como os de mama, colo de útero, próstata e intestino
  • hipotireoidismo
  • aumento do risco de obesidade
  • infertilidade masculina
  • aumento do risco de desenvolver problemas neurológicos, como demência, alterações de memória e doenças degenerativas
  • puberdade precoce em meninas

“São problemas decorrentes de alterações genéticas. Na vida fetal, o bebê recebe genes do pai e genes da mãe, que, muitas vezes, vêm com pequenas alterações. O organismo, as células se reprogramam. Os desreguladores atrapalham essa reprogramação. Então, não tem como tratar o problema. Você atua na consequência, mas não na causa” explica Elaine Frade Costa.

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Desreguladores endócrinos mais comuns

Entre os mais estudados está o Bisfenol A, conhecido como BPA. Você já deve ter visto por aí embalagens de produtos dizendo que são BPA Free (ou livres de BPA), certo? Pois dê preferência a eles. “O Bisfenol A é usado para a fabricação de plásticos que possuem policarbonato e no verniz interno de latas de produtos em conserva. Os agrotóxicos também fazem parte da lista, junto com mais de 350 produtos já estudados”, diz Elaine.

Outros desreguladores conhecidos são: os ftalatos (usados para tornar plásticos rígidos maleáveis), metais (como chumbo e mercúrio) e pesticidas, como DDT. “O Brasil é um dos maiores consumidores do mundo de pesticidas. Eles ficam nos alimentos e vão para a água dos rios”, comenta a especialista.

Dá para evitar os desreguladores endócrinos?

Sim, porém ter contato zero é bastante difícil. “Não é preciso viver em uma bolha, mas você pode tentar evitar, por exemplo, esquentar alimentos em embalagens plásticas, dar preferência ao armazenamento de comida em potes de vidro, em vez de plástico, e beber água mineral, que tem menos chances – embora ainda tenha – de conter esse tipo de substância, em comparação à água da torneira. Além de consumir alimentos orgânicos, cultivados sem agrotóxicos, sempre que possível”, orienta Elaine.

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(Jose Luis Pelaez Inc/Getty Images)

Cuidado também ao comprar mordedores de plástico, chupetas e mamadeiras. O ideal, ainda, é que crianças pequenas não usem maquiagem, pois esses elementos estão presentes em vários tipos de cosmético.

E a indústria?

“Se você deixar de comprar produtos que, conhecidamente, tenham essas substâncias, isso vai impactar financeiramente as empresas. Deixar de usar plástico é difícil, mas impacta a indústria e diminui a produção. A população tem que conhecer os possíveis efeitos para tentar se expor o menos possível”, alerta a médica. É um trabalho de formiguinha.

Um dos desafios de se criar mais políticas públicas para educar a população e estabelecer mais regulações para os fabricantes está justamente no fato de que as pesquisas científicas que comprovam esses danos são todas feitas em animais, não em humanos, por uma questão ética. “O que fazemos são estudos epidemiológicos, ou seja, que avaliam a correlação de doenças com a exposição que se sabe que existe em um determinado local”, explica a endocrinologista da SBEM.

Julienne, do Hospital Pequeno Príncipe, lembra que é preciso ficar de olho e lutar pela regulamentação e fiscalização do uso de agrotóxicos, pela exigência de informações adequadas em rótulos de alimentos e outros itens de uso pessoal, assim como pela proibição da comercialização de produtos reconhecidamente prejudiciais à saúde. “Tudo isso deve fazer parte das políticas públicas para diminuir a exposição humana a esses compostos”, completa a médica.

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