É muito comum a criança amanhecer manhosa, com choro, um pouco febril e sem aquela disposição de sempre. E os pais, ao procurarem um pediatra, escutam a frase clássica: “é uma virose.” Afinal, o que é essa tal virose? Segundo especialistas, trata-se de um grupo de doenças causadas por vírus, cujos sintomas mais comuns são justamente a febre, a falta de apetite, o abatimento – ou prostração, como costumam dizer -, irritabilidade, dores de cabeça e no corpo todo, vômitos, espirros, coriza, tosse e, em alguns casos, até mesmo diarreia e feridas na boca e na pele – incômodos que podem aparecer isoladamente ou combinados e que variam conforme os vírus causadores e do órgão ou sistema atingidos.
Os vírus mais comuns são o rinovírus, do resfriado comum; enterovirus, da gastroenterite aguda; sincicial respiratório, causador da bronquiolite viral aguda; os da família Herpes Virus, da varicela ou catapora e gengivoestomatite; e influenza (gripe). Por isso, as viroses mais comuns são aquelas do trato respiratório, principalmente a rinofaringite aguda, mais conhecida como resfriado comum.
“As chamadas viroses banais ou benignas, em que os sintomas são menos intensos e a criança preserva seu bom estado geral, podem durar até sete dias”, explica o pediatra Sergio Eiji Furuta, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Nesses casos um bom exame clínico dispensa testes complementares, de laboratório, que geralmente são traumatizantes para as crianças.”
Segundo pediatras, a febre não se manifesta com a mesma intensidade em todos os tipos de doença e nem de maneira igual em todas as pessoas. Porém, de maneira geral, é possível afirmar que, nas viroses respiratórias a febre é baixa, em torno de 38 graus, persistente, principalmente nos primeiros três dias da doença. “Um elemento que pode auxiliar a família num julgamento preliminar – mas que não dispensa a avaliação do pediatra – é o estado geral da criança. Em regra, aquelas ativas e bem dispostas durante a enfermidade, principalmente nos intervalos em que está sem febre, tendem a apresentar diagnóstico de menor severidade”, explica Guilherme Sargentelli, pediatra do Prontobaby – Hospital da Criança, do Rio de Janeiro.
A temperatura do pequeno, aliás, é um aspecto importante para os médicos diferenciarem uma virose de doenças bacterianas ou outras mais graves. Em caso de infecção, a febre geralmente é alta e contínua, muitas vezes não cedendo nem com o uso de antitérmicos. “Nas viroses, a febre geralmente é baixa, cede com antitérmicos ou banhos, piora à noite e dura poucos dias. A criança não fica muito abatida. Bem diferente das infecções bacterianas, nas quais a febre costuma ser alta e contínua, com muita prostração, perda de apetite, só melhorando com antibióticos”, explica Furuta.
Nada de pronto-socorro
Segundo os médicos, é preciso ter muita calma nessa hora. Não há necessidade de correr para o pronto atendimento, assim que surgir o primeiro sintoma de virose. O ideal, segundo a pediatra Márcia Martins Marquesan, do Serviço de Controle de Infecção do Hospital da Criança Conceição, de Porto Alegre, é buscar o atendimento pelo pediatra da criança e não correr ao serviço de emergência. “Se a criança fica bem nos períodos sem febre, consegue brincar, alimentar-se, mesmo que em menor quantidade e não apresenta nenhum sinal de gravidade, como falta de ar, pequenas manchas vermelhas na pele, vômitos, desidratação e irritabilidade excessiva, os pais podem aguardar de 24 a 48 horas por uma consulta com o seu pediatra”, diz. Segundo ela, quando o médico já conhece a criança, sabe como fica seu estado quando adoece e isso facilita o diagnóstico e o tratamento.
Embora, para muitos, o mais adequado pareça ser procurar ajuda no pronto socorro numa hora dessas, não é. Como explicam os pediatras, esses serviços de emergência devem ser preservados para o atendimento a casos graves e urgentes. “E como a procura é grande, o pediatra de plantão nem sempre tem tempo para explicar direitinho aos familiares o que é uma virose”, destaca Sergio Furuta. Além disso, segundo eles, as famílias e profissionais devem caminhar em direção ao estreitamento da relação médico-paciente em ambulatórios para o acompanhamento de rotina. “Esse vínculo permite, por exemplo, informação, segurança e tranquilidade suficientes para enfrentar situações como essas”, reforça Guilherme Sargentelli.
Como a virose é geralmente benigna, o tratamento consiste no controle dos sintomas: antitérmicos ou banhos, quando há febre, repouso em vez de maior esforço físico, hidratação adequada e alimentação leve. É necessário ressaltar que a dieta deve ser de fácil digestão, preferencialmente líquida, com leite, laticínios e sucos naturais de frutas. E tudo isso conforme as medidas prescritas pelo pediatra. O importante, como destaca Sergio Furuta, é nunca dar antibióticos por conta própria à criança, porque esses medicamentos não combatem problemas causados por vírus e, ainda por cima, aumentam a resistência bacteriana.
E apesar de muitos pais fazerem de tudo para proteger seus filhos de todas as doenças, inclusive as de menor gravidade, é impossível evitar doenças virais. “É normal a criança apresentar episódios de doenças virais ao longo da infância. Dentro de uma média geral da população infantil, isso não constitui nenhum comprometimento do sistema imunológico”, ressalta Guilherme Sargentelli.
Para Márcia Marquezan, mais importante que tentar “blindar” a criança contra a troca de vírus no ambiente de convívio com outras crianças, é o incentivo a hábitos de higiene, como lavar as mãos, objetos e brinquedos, e o uso individual de utensílios como mamadeiras, copos, chupetas. Além disso, evitar a ida da criança à escola enquanto estiver doente, principalmente logo no começo dos sintomas, quando a transmissão dos vírus é mais intensa. “O sistema imunológico infantil vai se fortalecendo com o passar do tempo, principalmente depois dos 2 ou 3 anos de idade. Hábitos saudáveis de higiene, alimentação adequada, aleitamento materno, vacinação em dia e não exposição ao tabagismo no ambiente doméstico são essenciais para a saúde das crianças em qualquer faixa etária, principalmente quando o sistema imunológico ainda é imaturo”.
Para Furuta, uma maneira eficaz de prevenir as doenças virais é a vacinação. “Pena que não existem vacinas disponíveis para todas as viroses”, lamenta. Assim, as crianças devem ser mantidas em ambientes arejados, ventilados, sem a troca ou utilização conjunta de copos, talheres, toalhas e lenços. E, se apresentarem uma virose e ainda não tiverem sido avaliadas e liberadas pelo pediatra, não devem ser encaminhadas à escola. Assim, evita-se o contágio da doença pelos coleguinhas – as viroses são transmitidas desde o início dos sintomas – e também de não adquirir outro tipo de infecção, principalmente bacteriana, enquanto o organismo estiver debilitado pela virose.
O desaparecimento dos sintomas também depende do tipo de vírus. Em geral, a febre desaparece depois de três dias. Os demais vão enfraquecendo até que, depois de sete dias, não haja mais vestígios.