4 danos que a criança pode levar para a vida adulta ao apanhar na infância

Especialistas explicam que uma infância marcada por agressões pode resultar em problemas de autoestima, transtornos psicológicos e ciclos de abuso.

Por Alice Arnoldi
Atualizado em 22 fev 2022, 14h42 - Publicado em 12 fev 2022, 14h00
Criança-com-as-mãos-na-cabeça
 (Meruyert Gonullu/Pexels)
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“Eu apanhei e não morri”, “apanhei e não virei um revoltado”, “apanhei e não odeio meus pais”. Estas são algumas das frases que pessoas ainda utilizam para justificar a palmada e outras formas de agressões como maneiras de educar crianças pequenas. Só que o cenário não é tão simples como é colocado: as consequências de crescer em um ambiente hostil tendem a ser complexas, podendo refletir em diferentes áreas da vida dos menores.

Recentemente, o assunto voltou a ser debatido após o episódio em que o surfista Pedro Scooby, participante do BBB22, narrou uma situação em que batia no rosto do filho Dom, de nove anos. “Fui falar uma parada e ele me respondeu. Ele estava aqui (do lado) e minha mão só fez assim: ‘plau’, na cara dele. O beiço ficou igual ao Patolino e ele nunca mais me respondeu na vida”, contou.

Scooby ainda disse que sentiu “dor no coração” ao ter esta atitude e afirmou que nunca quebraria algo (do corpo) do filho, mas afirmou que na vida é preciso levar um susto para entender o que é respeito. Este tipo de posicionamento pode ser visto como comum, principalmente em uma sociedade que ainda normaliza a violência, mas são comportamentos assim que podem desencadear danos tanto na infância em si quanto nas fases seguintes.

1. A criança cresce acreditando que não tem valor 

Com episódios frequentes de agressão, como palmadas, chacoalhar a criança e até mesmo deixá-la chorando no berço ainda quando bebê, Fernanda Teles, educadora parental, explica que é esperado os pequenos começarem a desenvolver a crença negativa de que não são dignos de serem acolhidos diante das suas demandas.

“A criança passa a entender que toda vez que chora, leva um tapa ou não é atendida. Então, ela começa a acreditar que não pode expressar suas necessidades e precisa se calar“, detalha a especialista.

Ela cita o clássico exemplo de quando o pequeno não é reconfortado ao chorar durante a noite e, alguns dias depois, a situação não se repete mais. “Não é porque ele aprendeu, mas porque deixou de acreditar que precisa expressar suas necessidades emocionais”, diz Fernanda, já que a interpretação que pode vir a surgir é que elas não são importantes por não serem atendidas. “A criança não deixa de amar seus pais quando apanha, mas a si mesma”, conclui a educadora parental.

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2. Ela pode ter dificuldade para estabelecer limites

Ainda que a justificativa seja de que é “só” uma palmada e não um espancamento, Márcia Tosin (@criacao_neurocompativel), psicóloga infantil, lembra que estudos já são capazes de mostrar que o corpo infantil absorve as duas situações na mesma frequência. “Afinal, não importa o que você quis dizer, mas o que a criança sentiu”, completa a especialista.

Assim, com comportamentos negativos sendo reforçados frequentemente, o sistema emocional do pequeno é cada vez mais confundido sobre o que é bom ou não para si, inclusive a respeito do que pode ser feito com o seu corpo. Por exemplo, se ele é ensinado que não é qualquer pessoa que pode tocar nele, mas ao mesmo tempo apanha no bumbum como forma de punição, a interpretação pode ser de aquela região não é tão inviolável como diziam.

“Qualquer tipo de abuso emocional é extremamente danoso à criança, uma vez que aqueles que deveriam exercer o papel de proteção e afeto, estão ocupando o lugar de agressores. Isso confunde a cabeça da criança e gera frutos que podem variar, que vão desde a vulnerabilidade emocional até a própria reprodução de comportamentos agressivos”, enfatiza a psicóloga infantojuvenil, Manuella Bayma (@psicologiainfantil).

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(cottonbro/Pexels)
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3. O amor é ensinado como sinônimo de dor

Entre estas confusões emocionais que a criança pode enfrentar ao ser educada com medidas punitivas está o entendimento do que é o amor. Quando suas figuras de referência, em que ela acredita que são fontes inesgotáveis do sentimento, são violentos, a tendência é que as agressões passem a ser naturalizadas e até mesmo associadas à emoção.

Ela vai aprender, nas suas primeiras relações, que o amor dói e isso é aceitável. Além de que ele está condicionado dentro de uma situação de hierarquia e preso numa relação de poder, em que alguém comete abuso” Márcia Tosin, psicóloga infantil

Mais para frente, quando adolescente ou adulto, isso pode vir a refletir em comportamentos negativos diante das relações deste indivíduo. “A violência ensina à criança sobre o que ela pode esperar das pessoas, achando que é normal tanto bater quanto receber outras agressões. Isso pode criar um ciclo de diversos abusos que ela vivencia”, explica Manuella.

4. A violência pode acabar sendo repetida no automático

O uso de métodos punitivos como educação ainda vem de um diálogo sobre gerações que foram orientadas que ensinar só era possível desta forma, repetindo o padrão. E, ainda que as atitudes sejam racionalizadas e caminhem para agressões não tão explícitas quanto o bater, a violência sentida pode aparecer em outros comportamentos.

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Na infância, Fernanda explica que os episódios frequentes de “só um tampinha” podem levar ao desenvolvimento de uma criança mais agressiva na escola, por exemplo, em que ela bate e xinga os amiguinhos. Na adolescência, esse comportamento fica um pouco mais complexo, resultando em filhos dispostos a romperem o laço com os pais por não terem se sentido acolhidos e até mesmo amados na infância.

Já na fase adulta, quando mulheres e homens decidem viver a parentalidade, a violência pode acabar sendo repetida com os filhos de formas diferentes e que, sem um olhar de atenção para a situação, acabam não sendo classificadas como deveriam, isto é, como agressões. “A maneira que fomos criados está tão enraizada dentro de nós, que podemos começar a repeti-la com nossos próprios filhos sem perceber, como gritar com eles, xingá-los ou colocá-los de castigo”, diz Fernanda, que completa: “Assim, posso até racionalmente dizer que não vou bater tanto no meu filho igual eu apanhei, mas vou transformando a agressão em formas de agir extremamente autoritárias”.

E é até mesmo por isso que Márcia enfatiza que os pais que começam com uma palmada “fraca”, como se tudo estivesse sob controle, podem ver a situação desbandar e acabarem tendo uma atitude ainda mais perigosa. “Porque aquilo já foi legitimado na convivência com a criança”, esclarece a psicóloga infantil.

Então, o que é necessário fazer para mudar a situação?

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(Ketut Subiyanto/Pexels)
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Acolher-se. É fundamental que o pequeno seja cuidado diante das situações desafiadoras que já viveu dentro de um ambiente hostil, mas mudar isso só é possível quando primeiro olhamos para dentro. Navegar pelo autoconhecimento não é fácil, no entanto, é a maneira de acolhermos a nossa parte que também foi marcada por violências anteriores.

“Muitos dos gritos que os adultos dão não são deles, são da sua criança ferida que está se expressando, afinal, é a forma que está registrada e ela está reproduzindo”

Fernanda Teles, educadora parental

Então, a partir do momento que se entende que nenhum método punitivo é válido como educação, pode ser necessário recorrer à ajuda especializada para encontrar outras formas de se expressar dentro das relações, especialmente para conseguir entender que é possível ser assertivo e acolhedor com os pequenos, sem que o respeito que eles têm por você seja colocado em cheque. “É um processo para que possamos educar de forma diferente, libertando primeiro a nós mesmos”, finaliza a educadora parental

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