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Cartas para minha filha

Jornalista e editora do Bebê.com.br, Fernanda Tsuji guarda cartas para o futuro, colecionando textos para sua filha Cecília ler quando for mais velha.

A importância de confiar no meu maternar – e em nós duas. 

Ou o porquê do dia das mães ser melhor a cada ano. 

Por Fernanda Tsuji
Atualizado em 9 abr 2021, 15h01 - Publicado em 10 Maio 2020, 12h01
Duas mãos entrelançando o dedo mindinho
 (venimo/Getty Images)
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Hoje eu lembrei de uma foto que nunca foi tirada. Eu e você, deitadas naquele sofá apertado do hospital em que ficou internada quando era bebê. Era difícil ver você sendo picada para encontrar a veia, tão fina, da mãozinha que segurava a minha com força. O seu choro baixinho, às 4 da manhã, detonava toda a minha segurança. O que eu estava fazendo de errado que minha bebê precisou ir pro hospital tão pequenininha? Era uma bactéria oportunista, ninguém tinha culpa, eu sei, mas não conseguia evitar o pensamento (a tal da culpa materna, você já deve ter ouvido falar aí no futuro…) 

Lembro que foi a primeira vez, de fato, que eu senti que a maternidade ia além do amor e dos cuidados da rotina. Era preciso bancar. Por isso, por minha conta e risco, mesmo sabendo que iria levar um pito das enfermeiras, eu baixava as grades e pegava você no colo. Só assim, aninhada, você acalmava o choro doído e a gente finalmente adormecia abraçadas. Sentindo a outra respirar bem perto. Igualzinho na nossa primeira foto – esta sim registrada –  na sala de parto, onde você parou de chorar instintivamente ao colocar a mão no meu rosto. 

Fato é que eu também peguei a tal bactéria, mas a sua melhora era notável e você ficava bem mais calma o dia todo. Em tempo de coronavírus, falar disso parece uma realidade distante, completamente diferente. Se fosse hoje, seria impossível, mas ali, em 2017, esse cheirinho foi o jeito que a gente encontrou de se reconhecer no mundo.

De confiar na outra, porque nós duas estávamos com medo e fora da nossa zona de conforto. Brinco que era a fungadinha secreta que você me dava que fazia todo o esforço valer a pena. Era assim, que a gente ia se conhecendo e se acalmava no puerpério; foi assim que aguentamos o tempo no hospital; é assim que a gente dorme até hoje, curando nossos cansaços em dupla quando a luz apaga. 

Consigo lembrar também de outro episódio: da sensação de ardência no peito quando embarquei sozinha com você numa viagem de avião só nós duas. As pessoas diziam, preocupadas, se era realmente prudente viajar com uma bebê de um ano e meio. Quando ouvi de alguém “mas você vai dar conta?”, eu despertei como uma leoa dos meus medos.

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Dar conta? Ela não poderia estar mais segura do que com a mãe dela, poxa. Fiz as nossas malas e fomos. Com um pouco de medo, não nego, mas com certeza de que comigo você estaria bem aonde quer que fosse. Eu estava escolhendo viver aquilo com você. 

Estas lembranças foram só duas migalhas da infinidade de pequenas escolhas que a gente banca na maternidade sem nem perceber o valor que isso tem. Como vai construindo a mãe que somos, como vai formando o filho que a gente tem. Confiar uma na outra é minha premissa, filha. Vai ficar tudo bem se a gente souber quem a outra é. 

Maternar é construção

É verdade sim que a gente precisa de uma vila para criar uma criança. E a minha rede de apoio é fantástica. Me esforço para criar vínculos de ajuda mútua com minha família e meus amigos. Mas os outros, aprende, filha, podem ajudar, podem atrapalhar, podem dar pitaco, podem julgar, mas existe uma parte do ser mãe que é confiar naquilo que você conhece da sua filha. Única e exclusivamente você. 

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Isso não quer dizer que as mães vão acertar o tempo todo. Não se trata de certo ou errado e bem sabemos que perfeição é algo que não existe e que só gera frustração quando entra na conta materna. Comparação também, não esquece.

Mas existe aquela fração do maternar que é todinho construído nestas pequenas decisões e afetos rotineiros ao longo do caminho. Que vão calibrando nossa maternidade particular. E aí, desculpa, mas não tem ninguém que saiba melhor do que a mãe sobre aquela criança. Quando você percebe isso, fica menos à mercê dos julgamentos, dos conselhos ácidos, das dores do externo. 

Estou te contando isso sem a menor pretensão de parecer um manual sobre ser mãe – nem sei se um dia você vai querer ter filhos, pense bem a respeito – é só um pedacinho do que eu aprendi sobre nós duas. E se estamos falando de lembranças. Tenho mais esta: no dia 8 de março de 2018, você acordou, me beijou e disse “MINHA MÃE”. Foi a sua primeira frase certinha, com convicção.

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Duas palavras juntas que eu nem sabia que tinha esperado a vida inteira pra escutar – e nem que me definiria tão bem. Eu não era a pessoa que queria ser mãe desde pequena, sabe? Mas puxa, como faz sentido me ver assim agora.

Hoje, cansada da pandemia, sem ideia do que fazer de janta, com trabalho pra entregar, eu percebo que a nossa rotina pode me deixar exausta, mas eu nunca me canso de você, pessoa física. Nesses anos sendo sua mãe, não teve um só dia que eu tenha adormecido com o jogo ganho, sem ter acontecido algo novo, algo que me fez ter que improvisar, ficar esperta, estar atenta, fazer escolhas. Mas do começo ao fim, é um privilégio poder aprender com você pelo caminho, filha. Cada Dia das Mães é melhor que o anterior.

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