Tadeu França: Oração ao Tempo… de Qualidade
Vivemos num mundo em que o tempo se tornou luxo, e assim seguimos. Mas o que podemos fazer de diferente por nossas crianças?
![vários relógios digitais dispostos em um fundo amarelo](https://bebe.abril.com.br/wp-content/uploads/2023/11/tempo-de-qualidade-filhos.jpg?quality=70&strip=info&w=1280&h=720&crop=1)
O cantor e compositor Caetano Veloso, na música Oração ao Tempo, de 1979, escreveu: “Ainda assim acredito ser possível reunirmo-nos. Tempo, Tempo, Tempo, Tempo. Num outro nível de vínculo. Tempo, Tempo, Tempo, Tempo”. Neste trecho, ele mostra a esperança e a crença na possibilidade de criação de vínculos positivos, apesar da imprevisibilidade do tempo. E assim também funciona na nossa parentalidade.
Não sabemos o que o futuro nos reserva, somos um resultado dos acontecimentos do passado, tentando no presente fazer a diferença na vida das nossas crianças. A gente só não contava que o mundo fosse tão cruel com a nossa existência, nos forçando a viver num modo de sobrevivência, em que o tempo é luxo e nós nos acostumamos com essa narrativa, levando tudo assim mesmo.
A gente sai para trabalhar, prover o sustento, pagar as contas, manter a casa em ordem e em bom funcionamento, manter os filhos vivos e saudáveis, e o ócio e o lazer são artigos raros e descartáveis – não porque não os queremos, mas porque a vida e o tempo não nos deixam acreditar que isso, na trajetória de um Pai e de uma Mãe, também é possível.
Eu paro para imaginar em quantas e quantas casas brasileiras Pais e Mães saem para trabalhar com os filhos dormindo, e chegam do trabalho com os filhos dormindo. Não porque querem, mas por falta de opção. E, nesse caso, é importantíssimo fazermos aqui um recorte de classe e de gênero.
A mulheres foi imposta a função de cuidar, a homens, a função de prover. E muitos pais acreditam fielmente que essa é a ordem natural das coisas, até porque as gerações anteriores funcionavam assim e vida que segue. Isso se agrava quando falamos de pessoas em situação de mais vulnerabilidade, sem rede de apoio (familiares, babá, creche), sem acesso à informação e financeiramente instáveis.
Onde eu quero chegar? É um desafio muito complexo cobrarmos uma Paternidade presente de um Pai nessas situações, embora seja necessário, e todas essas dificuldades não podem servir de escudo para mais sobrecarga materna. Mas o que nós, enquanto pais, precisamos refletir e buscar são estratégias para que esse pouco tempo que temos para criar vínculos com os nossos filhos seja um tempo de qualidade.
![tadeu-frança-filhos Homem sentado no chão, próximos de dois garotinhos. Todos estão sorrindo](https://bebe.abril.com.br/wp-content/uploads/2023/11/tadeu-franca-filhos.jpg?quality=90&strip=info&w=1024&crop=1)
Existem muitos pais com mais privilégios, que possuem mais tempo em quantidade, mas sequer se importam em criar esses vínculos de qualidade para o desenvolvimento de seus filhos. Muitas vezes, eles acham que vínculo se compra com presentes, quando, na verdade, é com presença.
Conheci um pai que vive exatamente nesse recorte que destaquei acima. O trabalho e o modo sobrevivência o deixavam praticamente o dia todo longe de seus filhos. Ele me relatou como, à sua maneira, fazia de seu pouco tempo um tempo de qualidade: toda vez que saía para trabalhar, bem cedo, enquanto os filhos dormiam, ele sempre dava um beijinho e deixava um bilhetinho na cabeceira da cama dizendo: “O Papai te ama muito!”. À noite, com os filhos já dormindo, ele pegava um livrinho e lia uma história para eles, mesmo com o sono mais pesado possível. Quando a situação estava um pouco melhor, o bilhetinho era acompanhado de um delicioso chocolate.
Percebam, estamos falando de um pai presente na ausência, que quer paternar, não negligencia a responsabilidade afetiva que tem com seus filhos e criou um caminho para estabelecer esse vínculo tão importante. Infelizmente, muitos pais se escoram nessa situação, e escolhem não exercer e sequer demonstrar esse afeto para suas crianças. Isso é algo muito danoso na formação, no crescimento, no fortalecimento da autoestima e nos sentimentos de um filho.
Então, que nós, adultos cuidadores, sejamos responsáveis e tratemos o tempo com o devido valor que ele merece. No seu tempo livre, a história sem pé nem cabeça que a criança está inventando e contando é muito mais importante do que a notícia da separação da blogueira famosa que você estava vendo num perfil de fofoca aleatório no Instagram. Um beijo e um abraço do seu filho é muito mais importante do que a troca de figurinhas engraçadas e dos assuntos tóxicos do seu grupo de futebol do WhatsApp. O olho no olho e a troca genuína de afeto com aquele ser que te ama muito e implora por carinho e atenção são muito mais importantes do que a vitória ou a derrota do seu time do coração.
Se você chegou até o final da leitura desse artigo, entenda isso como um recado do tempo para você. Ele não para, e é sua responsabilidade e escolha aproveitar da melhor maneira possível o tempo de qualidade com sua criança, enquanto ela ainda cabe no seu colo. E eu sei que você sabe que, se você quiser, ela caberá para sempre.
Converse com Tadeu França no @otadeufranca.