Quando o assunto são os amigos, nós, adultos, logo pensamos naquelas pessoas com quem sabemos que podemos contar nos momentos difíceis e também comemorar nossas vitórias, além de simplesmente jogar conversa fora e pedir conselhos sobre as coisas mais bobas. Para as crianças, o conceito de amizade é diferente. Elas não têm essa profundidade toda de relacionamento, e amigos, para elas, são as outras crianças com quem podem brincar e explorar novidades com o mesmo entusiasmo.
E é vital estimular que essa interação aconteça. “Quando o bebê sai da barriga, só tem a mãe. O contato com ela dá as bases dos relacionamentos futuros e do desenvolvimento das inteligências. Depois vêm a percepção do colo, da casa e, finalmente, do outro. É aí que entra o processo de sociabilização com outras crianças”, contextualiza a psicóloga Silvana Elisabete Moreira, especialista em neurolinguística, focada em orientação familiar e que atende pela plataforma online de serviços de saúde Doutor 123.
Compreensão sobre a própria existência
Silvana explica que é nas amizades infantis que a criança testa força e limites, aprende a resolver conflitos e situações que não ocorrem com os pais ou cuidadores e entende mais sobre ela própria. “Com os amigos, as regras são diferentes. Os adultos tendem a facilitar a vida dos pequenos, mas entre iguais não tem isso. Quanto mais a criança interage com outras do mesmo tamanho, mais preparada estará para a vida adulta”, diz.
A psicóloga e pedagoga Maria Drummond Gruppi, do Ponto Ômega (berçário e escola de Educação Infantil bilíngue), concorda e complementa: “O desprendimento é lento, mas é a partir da presença de suas semelhantes que a criança trabalha o egocentrismo e aprende a viver no mundo real, que não tem sempre o adulto que a protege.”
Aprendendo a dividir com os amiguinhos
Uma das grandes preocupações dos pais em relação ao comportamento social dos filhos é, sem dúvida, que eles saibam dividir – brinquedos, lanches, o que for possível – com outras crianças. O aprendizado dessa habilidade é muito mais fácil quando eles são seres sociais e têm amiguinhos de brincadeiras e recreação.
“Na primeira infância, a criança é muito egocêntrica, e é natural que seja. Ela quer ficar grudada com seu brinquedo, por exemplo, e aos poucos aprende a compartilhar, porque o amiguinho vai lá e toma. No começo, é choro e frustração, mas ela passa a tolerar essa situação e a ter uma convivência produtiva”, analisa Maria.
Para Silvana, enfrentar as frustrações desde cedo é imprescindível para se tornar um jovem e um adulto confiante: “Se ela é ‘poupada’, vira uma pessoa que não sabe lidar com a vida. Isso tem se manifestado muito nos jovens, e nos deparamos com cada vez mais casos de abuso de drogas e depressão.”
A ida à escola
Começar a frequentar uma escola, seja com meses de vida, no berçário, ou já maiorzinha, no Ensino Infantil, é um passo importante para a criança fazer suas amizades e vivenciar tudo que estamos discutindo aqui. As psicólogas Silvana e Maria têm plena convicção disso, mas discordam quanto à idade em que é melhor fazer a matrícula.
Maria acha que aos 6 meses de vida o bebê já deve ser colocado em um berçário, para iniciar o convívio. “É quando ele começa a se reconhecer como independente da mãe. O ideal, nesse ponto, é ficar meio período na escola e meio período com a pessoa adulta. Dos dois anos em diante, já deve ficar o máximo possível na escola, para ter uma rotina permeada pelos horários do sono, das refeições, das atividades”, defende.
Já Silvana considera melhor esperar um pouco mais e matricular a criança na escola por volta dos 3 anos de idade. Ela justifica: “Nessa fase, ela já tem mais domínio de suas expressões e mais habilidades formadas. Antecipar as fases atropela processos neurológicos.” E será que a falta de um contato diário com outras crianças não fará falta? A psicóloga especialista em neurolinguística diz que não e sugere alternativas: “Enquanto isso, ela pode ser levada à pracinha, ao clube para encontrar e interagir com seus semelhantes, aprender a lidar com o mundo externo.”
A decisão, é claro, fica a cargo de cada família e suas necessidades.
O papel dos pais
No meio disso tudo, mãe e pai precisam entender como se colocar nas novas dinâmicas do filho. Não é tarefa tão simples: aquele serzinho totalmente dependente deles vai aos poucos expandir seus círculos, mas deve continuar vendo nos dois sua base de amor e limites. “A criança tem a necessidade do aconchego doméstico, independentemente das relações que forme e tenha fora de casa”, afirma Silvana.
O conselho de Maria é que os pais assumam o papel de espectadores nas novas amizades da primeira infância: “Querer forçar uma amizade infantil não é prejudicial, mas estressa. É mais produtivo acompanhar as tentativas de interação e deixar a criança resolver se der certo ou não. E segurar a ansiedade para não interferir; se os pais sempre entrarem como intermediários, criam filhos inseguros, que sempre esperarão que alguém superior resolva seus problemas. A interferência só pode ocorrer se a situação ficar física e perigosa.”
E, claro, continuar brincando em família em casa e em situações sociais, como uma ida ao parque, ao shopping, a um restaurante. Isso é benéfico para pais e filhos sempre.