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Legislação sobre agrotóxicos pode mudar e trazer mais riscos aos pequenos

Da gestação à vida adulta, entenda o que essa história tem a ver com a saúde da família - e o que pode ser feito a respeito.

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 2 jul 2018, 15h06 - Publicado em 30 jun 2018, 13h54

Na última semana, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 6299/02, também chamado de “PL do veneno”, que muda a fiscalização e controle dos agrotóxicos usados na agricultura do Brasil. O projeto, em tramitação desde 2002, altera pontos importantes da lei que regula o uso dos fertilizantes e pesticidas, e é visto pelos especialistas como um retrocesso que pode ameaçar a saúde dos brasileiros.

“O Brasil é hoje campeão no consumo de agrotóxicos no mundo e a fiscalização que existe já não funciona como deveria”, comenta Aristides de Faria Júnior, ginecologista e  homotoxicologista do Cejam (Centro de Estudos e Pesquisas Dr. João Amorim), em São Paulo. “Se pensa em melhorar a produtividade, mas não nas consequências”, completa. De fato, o país lidera o ranking da utilização destes produtos, com um consumo que chega a 5 litros por pessoa ao ano.

Para virar lei, o PL precisa ainda ser votado pelo plenário da Câmara, mas as críticas a ele vêm de instituições importantes como o Instituto Nacional do Câncer, Organização Mundial de Saúde e Fiocruz, e apontam para um afrouxamento das regras. De acordo com o documento, o uso de novos agrotóxicos poderia ser feito só com a autorização do Ministério da Agricultura. Hoje é preciso passar pelo Ministério da Saúde e do Meio Ambiente e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que se posiciona contra a PL.

Além disso, somente produtos de risco “inaceitável” para a saúde não poderão mais ser utilizados. O ponto dos especialistas é que, mesmo sem a nova lei, diversos dos agrotóxicos, inclusive utilizados hoje, tem efeitos agudos se aplicados da maneira incorreta, como intoxicações pontuais no campo, e crônicos, como o risco de câncer a longo prazo. E uma possível flexibilização dessa regulamentação poderia intensificar esses riscos.

Para o bebê

Em regiões agrícolas, o uso indiscriminado de agrotóxicos e a contaminação do meio ambiente provocada pelo manuseio incorreto desses produtos são estudados por sua ligação com o aumento de malformações congênitas, como deformações nos ossos e músculos e nos órgãos reprodutores dos pequenos. A suspeita é antiga, e reforçada por um levantamento feito pela Fiocruz em zonas rurais do Paraná.

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“A placenta é um filtro maravilhoso, mas mesmo assim algumas toxinas ingeridas pela mãe, como a dos agrotóxicos, podem passar para o bebê pela corrente sanguínea”, comenta Júnior. Além das alterações físicas, alguns compostos, como o clorpirifós, utilizado hoje no Brasil e nos Estados Unidos, são atualmente investigados por seus potenciais danos na formação do cérebro dos bebês e até ao desenvolvimento de autismo.

Em Tomé, comunidade do interior do Ceará onde os pesticidas são aplicados por avião — prática proibida na União Europeia desde 2009 — a puberdade precoce, quando o corpo começa a amadurecer sexualmente antes do tempo, agora é relativamente comum. Como apurou a ONG Repórter Brasil, na pequena localidade há meninas de um ano já apresentando sinais de crescimento das mamas.

Para os pais

O efeito pode ser danoso antes mesmo da gestação acontecer. Um estudo do ano passado da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, mostrou que mulheres que consumiam mais frutas e legumes contaminados por agrotóxicos tinham menores taxa reprodutivas.

E outro trabalho, conduzido pela mesma instituição, encontrou a associação entre agroquímicos ingeridos por meio da comida pelos homens e uma redução da qualidade do sêmen. Vale destacar que até agora as evidências dizem mais sobre os efeitos do contato direto, que ocorre nas plantações. Ainda são necessários mais estudos para entender o impacto da dieta rica em agroquímicos.

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Mas as suspeitas crescem, sem dúvidas, e mobilizam as entidades científicas. Em sessão da comissão especial da câmara que trabalha na direção oposta, em uma política nacional de redução do uso de agrotóxicos, Márcia Scarpa, pesquisadora do Instituto Nacional do Câncer, destacou que esta categoria está ligada ao câncer, com destaque para os tumores de mama, próstata e cérebro, além do linfoma não Hodgkin.

O que pode ser feito à respeito

Há um limite de tolerância do organismo para processar as toxinas do corpo. Por isso, enquanto a legislação não muda, o que dá para fazer é fortalecer o organismo. “A má nutrição, por exemplo, piora o preparo da mãe para isso”, comenta Júnior, que destaca que no Brasil grande parte das gestações é não planejada. Assim, não é possível garantir, por exemplo, que os níveis de ácido fólico, que protege contra os efeitos dos pesticidas, estejam adequados.

Outras medidas podem ser tomadas na alimentação diária, como preferir alimentos orgânicos, que por definição não podem ser cultivados com químicos. Como nem sempre eles estão acessíveis, lavar em água corrente ajuda a retirar o excesso dos agrotóxicos que está no exterior dos vegetais, processo que pode ser realizado ainda com a ajuda de escovinhas e um pouco de detergente. O bicarbonato de sódio, segundo uma pesquisa publicada no Journal of Agricultural and Food Chemistry, é eficaz para remover alguns pesticidas comuns nas frutas.

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