O livro que fez meu relógio biológico apitar: vai dar tempo de engravidar?
"Maternidade", de Sheila Heti, e as reflexões despertadas sobre o desejo de, um dia, ser mãe
Há algum tempo, comecei a usar a Biblion – a Biblioteca Virtual do Estado de São Paulo, que pode ser acessada pelo site ou pelo aplicativo, uma maravilha (e gratuitíssima!). O catálogo tem uma grande diversidade de livros, muitos deles disponibilizados no instante em que você quer ler, enquanto outros precisam de reserva e espera, tal qual se fazia nos tempos de Alexandria.
O fato é que eu, amante do papel e do cheiro da tinta impressa, me vi lendo mais e mais rapidamente no tablet do que costumo ler os livros físicos. A vida tem dessas surpresas, né?
Pois bem. O fácil acesso e a possibilidade de “experimentar” e devolver o livro em seguida, depois de três páginas que te fazem torcer o nariz, me deram a liberdade de emprestar títulos que normalmente eu não arriscaria. Foi numa dessas que caí no erro de ler Maternidade (compre aqui), da Sheila Heti.
Não que seja ruim, pelo contrário; é ótimo. Mas ele despertou uma caraminhola que seguia adormecida na minha cabeça e que poderia ter continuado assim por pelo menos mais um ano. Mas não. Acordou se espreguiçando, pronta para alugar um terreno bem grande na minha mente e hoje já tem até, ela mesma, seus inquilinos.
O livro é sobre o dilema que se abate sobre muitas de nós, mulheres entre os 30 e 40 anos que ainda não têm filhos: meus óvulos estão envelhecendo comigo. E aí? E aí que, ignorando o bom e velho ditado segundo o qual a ignorância é uma benção, andei escrevendo sobre congelamento de óvulos e soube, por minha própria matéria, que o ideal é congelá-los até os 35 anos. Eu fiz 33.
Tic tac. É como se tivessem colocado uma bomba relógio, daquelas do Pica-Pau, bem no meu colo. E, assim como no desenho, não importa o que eu faça – jogue pela janela, esconda dentro da geladeira, afunde numa banheira cheia de espuma ou cave um buraco bem fundo e enterre no jardim – no instante seguinte, ela se materializa de volta no meu colo. Tic tac.
Uma escolha com prazo de validade
No livro, a protagonista-narradora está angustiada por não saber se quer ter filhos. Por não conseguir se decidir. É uma escrita intimista, que beira a autoficção, em que Heti traz prós e contras da maternidade, ora de forma clara e racional, ora de maneira desorganizada e visceral, tal qual a vida. No enredo, ela é casada e tem uma vida ok (leia-se “cheia de dramas, medos, aflições e traumas, assim como todas nós”), mas seu marido já tem uma filha de um relacionamento anterior e não quer outra criança. A angústia é toda dela e se estende por anos e anos descritos ali naquelas linhas, como se estivéssemos lendo um diário em que a personagem anota o que vem à tona a partir de seu mergulho em si mesma. No final, há uma conclusão (mas não vou dar esse spoiler).
O ponto que se abateu sobre mim, porém, foi outro: o de querer, um dia – isso é importante: um dia! – ser mãe. O problema é fazer as contas, ainda que eu seja péssima nisso, e descobrir que talvez não dê tempo – ao menos não pelos meios naturais.
[Você aí, que foi fã de Friends, talvez se lembre do episódio em que a Rachel faz aniversário e começa a calcular com quantos anos teria que começar a namorar o pai de seu futuro filho para dar tempo de namorar, casar, engravidar e… Bem, descobre que já tinha passado da idade. Você também deve se lembrar de que, depois, a vida acontece de formas inesperadas e ela se torna mãe de Emma.]
Eis que escrevendo minha própria matéria – e Freud explica a sugestão de pauta – comecei a ver o congelamento de óvulos como a possibilidade da espera. Uma possibilidade cara, é verdade. Um investimento em uma certa tranquilidade (“certa” porque, sabemos, nada é garantido. Nem as vias naturais são), atravessada por privilégios mil. Mas uma possibilidade.
Enfim. Isso tudo para te contar que a Biblion é maravilhosa e um baita incentivo à leitura. Aproveite! Só tome cuidado com as escolhas: nunca se sabe o que a literatura vai despertar dentro da sua cabeça.