Os primeiros meses de vida do bebê são cheios de novidades para os adultos que o rodeiam. Cada movimento diferente que o pequeno executa faz todos se derreterem. E, em meio a tanta admiração, a chance de os responsáveis notarem que a evolução da criança não está acontecendo como deveria costuma ser pequena. Isso fica ainda mais difícil se ela for portadora de uma doença rara e pouco conhecida, que muitas vezes passa despercebida até mesmo por médicos que não são especializados na área.
É o caso da distrofia muscular de Duchenne. Trata-se de uma doença genética que ocasiona fraqueza muscular progressiva e incapacitante, que afeta principalmente os meninos e, em cerca de 30% dos portadores, causa também problemas cognitivos, desencadeando alterações comportamentais e de aprendizado.1
A distrofia, na maior parte dos casos, é passada dos pais para o filho por meio dos cromossomos, mas também pode ser causada por uma mutação espontânea dos genes do pequeno, o que acontece em 30% dos casos.2 Ela é caracterizada por alterações no gene que codifica a proteína distrofina, que é responsável pela estabilidade das fibras musculares. “A ausência de distrofina no músculo resulta em inflamação, degeneração e substituição do tecido muscular por outro gorduroso e fibroso”, conta a pediatra Ana Lúcia Langer, do conselho deliberativo da Aliança Distrofia Brasil, maior organização de abrangência nacional de pessoas com distrofia muscular.
A doença é mais comum nos meninos, acometendo um em cada 3 500 a 5 000.3 No caso das meninas, além de ser um quadro mais raro, apenas 24% delas apresentam sintomas e eles costumam ser mais brandos.
Atenção aos sinais e sintomas
Alguns marcos motores aparecem em idade parecida em todos os seres humanos. Por isso, é importante ficar de olho em cada um deles. No primeiro ano de vida, o pequeno fica de pé com apoio e pega objetos com movimento de pinça. Com 2 anos já consegue ficar de pé com os pés juntos e olhos abertos, chuta a bola, aponta algumas áreas do corpo e usa a colher. Aos 5, fica com um pé na frente do outro com os olhos abertos, pula com o pé dominante uma distância de 5 metros, anda para a frente com um pé à frente do outro, conhece todas as cores e tem completo controle vesical e anal.4
Porém, quando o pequeno tem distrofia muscular de Duchenne, seu desenvolvimento não acontece nesse mesmo ritmo. “O bebê pode apresentar atraso em algumas aquisições motoras, especialmente ao andar e falar, nos primeiros anos. Depois, começa a sofrer quedas, caminhar e correr na ponta dos pés, ter aumento das panturrilhas e dificuldade para se levantar”, conta Karina Hamada Iamasaqui Züge, presidente da Aliança Distrofia Brasil.
Em longo prazo, o mal acaba afetando o trabalho do coração e dos pulmões, que também são formados por músculos. Assim, a criança começa a não conseguir acompanhar os amigos em atividades rotineiras, como brincar, pular e subir escadas, porque sente mais fadiga e falta de ar. Para ficar em pé, por exemplo, precisa recorrer a uma manobra típica, chamada de Gowers, na qual apoia as mãos no chão e, em seguida, sobre os joelhos, para só então erguer o tronco.
O tratamento é possível. Mas é multidisciplinar e precisa de continuidade
Como o quadro é progressivo, quanto antes for detectado e o tratamento tiver início, mais tempo e melhor a pessoa viverá. O tratamento precisa ser realizado por uma equipe multidisciplinar, que é coordenada geralmente por um neurologista especializado em doenças neuromusculares e envolve também pneumologistas, cardiologistas, ortopedistas, gastroenterologistas e endocrinologistas. Fisioterapeutas, nutricionistas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais também têm papel importante no processo.
Os recursos terapêuticos envolvem prescrição de medicamentos, suporte ventilatório para ajudar na respiração, acompanhamento cardiológico, orientação nutricional, uso de órteses e de cadeira de rodas, entre outros.5 Todos esses cuidados devem entrar em cena o mais rápido possível para prevenir ou retardar a progressão da doença, aumentar a expectativa de vida do indivíduo e ajudá-lo a enfrentar os obstáculos impostos pela enfermidade.
Conscientização sobre a doença
Para marcar o Dia Mundial da Conscientização da Distrofia Muscular de Duchenne, foi criada a campanha “Esse menino sou eu”. Ela é uma parceria da Aliança Distrofia Brasil com a PTC Therapeutics e contará com um conjunto de ações digitais que incluem a realização de uma live com influenciadores gamers que vão jogar e entrevistar pacientes adultos, mostrando que, quando o combate à doença é feito da maneira correta, a pessoa pode viver mais e melhor. Haverá ainda quiz no BuzzFeed e conteúdos para redes sociais. “Queremos chamar a atenção de todos para o mal, inclusive os profissionais da saúde, dar voz e empoderar os pacientes, estimular o diagnóstico precoce e a necessidade do tratamento multidisciplinar e ressaltar a importância do trabalho das associações de pacientes”, completa Karina.
Para saber mais sobre a distrofia muscular de Duchenne, acesse: Movimento Duchenne.
Referências
- Bushby K, Finkel R, Birnkrant DJ, Case LE, Clemens PR, Cripe L, et al. Diagnosis and management of Duchenne muscular dystrophy, part 1: diagnosis, and pharmacological and psychosocial management. Lancet Neurol 2010; Jan 1;9(1):77-93.
- Hoogerwaard EM, Bakker E, Ippel PF, Oosterwijk JC, Majoor-Krakauer DF, Leschot NJ, et al. Signs and symptoms of Duchenne muscular dystrophy and Becker muscular dystrophy among carriers in the Netherlands: A cohort study. Lancet 1999; Jun 16;353(9170):2116-9.
- Moraes FM, Fernandes RCSC, Medina-Acosta E. Distrofia muscular de Duchenne: relato de caso. Rev Cient FMC 2011; Nov;6(2):11-5. Emery AEH. Population frequencies of inherited neuromuscular diseases – a world survey. Neuromuscul Disord 1991; 1:19-29. Namgoong JH, Bertoni C. Clinical potential of ataluren in the treatment of Duchenne muscular dystrophy. Degenerative neurological and neuromuscular disease 2016; 6:37-48.
- Funayama 1996; Rotta 2004.
- – Bushby K, Finkel R, Birnkrant DJ, Case LE, Clemens PR, Cripe L, et al. Diagnosis and
management of Duchenne muscular dystrophy, part 1: diagnosis, and pharmacological and
psychosocial management. Lancet Neurol. 2010 Jan 1;9(1):77–93.)