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Ministério da Saúde diz que termo violência obstétrica é “inadequado”

Em comunicado, o órgão revê seu posicionamento anterior e pede que a expressão deixe de ser utilizada. Veja a opinião de especialistas sobre o assunto.

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 8 Maio 2019, 11h29 - Publicado em 7 Maio 2019, 16h48

O Ministério da Saúde emitiu um comunicado na última sexta-feira se posicionando contra o uso do termo violência obstétrica. A expressão representa abusos e desrespeitos sofridos pela gestante durante o parto por profissionais e instituições de saúde, e é utilizada há pelo menos duas décadas pela comunidade científica, além de ser reconhecida por entidades de saúde do mundo.

Hoje, é considerada violência obstétrica a intervenção feita sem necessidade ou sem consentimento, em alguns casos, além de abusos verbais e maus tratos durante o nascimento. No documento, o Ministério afirma que vê o termo como inadequado, pois a definição isolada da palavra violência demonstra intenção no ato. “E acredita-se que o profissional de saúde não tem a intenção de prejudicar ou causar dano” a mulher ou ao bebê.

O texto afirma que a expressão “não agrega valor e prejudica a busca do cuidado humanizado”. Um dos argumentos do Ministério para rever seu posicionamento é um parecer do Conselho Federal de Medicina publicado em outubro de 2018.  A publicação do CFM diz que a expressão violência obstétrica se volta contra os médicos obstetras e ginecologistas, “impregnada de uma agressividade que beira a histeria”.

O que dizem os profissionais

Para a classe médica, agressões à puérpera existem, mas a nomenclatura deveria ser mais abrangente. “Somos contra qualquer tipo de violência contra a mulher, mas o cuidado com a gestante passa por diversos outros profissionais, e o termo dá a entender que a má assistência é responsabilidade somente do médico”, comenta Agnaldo Lopes, vice-presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

Lopes também aponta para a necessidade de reforçar políticas de humanização e melhor assistência ao parto. “Mais do que discutir termos, precisamos melhorar o acesso e a capacitação de profissionais para um parto seguro, e o protagonismo da mulher é um ganho que deve ser mantido e incentivado”, completa o médico.

Mas a falta de reconhecimento semântico pode representar um retrocesso. “Dizem que não há intenção, mas já presenciei diversas ofensas que colocam a mulher em situação de vulnerabilidade, como ‘na hora de fazer você não gritou’, para citar um exemplo”, comenta Beatriz Kesselring, enfermeira obstetra diretora do Núcleo Cuidar. “Em casos de agressão verbal, qual é a outra intenção possível além de ferir aquela mulher?”

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A violência obstétrica é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que em 2014 publicou um documento condenando práticas que desrespeitem a mulher.  Em uma revisão de 65 estudos feitos sobre o tema, a entidade elencou sete principais tipos de violência contra puérperas. Abuso verbal, agressão física e realização de procedimentos sem consentimento foram os mais relatados no Brasil. 

Documento de 2017 do Ministério da Saúde define a violência obstétrica

Na publicação, o órgão dá exemplos de intervenções consideradas como negativas durante o nascimento:

O texto afirma ainda explica que a episiotomia, corte no períneo para aumentar o espaço para a passagem do bebê, deve ser usada somente em alguns casos, e que essas e outras práticas “submetem mulheres a normas e rotinas rígidas e muitas vezes desnecessárias, que não respeitam os seus corpos e os seus ritmos naturais e as impedem de exercer seu protagonismo”.

O novo posicionamento do órgão federal contraindica o uso do termo especialmente para classificar procedimentos utilizados quando a vida do bebê ou da mãe está em risco. “Diversos deles, como a cesariana e a episiotomia, não devem ser feitos de maneira indiscriminada, mas podem ser salvadores em situações específicas”, destaca Lopes.

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Violência obstétrica no Brasil

A pesquisa Nascer no Brasil, uma das mais robustas sobre parto e pós-parto, traz um panorama sobre o tema. Coordenado pela Fiocruz, o levantamento ouviu quase 23.940 mulheres.  Mais da metade, 56,8% foram consideradas gestantes de risco habitual, isto é, sem indicação de cesárea ou procedimentos. Desse grupo, só 5,6% tiveram um parto normal sem nenhuma intervenção — considerado pela OMS o preferível quando não há nenhuma complicação.

O índice de episiotomia chegou a 56% dos partos — segundo a OMS, o ideal seria que o corte fosse feito em 10% dos nascimentos. Já a manobra de Kristeller, contraindicada internacionalmente e pelo próprio Ministério da Saúde, foi realizada em 37% das mães. Nela, o profissional de saúde pressiona a parte superior da barriga da mulher com o antebraço. “O movimento não acelera o parto e aumenta o risco de sangramentos e ruptura uterina”, comenta Beatriz.

Fora o índice de procedimentos, uma em cada quatro mulheres relata ter sofrido algum tipo de abuso durante o parto, de acordo com a Fundação Perseu Abramo.

Impacto na prática

Algumas leis garantem o direito ao acompanhante e a humanização do parto, e condutas consideradas inadequadas podem ser avaliadas pelos conselhos profissionais, o Conselho Regional de Medicina (CRM) para os médicos e o Conselho Regional de Enfermagem (Coren) para enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem.

Para Beatriz, a nova posição pode dificultar na prática o acesso à reparação na Justiça em casos de violência obstétrica, uma vez que o Ministério da Saúde deixa de reconhecer a existência dela. “O Ministério dava respaldo para essas denúncias, e quando o termo cai em desuso, tiramos a transparência e dificultamos o acesso a garantias que a população já tinha”, comenta a enfermeira.

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Argentina, Porto Rico e Venezuela possuem legislações específicas sobre a violência obstétrica, assegurando o direito da mulher à segurança e punição aos profissionais de saúde envolvidos em casos comprovados de violência obstétrica. No Brasil, más práticas durante o pré-natal, parto ou pós-parto podem ser denunciadas pelos telefones 180, que atende casos de violência contra a mulher, e 136, o disque-saúde.

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