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Para doar órgãos da filha anencéfala, mãe leva gestação até o fim

Mesmo sabendo que sua pequena não tem cérebro, Keri Young decidiu levar a gravidez adiante para salvar outras vidas.

Por Carla Leonardi (colaboradora)
23 fev 2017, 20h33

Saber que aquele bebê que você está carregando na barriga e gerando com todo o amor e carinho não vai conseguir sobreviver após o nascimento é, certamente, a pior notícia que uma mãe pode receber. A sensação de perder o chão e de procurar uma explicação que não se encontra em lugar algum é angustiante – uma tristeza que demora mesmo a passar. Mas, às vezes, é em meio a dor que nasce a vontade de fazer algo bom por outras pessoas, assim como aconteceu com Keri Young, que mora em Oklahoma, nos Estados Unidos.

Na última sexta-feira, 17, seu marido Royce Young compartilhou um texto emocionante em sua página no Facebook. No post, o americano conta a corajosa decisão que sua esposa tomou ao resolver que levaria a gestação a termo mesmo sabendo que sua filha, Eva, não poderá sobreviver por muitas horas após o parto.

Na 19ª semana de gestação, o esperado ultrassom que revelaria o sexo do bebê mostrou uma condição terminal, já que a pequena não possui cérebro. O motivo de dar continuidade à gestação? Keri quer que seu bebê se desenvolva para poder doar seus órgãos e salvar outras vidas.

“Eu lembro da nossa médica colocando a mão no ombro da Keri e dizendo ‘Querida, você é tão corajosa por dizer isso’. Como se quisesse dizer ‘que legal, mas por favor, não’. Keri estava falando sério”, escreveu Royce. “Então eu estava lá, abatido e com o coração partido, mas de repente parece que eu saí daquela situação e pude só observá-la admirado. Eu era um espectador da minha própria vida, assistindo a uma super-heroína encontrando os seus superpoderes. Literalmente no pior momento da vida dela, ao descobrir que sua filha vai morrer, ela levou menos de um minuto para pensar em outras pessoas e em como ela poderia ajudá-las. É uma das coisas mais poderosas que eu já vivi”.

Keri também se manifestou na rede social em uma série de posts comoventes falando sobre o assunto. “Essa não foi uma decisão fácil. Pelas próximas 20 semanas eu vou senti-la chutar, ter soluço e a gente vai poder ouvir as batidas perfeitas do coração enquanto sabemos que só teremos algumas poucas horas com ela após o nascimento”, escreveu. “Eva vai ter uma vida, ainda que seja curta. Ela vai doar tudo que puder e vai fazer mais durante seu tempo na Terra do que eu jamais farei”, disse a mãe.

Confira baixo o post de Royce que já recebeu mais de 10 mil compartilhamentos e, em seguida, a tradução do texto na íntegra:

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“Há algumas noites, antes de ir para New Orleans, eu estava olhando minha linda esposa dormindo tranquilamente no sofá.

Eu olhei para ela deitada ali, sua grande barriga com nossa filha chutando, uma filha que não viverá mais que poucos dias, e eu fiquei simplesmente impressionado com o quanto essa mulher é incrível. Eu sou escritor, então quando eu estou sentindo algo, eu tenho que escrever sobre aquilo. Então eu peguei meu celular e comecei a escrever sobre o que eu estava pensando. E então eu percebi agora, sentado aqui, a quilômetros de distância num quarto de hotel, especialmente depois de ter encontrado essa criança incrível chamada Jarrius que tem estado em todo lugar no All-Star Weekend e que precisa de um transplante de fígado, que ao invés de guardar esse texto para mim como faço normalmente, eu deveria contar para todo mundo o quanto Keri Young é incrível (eu senti falta dela cinco segundos depois de sair de casa para uma viagem, então estou pensando nela o tempo todo de qualquer forma).

Eu me lembrei do momento em que nós descobrimos que Eva não era perfeita e como literalmente 30 segundos depois da nossa médica nos contar que nosso bebê não tem cérebro, de alguma forma em meio a tanto choro, Keri olhou para cima e perguntou, “Se eu carregá-la a termo, nós podemos doar seus órgãos?”. Eu lembro da nossa médica colocando a mão no ombro dela e dizendo “querida, você é tão corajosa por dizer isso”. Como se quisesse dizer “legal, mas por favor, não”. Keri estava falando sério. Então eu estava lá, abatido e com o coração partido, mas de repente parece que eu saí daquela situação e pude só observá-la admirado. Eu era um espectador da minha própria vida, assistindo uma super-heroína encontrando os seus superpoderes. Literalmente no pior momento da vida dela, ao descobrir que sua filha vai morrer, ela levou menos de um minuto para pensar em outras pessoas e em como ela poderia ajudá-las. É uma das coisas mais poderosas que eu já vivi. Em oito anos de casamento (e 15 anos juntos), teve vários momentos que me fizeram parar e pensar ‘caramba, que sorte ser casado com essa mulher’. Mas dessa vez foi diferente. Eu percebi que não só estou casado com minha melhor amiga, como com um ser humano verdadeiramente especial.

Todo esse processo tem sido difícil, mas eu digo isso como alguém que está assistindo das arquibancadas, assim como vocês. Keri é quem está nas trincheiras o tempo todo, sentindo cada chute, cada soluço, cada mexida. Ela me lembra o tempo todo, todo dia, que ela está carregando um bebê que vai morrer. Ela tem dor nas costas. Seus pés estão doloridos. Ela tem todas aquelas coisas da gravidez acontecendo. Mas a luz no fim do túnel desses nove meses vai virar uma escuridão que ela nunca terá sentido até algumas horas antes do nascimento da Eva. É ela quem vai ter que lidar com tudo aquilo que vem com a chegada de um bebê – a descida do leite, o processo de recuperação… Mas sem um bebê lindo e fofo para olhar e lembrar que tudo aquilo valeu a pena.

Nós fizemos nossa escolha de gestar a Eva a termo por uma série de razões, mas a primeira e principal era doar seus órgãos. Nós não falamos isso para parecermos boas pessoas ou algo assim. Era apenas uma forma prática de chegar até o fim que encontramos quando entendemos que Eva está viva e que nossa filha merece encontrar sua mamãe e seu papai, e isso nos deu um propósito para continuar. A doação estava na cabeça de Keri quase no momento em que descobrimos e, embora a experiência de carregar e beijar nossa filha será algo que nós vamos lembrar para sempre com carinho, são os presentes que ela tem dentro dela que realmente importam. Keri percebeu isso quase instantaneamente. Aquele menino Jarrius usava uma camiseta que dizia: ‘É preciso vidas para salvar vidas’. Eu não consegui parar de pensar nisso o dia todo. Tem outra família por aí sofrendo e esperando que um milagre aconteça com seu bebê, sabendo plenamente que, para isso, um bebê de outra família precisa morrer antes. Eva pode ser esse milagre.

Nós estamos nos aproximando da linha de chegada e embora seja incrível chegar lá e conhecer Eva, isso vem com um preço. Nós vamos ao hospital para um nascimento e vamos voltar para casa sem um bebê.

Muitas pessoas dizem coisas como ‘eu não mudaria nada’ depois de uma situação difícil, mas eu não vou dizer isso. Sem dúvidas eu mudaria isso se eu pudesse. Eu quero que minha filha seja perfeita. Eu quero que ela apague as velas do seu primeiro aniversário. Quero que ela bata a cabeça na mesa do café tentando aprender a andar. Quero que ela tenha uma conta de telefone para mandar mensagens para os garotos. Eu quero levá-la ao altar. Eu quero tanto, tanto mudar isso. Mas eu não posso. Essa é nossa realidade. E não tem como pará-la.

Toda vez que Harrison se machuca ou precisa tirar um band-aid ou algo do tipo, Keri perguntará a ele ‘Você é forte? Você é corajoso?’. E ele vai balançar a cabeça e dizer ‘Sou forte! Sou corajoso!’. Eu estou olhando Keri agora mesmo e nem preciso perguntar. Ela é forte. Ela é corajosa. Ela é incrível. Ela é notável. Ela é feita de um material diferente que combina inteligência, beleza, coragem, doçura, caráter e integridade em uma mulher espetacular. E, de alguma forma, ela é minha esposa. Não que eu precisasse de uma situação horrível como essa para saber que ela é assim, mas isso me fez ter vontade de contar para todo mundo.

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