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A cesárea é mesmo vilã? Entenda importância da técnica

Entenda porque muitas mulheres ainda se sentem culpadas e "menos mãe" por realizarem cesáreas

Por Redação Pais e Filhos
31 jul 2025, 12h00
Foco na barriga de uma mulher grávida usando roupas de hospital. Ela tem um acesso em uma das mãos
 (Mikumi/Getty Images)
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A chegada de um novo membro à família é um momento repleto de expectativas e emoções intensas. Porém, para muitas mães, a maneira como esse nascimento acontece pode deixar marcas psicológicas que merecem atenção especial. Uma professora de ciências da saúde pública e especialista em obstetrícia e ginecologia da Penn State College of Medicine, nos Estados Unidos, que vivenciou um processo de trabalho de parto extenso que culminou em uma intervenção cirúrgica, descreveu ter experimentado um sentimento de insucesso. Ela observou que outras mulheres que deram à luz por vias naturais pareciam exibir um certo orgulho. Essa percepção a motivou a investigar mais profundamente este assunto, realizando um estudo a partir de sua própria vivência.

Um olhar sobre as sensações maternas no nascimento

Os achados da pesquisa, que foram divulgados em um periódico científico no ano de 2018, revelaram distintas manifestações psicológicas entre aquelas que tiveram nascimentos espontâneos e as que passaram por um método cirúrgico, tanto previamente agendado quanto inesperado. De fato, assim como a Dra. Kristen havia pressentido, as participantes que deram à luz sem auxílio cirúrgico relataram com maior frequência a sensação de satisfação. Por outro lado, cerca de um quarto das mulheres submetidas a uma intervenção cirúrgica não planejada expressaram desapontamento com a circunstância do nascimento, e mais de quinze por cento delas relataram um sentimento de fracasso. Elas também se mostraram mais inclinadas a sentir tristeza, a sensação de trauma e irritabilidade. Surge então a dúvida: por que um procedimento tão comum frequentemente ocasiona tanto sofrimento emocional? Uma das explicações reside no fato de que algumas dessas intervenções ocorrem por razões inadequadas.

O cenário das cesarianas no Brasil

No contexto brasileiro, por exemplo, o número de procedimentos cirúrgicos para o nascimento atinge aproximadamente 2,9 milhões ao ano, constituindo mais da metade do total, precisamente 55,6%, conforme dados do Ministério da Saúde. Essa cifra é consideravelmente superior ao que a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza como um patamar aceitável, que varia entre dez e quinze por cento, indicando que apenas nesses casos haveria uma verdadeira necessidade da intervenção cirúrgica. Embora diversas instituições hospitalares estejam envidando esforços para diminuir esses índices, ainda há um longo percurso a ser trilhado.

Quando a natureza encontra a modernidade

Um fator preponderante para que as mulheres que passam por uma intervenção cirúrgica para o nascimento se sintam diminuídas é a constante glorificação na cultura popular de uma existência “natural”, abrangendo desde a ingestão de alimentos orgânicos até a prática de correr sem sapatos. Uma especialista na área pontua que essa concepção leva o parto por vias naturais a ser considerado como significativamente superior. Ainda assim, é essencial deixar claro que a naturalidade não é sinônimo de segurança. Essa mesma especialista ressalta que, sem os recursos da obstetrícia moderna, uma em cada quinze mulheres americanas enfrentaria o risco de não sobreviver ao parto, e sete por cento de todos os recém-nascidos não sobreviveriam a ele.

Em países em desenvolvimento atualmente, sessenta por cento dos bebês não resistem devido a partos interrompidos, e vinte por cento em decorrência de partos inadequados. Para essas situações, as intervenções cirúrgicas são, indubitavelmente, a alternativa mais segura. Mesmo assim, a ideia da cesariana como o “caminho mais simples” persiste. Uma mãe entrevistada, Tanya Ludlow, relatou que a mensagem recebida em sua comunidade na Carolina do Norte era de que “mulheres que se submetem a cesarianas não tiveram um parto ‘verdadeiro'”. Essa visão é bastante difundida. Após o nascimento de seu primeiro filho, a atriz Kate Winslet optou por omitir a verdade, afirmando ter dado à luz de forma espontânea. Posteriormente, ela explicou sua escolha: “Eu estava totalmente abalada pelo fato de não ter parido naturalmente”. Esse receio materno atinge um número vasto de mães, que se sentem traídas e como se tivessem sido privadas desse rito de passagem significativo.

A cesariana de urgência e o bem-estar emocional

No entanto, se o sentimento de fracasso derivasse unicamente da pressão social internalizada para um parto espontâneo, os níveis de decepção seriam equivalentes entre os grupos de intervenções cirúrgicas planejadas e não planejadas. Porém, a pesquisa conduzida pela Dra. Kristen não confirma essa hipótese. As participantes que sabiam previamente que seriam submetidas ao procedimento cirúrgico demonstraram maior satisfação com a vivência do que aquelas que o necessitam por uma emergência.

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Dois relatórios recentes indicam uma correlação entre intervenções cirúrgicas de urgência e maiores taxas de desânimo pós-parto. Há algo na natureza improvisada e assustadora do procedimento, que também implica a ausência de uma escolha, que eleva as probabilidades de experienciar sensações negativas. Psicólogos sugerem que isso pode estar relacionado à não concretização das próprias expectativas. Isso se torna especialmente pertinente quando as mulheres elaboram um projeto para o nascimento, pois podem se apegar tanto a essa visão que a intervenção cirúrgica parece uma derrota. Diversos estudos corroboram que possuir um plano de nascimento minucioso e um parto que não o segue é uma receita para o desapontamento. Algumas mães chegam a ponderar: “Se eu tivesse tomado decisões distintas anteriormente, poderia ter ocorrido de outra forma?”. Uma investigação apontou que 26% dos casais suspeitam que foram eles próprios a causa da necessidade de uma cesariana, por motivos como o excesso de esforço físico durante a gravidez.

Angelica Houston compreende bem essa sensação. Após o nascimento de seu filho, ela remoeu: “Não fui suficientemente forte. Meu corpo não foi bom o bastante”. Somado às limitações físicas, emergiu a sensação de ausência de poder. Não à toa, mais pacientes que enfrentaram a intervenção cirúrgica assinalam a opção: “Eu senti que perdi o domínio da minha vida” em questionários sobre desânimo pós-parto.

Apoio, informação e empoderamento no puerpério

Existem maneiras de se sentir mais resiliente em cada etapa da gestação, do trabalho de parto, do nascimento e da recuperação, conforme a obstetra Gladys Tse. Ela aconselha começar com um projeto de nascimento adaptável, e orienta as pacientes: “Estamos todas preparadas para um parto natural, mas, se for essencial, gostaria de saber o que aconteceria caso fosse preciso uma cesariana”. Ela incentiva uma visão pragmática, afirmando que ter um projeto para o nascimento é similar a ter um “plano de clima” para o dia de um casamento: você pode desejar um céu claro, mas não deve depender disso.

Quando o nascimento não ocorre como planejado, os médicos devem, sempre que possível, capacitar as mulheres, apresentando opções e concedendo tempo. Uma mulher deve ter a oportunidade de indagar a razão pela qual o médico está indicando uma intervenção cirúrgica, seguida de uma explicação detalhada e de alguns minutos para debater a questão com seu parceiro, doula ou qualquer outro membro de sua rede de suporte.

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Além disso, há práticas após a cesariana que podem auxiliar a mitigar o desapontamento. Uma segunda pesquisa na qual a Dra. Kristen colaborou, também divulgada no periódico Birth, demonstrou que, quando as mulheres que passaram por uma cesariana tiveram contato visual imediato com os recém-nascidos, os seguraram e os amamentaram, relataram “uma vivência de nascimento consideravelmente mais positiva”, tão positiva quanto a de mulheres que tiveram parto vaginal.

Uma narrativa de resiliência e amor

Uma palavra de incentivo pode fazer toda a diferença. Certos pensamentos fortalecedores também podem afastar as sensações indesejadas. A obstetra Gladys sugere recitar mensagens de empoderamento, como “Estarei melhor na próxima semana do que estou agora” e “Recuperei minha força rapidamente”. A internet também pode ser uma ferramenta útil, com comunidades em redes sociais ou movimentos e identificadores em plataformas digitais.

O mais importante é respeitar seu próprio ritmo e limites, mantendo a convicção de que seu corpo desempenhou um papel excelente. Se você ainda não consegue aceitar isso, seja gentil consigo mesma. As mulheres que lidaram com a desilusão decorrente do parto revelaram três elementos que transformaram definitivamente suas perspectivas: a passagem do tempo, ouvir narrativas distintas de outras mulheres que se submeteram a uma cesariana e focar no fato de que o procedimento as auxiliou a prevenir desfechos piores.

Angelica Houston, que inicialmente sentiu que havia perdido a chance de um “parto real”, finalmente chegou a essa compreensão: “Minhas filhas possuem saúde, e talvez não tenha sido o ideal, mas isso não me faz menos mulher”. Nem ela, nem você.

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