Bebê prematuro: os cuidados vão muito além da UTI neonatal
Ser prematuro exige atenção especial não só nos primeiros meses de vida. Conheça medidas e cautelas necessárias para garantir um desenvolvimento saudável.
Como acontece com outros milhares de pessoas todo ano, eu vim ao mundo antes de completar os nove meses de gestação: minha mãe teve pré-eclâmpsia, condição marcada por pressão alta nessa fase, e isso fez com que eu perdesse peso nos meses finais da minha estada dentro da barriga. Devido aos riscos que nós corríamos, o obstetra optou pelo parto na 36ª semana de gravidez, tempo insuficiente para que eu escapasse de ser prematura.
No entanto, ninguém avisou a minha mãe que os cuidados com o bebê não se restringiam às semanas na UTI neonatal e aos primeiros meses em casa. Que o ideal seria estender um acompanhamento mais rigoroso até a adolescência e, quem sabe, a idade adulta. Bom, mas isso foi lá em 1990. Com os avanços na pesquisa médica desde então, já ficou claro que as crianças apressadinhas estão mais suscetíveis, ao longo da vida, a problemas decorrentes da prematuridade.
A preocupação com esse tema cresce não só porque a maioria dos pais desconhece a necessidade dessa atenção prolongada mas também em função do aumento expressivo no número dos chamados nascimentos pré-termo no Brasil e no mundo. Um levantamento coordenado pela Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, em parceria com outras 12 instituições brasileiras, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Ministério da Saúde, revelou que, em 2011, 11,8% das crianças nascidas por aqui foram prematuras, índice que coloca o país no mesmo nível de nações de baixa renda. “Estamos diante de um problema global, já que esse número continua aumentando”, diz a pediatra Ana Lucia Goulart, coordenadora do Ambulatório de Prematuros da Universidade Federal de São Paulo.
Um relatório da Organização Mundial da Saúde divulgado em 2012 dá uma ideia do tamanho do desafio: o Brasil ocupa a décima posição no ranking dos países com mais prematuros. À nossa frente estão, por exemplo, Índia, Estados Unidos e China. Ainda de acordo com o documento, a chegada adiantada do bebê é uma das principais causas de mortalidade infantil e uma das grandes responsáveis por prejuízos à saúde de curto a… longo prazo.
As consultas com o pediatra e outros especialistas permitem corrigir desvios capazes de comprometer o desenvolvimento físico e psicológico, além de nortear atitudes para prevenir complicações por muitos e muitos anos. A começar pelo coração. Estudos apontam que os pré-termos estão mais propensos à síndrome metabólica lá na frente, aquela combinação de inimigos das artérias, como pressão alta, colesterol elevado e acúmulo de gordura na barriga. “Sem um suporte médico adequado ao nascer, o indivíduo tende a ter problemas com placas nos vasos mais precocemente, logo no início da vida adulta”, observa a cardiologista pediátrica Patrícia Elias, do Hospital do Coração, em São Paulo.
Os comprometimentos futuros pioram quando existem alterações anatômicas no coraçãozinho do prematuro. Cientistas da Universidade de Oxford, na Inglaterra, acompanharam, por 20 anos, 102 indivíduos cujo parto havia sido antes do termo. Após compará-los com pessoas que ficaram na barriga da mãe até os nove meses, eles viram que o ventrículo direito do coração daqueles que chegaram apressadinhos era menor e com capacidade reduzida de bombear sangue. “Essa população deveria ficar alerta quanto à maior possibilidade de ter pressão alta mais tarde”, diz Adam Lewandowski, cardiologista que assina a pesquisa. Ou seja, há motivos suficientes para recomendar uma avaliação cardiológica criteriosa na infância e incentivar, desde cedo, alimentação balanceada e prática de esportes.
O cérebro do prematuro também pode penar um pouco mais para ficar tinindo. Em um experimento da King’s College London, na Inglaterra, pesquisadores avaliaram a massa cinzenta de 55 prematuros e de dez bebês nascidos no período ideal. Os achados demonstraram que, nos casos de parto precoce, houve uma falha na formação de áreas ligadas, por exemplo, à memória e às emoções, o que poderia atrapalhar, anos adiante, funções cognitivas e o aspecto comportamental.
Mas não há razão para mamães e papais entrarem em pânico. O cérebro dos pequenos é, ainda assim, capaz de reverter essa situação graças à plasticidade neural, fenômeno que permite ao órgão se moldar de acordo com novos estímulos e situações. O interessante é que o afeto e o apoio da família potencializam as conexões entre os neurônios. “Toda criança deve ser instigada a trabalhar habilidades motoras e a desenvolver a linguagem e a sociabilidade. E isso é mais importante no caso dos prematuros”, destaca a neuropediatra Lygia Ohlweiler, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Não é uma tarefa de outro mundo. Um trabalho do Centro Médico Beth Israel, nos Estados Unidos, constatou que, quando os pais entoam canções de ninar a seus prematuros, os batimentos cardíacos, a respiração e até o sono deles melhoram. “Contar histórias, colocar uma música ou brincar com eles são atitudes que só colaboram”, diz a psicóloga Elza Corrêa Cunha, da Universidade Federal de Sergipe. Com acompanhamento médico e família presente, o prematuro não antecipa problema algum. E eu, apesar de só estar por dentro disso tudo agora, não vou perder tempo em marcar meu checkup.
O que é um prematuro?
Considera-se que um bebê nasceu antes do tempo quando a gestação dura menos que 37 semanas. Mas há diferentes níveis de prematuridade: entre 32 e 36 semanas, os pequenos são chamados de prematuros tardios; aqueles nascidos no período de 28 a 31 semanas são denominados simplesmente prematuros; e os que tiveram de sair do útero entre 24 e 27 semanas são os prematuros extremos.
Para nascer no tempo certo
Cigarro, álcool, infecções, excesso de peso e pré-eclâmpsia estão entre os principais fatores que levam uma mãe a dar à luz antes da hora. Por isso, adotar hábitos saudáveis e fazer o pré-natal é fundamental para a cegonha não se apressar. “O ideal é procurar um especialista antes mesmo de engravidar a fim de que a mulher comece a gestação em equilíbrio”, recomenda o obstetra Roberto Bittar, da Universidade de São Paulo.
Pontos de atenção
Veja os problemas a que os prematuros estão expostos e algumas medidas para enfrentá-los: