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Cansada, mãe?

Lia Abbud é jornalista e uma das criadoras do @Fatigatis, um projeto de conteúdo sobre estresse materno que propõe estratégias em direção ao bem-estar físico e mental feminino.
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Mais leveza, menos cobrança: precisamos de férias mais do que nunca.

O segundo semestre não será fácil, então, é hora de quebrar a rotina e se permitir dias menos sobrecarregados.

Por Lia Abbud
Atualizado em 9 out 2020, 16h11 - Publicado em 19 jul 2020, 18h01

Julho é, tradicionalmente, um mês em que as famílias costumam fazer uma pequena pausa em função das férias escolares. Descansar, conviver mais de perto, passear, viajar. Como tudo o que se refere a este 2020 tão atípico, esse padrão não está se repetindo neste ano. Nem todas as crianças e adolescentes estão em férias, já que muitas escolas anteciparam este período para os meses do início da quarentena, e viajar e passear também não são opções disponíveis no cardápio atual para a maioria das pessoas.

Nossa preocupação mais latente é com a sobrecarga feminina. Muito atarefadas, ficamos mais cansadas e frágeis emocionalmente. E a sobreposição de responsabilidades e preocupações neste primeiro semestre, vamos combinar, foi enorme. Imagino, portanto, que estejamos todas com a bateria “pifando”.

O convite que quero deixar aqui é para que você busque descansar neste mês. Quebrar um pouco a rotina, se permitir mais momentos de leveza, mais janelas de autocuidado, menos cobrança e rigidez nos horários e comportamentos. Nossa saúde física e mental às vezes dá sinais e pede ajuda. Mas a correria é tanta que ignoramos.

A quebra é importante porque já sabemos que o segundo semestre não será fácil. Vivemos um dilema bastante complexo: as atividades econômicas estão sendo retomadas pouco a pouco e as escolas paulistas talvez reabram suas portas, gradualmente, a partir de setembro.

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No caso dos meus filhos, que cursam o quinto e o oitavo ano, já fui informada pela escola de que o mais novo talvez volte a ter aulas na estrutura física em outubro e que a mais velha não voltará presencialmente em 2020. Eles ainda não sabem, porque não quero antecipar sofrimentos. Tenho o privilégio de poder trabalhar de casa – já fazia home office antes da pandemia – e mesmo assim esta notícia me “pegou de jeito”. Não porque eu acredite que a volta deveria acontecer antes disso – defendo a dinâmica que seja mais segura para a coletividade-, mas porque temo que o retorno descasado da reabertura do mercado, que já ocorre gradualmente desde o final de junho, e das escolas afetará sobremaneira as mulheres e suas carreiras.

Haverá um debate sobre quem ficará em casa com os filhos enquanto as escolas não reabrem? Ou essa discussão, que deveria ser endereçada às famílias e à sociedade como um todo, talvez nem aconteça? Será que a história (herança cultural) e a matemática (questão salarial) é que guiarão esse movimento?

Assumir que esta é uma questão apenas das mulheres reforça ainda mais essa invisibilidade e os estereótipos de décadas atrás, como se à mulher coubesse apenas o papel de cuidadora e, ao homem, o de provedor. Essa conversa não pode ir para debaixo do tapete simplesmente por ser difícil e estamos puxando o fio dessa prosa. A retomada exige um esforço concentrado entre famílias, poder público e iniciativa privada.

Nas famílias, temos de retomar um assunto que repetimos exaustivamente: é necessário falar sobre divisão de tarefas. A pandemia escancarou as demandas que uma casa e que filhos exigem de um amanhecer até outro. Só não viu quem não quis. Sentar e fazer uma lista de tarefas e distribui-la aos membros da família, levando em consideração habilidades e tempo disponível, é essencial.

Empresas também precisam estar no centro da conversa sobre a retomada. De que forma as companhias podem ser, de fato, “family friendly?” Existe realmente um olhar compreensivo e inclusivo em relação às particularidades de cada família? O discurso da diversidade, que agora será colocado em prova, irá se sustentar na vida real ou funcionava apenas para consumo externo e para ilustrar reportagens sobre boas práticas?

Já sabemos que os limites entre o profissional e o pessoal não existem. Filho passando atrás da câmera do notebook quando os pais estão em reunião já virou algo rotineiro. Levantar no meio de uma conferência para desligar a panela de pressão também pode acontecer. Como a empresa vai apoiar o profissional que trabalha remotamente ou que está indo, eventualmente, ao escritório?

Quando Angela Merkel, primeira ministra alemã, diz que vai interferir com toda a sua força cobrando ações efetivas do parlamento para evitar que ocorra uma retradicionalização de papeis e para garantir que homens e mulheres tenham os mesmos direitos, a gente tem a certeza de que o temor não é infundado: o avanço da mulher no mercado de trabalho conquistado nas últimas décadas está ameaçado. Precisamos falar sobre isso.

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