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Cultivo Materno

Jornalista fundadora do Co.madre, Juliana Mariz acredita que mães não têm superpoderes, são mulheres de carne e osso sobrecarregadas e que merecem um lugar de destaque na sociedade
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Eu não sou mãe chata!

Desde quando impor limites ou tomar decisões é ser chata? Proponho que deixemos de lado essa autodepreciação e sejamos mais gentis com nós mesmas.

Por Juliana Mariz
5 jun 2022, 14h00

Outro dia estava sentada esperando minha filha sair de uma atividade quando ouvi um papo do grupo de mães ao lado. Uma delas dizia que não queria mudar o filho de esporte para não ser “a mãe chata”. Na mesma semana, uma amiga me contou que tinha permitido a filha fazer algo porque não queria ser “a mãe chata”. Achei curiosas essas duas cenas e fiquei refletindo: desde quando impor limites ou tomar decisões é ser chata?

Mas, então, me dei conta que essa narrativa é muito comum. Tão comum quanto injusta. Lembrei que ouvia minha mãe dizer: “Seu pai deixa tudo e eu sou a chata”. E sei que eu mesma me senti assim diversas vezes. A última foi quando minha filha de doze anos pediu para almoçar com os amigos perto da escola. Eu permiti com a condição de acompanhá-la no trajeto, já que ela não andava sozinha na rua ainda. Fui a chata da vez. E me senti mal por isso, embora convicta da minha decisão.

Não sou psicóloga, não estudei psicanálise, mas vou arriscar aqui um comentário a partir das minhas reflexões e sensações. Deixar de tomar decisões em que acreditamos por medo de sermos taxadas de chata talvez explicite alguma insegurança em relação a esse amor entre mães e filhos. Será receio de não ser mais o centro afetivo dessa criança? Será carência emocional, uma necessidade de beber na fonte desse afeto filial que parece inesgotável, mas que se consolida também com a demonstração de cuidado e limite, com os embates e desacordos?

“O ‘não quero ser a chata’ muitas vezes encobre o nosso incômodo de ter de se posicionar, brigar, contrariar…”

Segue o fio comigo: nos intitular de chatas é perpetuar uma mentira injusta, mas pode ser também desviar de responsabilidades. O “não quero ser a chata” muitas vezes encobre o nosso incômodo de ter de se posicionar, brigar, contrariar… Ou seja, para não discordar dos filhos, ficamos em cima do muro em nome do “sou a mãe legal”. Já pensou sobre isso?

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Essa depreciação esconde também um contexto indiscutível: não somos chatas, estamos sobrecarregadas. Talvez se as mulheres pudessem dividir mais as responsabilidades, as resoluções, os afazeres, elas não se sentiriam tão exaustas. Temos um nome para isso: fadiga de decidir.

Proponho que a gente mude essa narrativa. Que a gente deixe de lado essa autodepreciação, que sejamos mais gentis com nós mesmos. Não somos chatas. Como escreveu bell hooks em seu livro Tudo Sobre o Amor: “Abraçar uma ética amorosa significa abraçar todas as dimensões do amor – cuidado, compromisso, confiança, responsabilidade, respeito e conhecimento – em nosso cotidiano”. Então, quando achar que está sendo chata, peça ajuda, divida a carga e lembre-se que você está “apenas” desempenhando seu papel.

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