Episiotomia: quando é necessário fazer o corte no períneo?

Recomendada para prevenir lacerações graves em partos normais, essa técnica não deve ser usada como prática de rotina pelos médicos. Mas muitos profissionais de saúde ainda a adotam no dia a dia, mesmo sem o consentimento (e o conhecimento) das pacientes.

Por Luiza Monteiro
Atualizado em 22 out 2016, 20h09 - Publicado em 12 jul 2016, 17h30
Gajus/Thinkstock/Getty Images
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Você sabe o que é episiotomia? Muitas mulheres podem até alegar não saber do que se trata essa pergunta, mas a verdade é que boa parte daquelas que já tiveram filho por parto normal poderiam acertar a resposta. A palavra complicada se refere ao corte do períneo (região localizada entre a vagina e o ânus) na hora do nascimento do bebê, uma técnica usada para aumentar a abertura vaginal a fim de evitar que a área perineal sofra uma laceração.

E não estamos falando de um procedimento novo, não. A primeira menção à episiotomia na literatura científica data de 1741. No início do século XX, ela começou a ser utilizada de forma mais disseminada e passou a integrar a rotina dos médicos, sendo usada sistematicamente nos partos mundo afora. Foi só na década de 1980 que se começou a questionar os reais benefícios dessa prática. Nos anos 1990, grandes estudos evidenciaram que, feita rotineiramente, a episiotomia não traz benefícios – ao contrário: a incidência de complicações é até maior. Desde então, a recomendação – endossada por entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS) – é que a técnica seja aplicada apenas em casos específicos, que tenham indicação.

O problema é que essa ainda não é a realidade de muitos países, inclusive o Brasil. Não há um consenso na comunidade científica sobre a frequência ideal em que o corte do períneo deveria ser praticado. A OMS orienta que o procedimento seja feito em cerca de 10% dos partos, enquanto há pesquisas que sugerem que essa taxa deveria ficar entre 15% e 30%. “É muito difícil determinar quando deve ser feita a episiotomia, saber quando o períneo vai romper”, comenta Marcelo Burlá, diretor administrativo da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

De qualquer forma, o nosso país parece estar bem longe do que indicam os estudos. A episiotomia não é uma cirurgia de registro obrigatório por aqui, então não há dados nacionais precisos sobre a incidência da prática. Mas alguns trabalhos já tentaram investigar em que pé estamos quando se trata dessa técnica. A pesquisa Nascer no Brasil, publicada em 2014, é um deles. Realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Ministério da Saúde, o levantamento entrevistou 24 mil mulheres de todas as regiões do país entre os anos de 2011 e 2012. “Em relação à episiotomia, encontramos que ela foi feita em 53,5% das mulheres que tiveram parto normal. Naquelas sem nenhum risco obstétrico, esse dado foi de 56%”, revela Maria do Carmo Leal, pesquisadora da Fiocruz e coordenadora da investigação. Para ela, esses números mostram que a intervenção é, de fato, praticada de forma desnecessária no Brasil.

Em que situações é realmente preciso fazer a episiotomia?

O corte do períneo é indicado principalmente quando há risco de laceração grave nessa área – isto é, quando a saída do bebê faz com que o tecido que liga a vagina e o ânus rasgue. “Esse rompimento pode atingir o esfíncter anal e causar sequelas na mulher, como incontinência fecal”, exemplifica Mário Dias Corrêa Júnior, professor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E, segundo ele, uma das maneiras de evitar esse estrago é a episiotomia feita corretamente, na hora certa.

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O principal fator de risco para lacerações graves é quando o bebê nasce muito grande. Um estudo que será publicado ainda em 2016 na Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, do qual Corrêa é um dos autores, mostra que recém-nascidos com peso maior do que 3,5 quilos aumentam em 3,8 vezes a probabilidade de o períneo rasgar; já aqueles que chegam ao mundo com 4,5 quilos elevam em 10,5 vezes esse risco.

Segundo o docente da UFMG, outras situações que contribuem para essa complicação são o fórceps, posições anômalas do bebê ao passar pelo canal vaginal (quando ele está sentado ou olhando para cima, por exemplo) e os casos em que a cabeça do pequeno sai, mas os ombros, não. Em todos esses cenários, a episiotomia pode ser a salvação de mãe e filho. Por isso, extinguir a técnica também não é uma solução. “É uma ferramenta que o médico tem que usar quando necessário e ele precisa estar treinado para isso”, defende Mário Corrêa.

Sem consentimento e sem conhecimento

tetmc/Thinkstock/Getty Images
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A principal justificativa para a episiotomia ainda ser uma prática de rotina no Brasil é que, por muito tempo, essa foi a recomendação oficial que ginecologistas e obstetras receberam em hospitais e nas faculdades de medicina. “Um colega que aprendeu durante 30 anos que deve fazer episiotomia não consegue abandonar isso facilmente”, opina Burlá. Daí porque uma das soluções apontadas para reduzirmos os altos índices desse procedimento é a educação dos profissionais de saúde. “O médico não pode se formar e passar a vida inteira repetindo o que aprendeu na universidade, ele tem que estudar e se atualizar”, critica Maria do Carmo Leal.

Mas só isso não basta! É preciso também informar as gestantes, ainda no pré-natal, sobre o que é a episiotomia. “A paciente deve manifestar o desejo de que ela não seja feita, mas também precisa ter ciência de que, em algumas situações, o procedimento pode ser necessário”, aconselha o professor da UFMG. Isso evitaria os inúmeros casos classificados como violência obstétrica, em que mulheres foram cortadas sem saber. “É uma intervenção no corpo delas, então elas deveriam ser consultadas antes”, afirma a pesquisadora da Fiocruz.

Os perigos da episiotomia malfeita

A incisão feita no períneo numa episiotomia é simples – ela pega uma pequena porção de pele, mucosa e músculo. No entanto, quando a técnica usada para fazer o corte é realizada de maneira incorreta pelo médico, a mulher pode ter dor, hematomas, infecção e rejeição aos pontos. Segundo Mário Corrêa, o normal é que o processo de cicatrização leve cerca de 15 dias. Nesse período, a orientação é lavar a região diariamente com água e sabão, durante o banho mesmo, e manter a área seca depois. “Para diminuir a dor, além dos analgésicos prescritos pelo médico, podem ser realizadas compressas de gelo”, indica o especialista.

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