Mãe cria projeto de cartas para acalmar grávidas durante a pandemia

A ideia de "Querida Gestante", da jornalista Xenya Bucchioni, surgiu em uma tarde enquanto olhava para a filha Nara brincar, no começo da quarentena.

Por Alice Arnoldi
Atualizado em 15 Maio 2020, 15h47 - Publicado em 8 Maio 2020, 11h54
 (Acervo Pessoal/Reprodução)
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Se gerar um bebê já é um processo que traz um misto de alegrias e incertezas, pensar em vivê-lo durante uma pandemia é ainda mais delicado. Só que mais do imaginar, essa tem sido a realidade de muitas grávidas que estão gerando uma vida em meio ao surto do novo coronavírus (Covid-19). E foi pensando nessas mulheres que a jornalista Xenya Bucchioni criou o projeto “@queridagestante”, uma conta no Instagram que recebe e publica cartas de mulheres grávidas para outras gestantes.

A ideia surgiu ainda no começo da quarentena, quando as escolas e as empresas davam os primeiros passos para a paralisação e o home office.

Ela estava em casa cuidando da filha Nara, de um ano e seis meses, quando diferentes questionamentos começaram a borbulhar em sua mente. “Eu estava olhando para ela, brincando, e lembrei da minha gestação. Pensei que se fosse há pouco tempo atrás, eu estaria grávida nesse momento”.

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Querida gestante, Estive pensando em você. Foi numa tarde de sol e céu azul, apesar do clima cinzento trazido pela quarentena imposta nesses tempos loucos que correm. Eu prestava atenção na minha filha de 1 ano e 4 meses e me esforçava, sem sucesso, para trazer a cabeça ao momento presente, quando minha mente, na verdade, insistia em me levar de volta ao dia do nascimento dela. E, então, a você, mulher grávida, que carrega dentro de si o milagre e o mistério da vida. Talvez, meu pensamento estivesse tentando me dizer, exatamente, sobre isso, a vida. E o modo como, agora, como nunca antes, é de mãos dadas com ela que devemos estar, nos permitindo enxergá-la nas minímas coisas. . . Então, hoje, enquanto escrevo esse texto já com olhos ardidos de sono, depois de um dia quarentena-furacão com a minha pequena, eu te enxergo e pergunto: como você está? Já se deu conta de que é dentro do SEU corpo que residem a fé e a esperança renovadas na vida? . . Que essas linhas que seguem, idealizadas como um sopro-inspiração-projeto-relâmpago materializado no @queridagestante, possam te confortar, te abraçar e te (re)conectarem com o tempo mais essencial do momento – o do seu bebê. . Com carinho, Xenya Bucchioni @agoraqvireimae, jornalista, mãe da Nara e idealizadora da @queridagestante. . #queridagestante #gestacao #gravidez #tempodobebe #gravida #gravidanaquarentena

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A partir desse instante, a jornalista lembrou de toda a trajetória que precisou passar para que Nara chegasse ao mundo. Aos 23 anos, Xenya sofreu um acidente, em que fraturou a bacia e ficou um mês de cama. Esse período em repouso total levou ao quadro de trombose na perna esquerda.

“Na visão do médico obstetra especialista, isso me enquadrava em gestação de risco. Desde o início, tive que usar meias elásticas e com 14 semanas ele indicou as injeções de anticoagulante. A partir de então, me vi como doente”, explica a jornalista.

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A ênfase constante de que a gestação que estava vivendo era de risco fez com que Xenya acreditasse por um longo período de que estava doente em vez de grávida. Esse cenário demandou muito trabalho interno para conseguir contorná-lo, como a atitude de decidir participar de rodas de escrita com mulheres.

“Isso mudou muita coisa na minha vida, como pensar no feminino, na matriz feminina da minha família, olhar para as histórias de mulheres a minha volta e me conectar com as histórias de parto”, detalha a autora da proposta.

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Querida gestante, Ao sentir o ir e vir das primeiras contrações, a Nonna, como costumam chamar a minha tataravó paterna, ia direto para o fogão preparar uma panela de canja. Caldo no ponto e fogão desligado só restava esperar o ritmo da natureza. De cocóras, o milagre acontecia e as mesmas mãos que antes cozinharam, porque sabiam que logo seria tempo de nutrir, traziam a cria para o peito e tratavam de cortar o cordão umbilical com uma tesoura usada para este fim. E pronto. Mãe e bebê permaneciam, ali, acolhidas, alimentadas e aconchegadas no conforto de uma paisagem conhecida. . . Quem me conta essa história é minha avó paterna, hoje, com 97 anos. Se é verdadeira ou não, pouco importa. Gosto de pensar na Nonna como uma velha sábia, à beira do fogão, com o aroma dos temperos se espalhando pela casa e o modo como esse cenário se mistura com lençóis tingidos pelo vermelho sangue da chegada de uma nova vida sem que isso pareça um absurdo. Não penso sobre o que poderia dar errado, nem sobre estatísticas ruins. Meu encanto recai sob a naturalidade de parir. De estar consigo mesma na cozinha, ainda grávida, e algumas horas depois, no quarto, já com a cria nos braços. . . É a mulher selvagem que me atrai. Sua força. Sua potência. Seu instinto. Sua entrega. Não é fácil. Não é sem dor. Nem sem medo, tão pouco sem dúvida. Mas é esse conjunto de emoções diversas, ora conflitantes ora complementares, que a torna sedutora para mim. . . Hoje, enquanto o mundo segue mais silencioso do que de costume, abra o seu baú de memórias e deixe as lembranças te guiarem: . . Quem foram as mulheres que te trouxeram até aqui? Para além de nomes e datas, quem são elas? . . Experimente contar, ouvir, perguntar, descobrir. E então, escreva. Qualquer coisa que fale sobre sentimentos, cores, sabores, aromas… . Com afeto, Xenya @queridagestante @agoraqvireimae . . #ancestralidade #parto #sagradofeminino #raizes #mulheresqescrevem #gravida #queridagestante

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Olhando para a filha, esse processo intenso do gerar uma vida voltou à tona e o projeto de cartas nasceu. “Comecei a escrever uma carta mentalmente para uma mulher grávida qualquer. E a noite, quando minha filha foi dormir, coloquei o texto no papel e pensei: ‘Que título eu vou dar?’. Nessa hora, veio o “Querida Gestante” e, em seguida, surgiu a ideia de como seria legal ter um lugar em que as mulheres pudessem escrever cartas para outras mulheres que estão gestando”, conta ela que, em parceria com o marido designer, construiu uma identidade visual.

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A troca é mútua

Os primeiros textos do projeto foram de mulheres que fazem parte da rede de apoio da jornalista, como a sua doula. Mas com o passar do tempo, ele começou a ganhar forma e gestantes até então desconhecidas passaram a escrever para ela.

O objetivo do projeto é auxiliar outras grávidas que estão vivendo esse momento delicado durante a pandemia. Mas ele também tem ajudado Xenya a se reconectar com o que foi interrompido repentinamente com o novo coronavírus.

“Eu estava voltando a trabalhar, com perspectiva de novos projetos, estava em um movimento de ter mais tempo para mim. A minha filha também estava no processo de adaptação da escola. E, como todo mundo, tive a vida de antes cancelada. Então, poder me conectar com esse tema, que é gestação, traz conexão com a vida”.

E, assim como a roda de escrita a lembrou do poder da união feminina na gestação, o projeto continua a trazê-la para próximo desse sentimento. “Nós, mulheres, temos que caminhar mais juntas. A força que esse projeto traz para o meu maternar é imensa, de querer estar mais próxima delas. Fortalecer essa presença feminina fora do ponto de vista comum em que competimos uma com a outra”.

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Querida gestante, Sinceramente, eu só pude compreender a mulher que sou no momento em que transcendi meu ser na em uma sala de parto. Naquele instante, me vi despida não apenas fisicamente, mas também espiritualmente. Estava eu no ápice de mim mesma, vivenciando uma dor que me tonteava até o último fio de cabelo e portando uma força que jamais imaginei que teria dentro de mim. Foi o momento da “câmera lenta”. Peguei a minha filha nos braços. Em meio aquele cenário um tanto caótico de sangue por todo lado, uma dor inimaginável, a euforia dos médicos, ali, presentes, minha tão querida doula tendo o cuidado de registrar esse momento e meu marido, ali, excepcionalmente, incrível me oferecendo o apoio que eu realmente precisava nesse transcender profundo da minha própria alma, me vi em plena transformação. Evolução. Eu pude compreender o termo MULHER referido à mim. . Nós, mulheres, somos, desde os tempos primordiais, a primeira moradia de todos os seres existentes. Nós, mães, somos a definição de FODA. Sem pudores em meu linguajar, essa foi a palavra mais próxima do que eu sinto que somos. . Somos foda por viver, até hoje, batalhando por nossos direitos. Somos fodas porque, no momento da concepção, além de nos tornarmos moradia, nos doamos sem sequer pensar. Somos alimento, proteção, um mar de amor. Somos o sol a aquecer em dias frios, o conforto, o cuidado, a voz que acalma, o coração que faz ninar, o nascer do sentimento mais puro. Somos CRIADORAS. . Cada mulher se descobre em um momento. Cada mulher descobre uma razão muito profunda para se entender como mulher. Cada mulher passa por um momento decisivo, no qual vivencia a transcendência de sua própria alma. Sem julgamentos e preconceitos a nenhuma de nós. Somos todas fodas de uma maneira única, cada qual com seu qual. . Eu me descobri assim, sendo-me entregue o dom de parir. Apenas respeite e agradeça. . Agora, me conta, em que momento você se descobriu? .  Com carinho, Mama Laís @mamascaru . . #sermulher #mulher #sagradofeminino #parto #parir #maternidade #queridagestante

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Para participar, as cartas podem ser enviadas pelo e-mail queridagestante@gmail.com ou ainda pelo direct do Instagram. Sobre o tamanho, Xenya pede pelo máximo de 30 linhas para que o texto não vá para os comentários. Mas a jornalista entende que, às vezes, alguns assuntos pedem por mais espaço.

Já sobre o tema, ela apenas direciona as participantes para que pensem que estão realmente escrevendo uma carta para outra grávida e como gostariam de acalantá-la neste momento. A única exigência é que ela seja feita com sinceridade e carinho, sem se preocupar com os erros de português ou outros detalhes menores.

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