Em 2015, a farmacêutica Vanessa Christina Fiorellini Paschoal, hoje com 36 anos, tinha o sonho de ser mãe, mas ainda tomava anticoncepcionais. Durante uma aula de zumba, sentiu dores aparentemente musculares, que a levaram ao diagnóstico de um tipo agressivo de câncer de mama, poucos dias depois de descobrir que estava grávida do primeiro filho.
Confira seu relato na íntegra:
“Eu tinha 32 anos na época, fazia aula de zumba e, durante o alongamento, senti como se tivesse estirado um músculo debaixo do braço. Conversei com o professor, ele explicou que talvez fosse por conta do exercício intenso, mas pediu para eu procurar um médico caso não passasse.
Coincidentemente, eu tinha uma consulta de rotina com a minha ginecologista, que não viu alterações no exame de toque, mas detectou algo no ultrassom de mama e pediu uma mamografia, que não mostrou nada. Como na minha idade nem sempre a mamografia é conclusiva, ela solicitou uma biópsia, que demora um pouco para ficar pronta.
Uma semana depois, eu fiz um teste de gravidez que deu positivo. Fiquei empolgada em ter um filho num momento tão inesperado, eu tomava remédio, mas queria muito ser mãe. Por isso, esqueci completamente da biópsia, até que minha médica me ligou alguns dias depois, num sábado, para avisar que o resultado tinha saído.
Como era um sábado, eu já desconfiei que algo estivesse errado, e ao chegar no consultório descobri que tinha câncer de mama.
O tratamento durante a gravidez
Ela me disse que, dependendo da idade gestacional, teríamos que encerrar a gravidez, porque os tratamentos seriam prejudiciais ao bebê se ele tivesse menos de 12 semanas. E explicou que, entre salvar a vida de um bebê que ainda estava num estágio tão inicial de desenvolvimento e a minha, tinha obrigação legal de priorizar a minha.
Eu não sabia de quantas semanas estava grávida, mas tenho muita fé, e tinha certeza que, se Deus tinha mandado esse filho, eu conseguiria mantê-lo. Fizemos um ultrassom para descobrir a idade gestacional e descobri que estava com 13 semanas. Todo mundo ficou muito emocionado, eu, minha mãe e a médica choramos muito.
Manter o pensamento positivo foi muito importante nesse caminho. Demos início à quimioterapia, com sessões a cada 21 dias e exames em seguida para verificar se estava tudo bem com o Benjamin, o nome que escolhemos para o bebê. Não senti muitos efeitos colaterais, não fiquei enjoada, a única coisa que aconteceu foi que o meu cabelo caiu, e os pelos do corpo também.
A gente já sabe que isso vai acontecer, mas é triste acordar e ver o travesseiro e o lençol lotados de pelos. Fui testando antes cortes de cabelo curtos, para amenizar a sensação de queda, mas quando os fios começaram a cair mesmo, pedi para a cabeleireira raspar tudo. Me sentia doente com o lenço, e careca as pessoas te olham diferente, como se você estivesse prestes a morrer de câncer.
Assim, resolvi comprar uma peruca. Muita gente nem percebeu que fiquei careca, pois contei sobre a doença para pouca gente, e ela virou motivo de piada com minha família e amigos. Sempre tentei encarar tudo com bom humor, não queria passar nada de muito pesado para as pessoas mais próximas de mim.
Parto surpresa
No dia 8 de abril de 2016, aos 8 meses de gestação, fiz a última sessão de quimio, para dar tempo do corpo se recuperar para o parto, previsto para o início de maio. Fizemos os exames, estava tudo bem com o Ben, mas acho que ele já estava cansado de esperar.
No dia seguinte, de manhã, senti como se tivesse feito xixi na calça, liguei para a médica e ela explicou que era o tampão (membrana que fecha a entrada do útero e é expelida no final da gestação), mas que ele não necessariamente indicava o trabalho de parto. Sentia uma cólica distante, bem de leve, segui a vida normal, mas notei que a dor estava ficando mais frequente, e resolvemos ir para o hospital.
Chegando lá, eu já estava com dois dedos de dilatação. Queria ter o parto normal, mas nunca imaginei que ele fosse possível nessas circunstâncias e, como a dor não era muito intensa, achei que o bebê não nasceria logo, mas ele acabou vindo rápido, mal deu tempo de chegar no centro cirúrgico. O trabalho de parto durou 40 minutos.
Foi muito emocionante. Ele nasceu lindo e forte, mas, como era prematuro, ficou 8 dias internado na UTI neonatal para ganhar peso, analisar respiração, ver se estava tudo certo. E eu fiquei bem, me recuperei rápido do parto, que foi muito tranquilo.
A vida depois do câncer
Com Ben em casa, continuei em tratamento, e não consegui amamentar por conta dos medicamentos. Um mês depois, fiz a mastectomia, tirei a mama toda do lado esquerdo e os gânglios linfáticos da axila. Estou esperando ele ficar mais velho para poder colocar a prótese de silicone, que exige repouso na recuperação, mas também não estou com pressa.
Depois de passar por uma situação dessas, você começa a dar mais valor ao que realmente importa, e hoje é ver que ele está bem, eu estou bem. A questão estética ficou em segundo plano. Ainda preciso tomar medicamentos na veia para prevenir a volta do câncer, pois é um tipo agressivo, mas estou ativa, vivendo minha vida normalmente.
Por enquanto, disfarço do Ben tudo relacionado à doença, porque ele é muito pequeno. Mas quero que ele saiba de tudo no futuro e sinta orgulho de mim e da nossa história, que tem também um lado positivo. O câncer me fez uma pessoa melhor, uma filha melhor, uma amiga melhor, e tento ser a melhor mãe para ele.
Eu não sei como seria ser mãe sem o câncer, porque o Ben é meu primeiro filho, mas meu amor por ele é algo que nem consigo entender de tão forte.
Acho que, se não tivesse a motivação de estar grávida quando recebi a notícia, talvez não conseguisse aguentar essa barra.
Estamos em tempos modernos, o câncer de mama descoberto no início tem alta taxa de cura, mas não é isso que vem na sua cabeça quando você descobre ter um.
Talvez se o Ben não existisse esses pensamentos tivessem dominado minha cabeça. Falo para todos que ele é minha vida, mas é porque ele é mesmo, foi o que me deu forças para seguir em frente.”
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