Entenda como é o parto humanizado
Na água, na maternidade ou no centro cirúrgico, o seu parto deve ser da forma como você quer (e sua saúde permite). Repórter explica este conceito e conta sua própria experiência.
Por conta de uma doença rara no sangue e da medicação que tomei para administrar o problema durante as gestações, minhas duas filhas precisaram nascer de cesárea. A prioridade, lógico, era a saúde delas, mas eu também não queria um começo de vida frio e distante como os partos cirúrgicos sempre pareceram ocasionar. Por isso, meu obstetra mudou alguns procedimentos de rotina, deixando o momento mais natural. A primeira quebra de protocolo foi que meu marido pôde ficar comigo durante a anestesia. Não precisei ficar com os braços “amarrados” na cama e o campo cirúrgico, aquele pano que separa a região da barriga da cabeça da gestante, foi retirado minutos antes do nascimento. Pude ver meus bebês saindo de minha barriga e sendo entregues a mim.
Pode-se dizer que meu parto foi humanizado? Alguns profissionais são enfáticos em dizer que sim, já que, apesar de cirúrgico, o processo foi o mais natural possível. Outros dizem que não, pois se trata de uma cirurgia e ponto. Para entender melhor esse polêmico conceito de humanização, fomos conversar com três especialistas no assunto – um obstetra, uma doula e uma enfermeira obstétrica.
O que significa um parto humanizado?
Há muita polêmica sobre o que é um parto humanizado, mas a maioria aceita que é aquele em que as decisões da mulher são levadas muito mais em conta do que em um parto convencional. Isso significa deixar a natureza fazer o seu trabalho, realizar um mínimo de intervenções médicas e apenas as autorizadas pela gestante – sempre levando em consideração a segurança e saúde dela e do bebê. Para isso acontecer, é preciso que ambos estejam bem e saudáveis, sem nada que exija cuidados extras. “Não importa se ele ocorre na cama, na água, em casa, no hospital. Em um parto humanizado, a ação é toda da mulher que segue o processo fisiológico do parto. O médico fica ali apenas como um expectador e só interfere se ocorrer algum problema”, explica a doula Ana Cristina Duarte, diretora do Gama (Grupo de Apoio a Maternidade Ativa). “Quando você humaniza um parto, a grávida fica mais livre para escolher o que a faz se sentir melhor. Pode andar durante o trabalho de parto e escolher quem quer ao seu lado, por exemplo”, diz a enfermeira obstétrica Helen Mendes, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Todo parto normal é humanizado?
Não, necessariamente. “Basta observar a lista de potenciais procedimentos que podem ser feitos em um parto normal, e não em um humanizado, para perceber a diferença”, explica o obstetra Abner Lobão, da Universidade Federal de São Paulo. Entre eles, estão a anestesia/analgesia, múltiplos exames vaginais, monitoramento permanente dos batimentos cardíacos fetais e da contração uterina por meio eletrônico, posição fixa e não anatômica da mãe durante o processo, jejum, o uso do soro e de medicamentos para controlar a contração (para aumentar ou diminuir), episiotomia, uso de fórceps, manipulação do bebê (aspiração mecanizada de vias aéreas, entre outras), luz e ruídos excessivos, limitação de movimentação, “lavagem” intestinal, depilação da região genital. Depois de tantas intervenções, fica difícil atribuir o adjetivo humanizado ao ato de dar à luz. Mas, o mais preocupante é que, em muitos hospitais, tais procedimentos se tornaram de rotina, independentemente de serem necessários ou não, e são realizados sem consulta prévia à grávida ou a seus familiares. Daí a tendência das mulheres exigirem um parto mais humanizado.
Uma cesárea pode ser um parto humanizado?
Ela pode ser mais humana, como contei no meu relato, no começo desta reportagem. Não chega a ser um verdadeiro parto humanizado, pois é considerada uma cirurgia de médio porte. Mas pequenas mudanças podem deixá-la melhor, como manter o companheiro ou acompanhante na sala, controlar, em parte, o ruído e a luz, diminuir a manipulação do bebê, deixar o pai cortar o cordão umbilical e o filho mamar tão logo nasça. Atenção: nada disso é válido caso a cesárea seja feita desnecessariamente, já que essa atitude é totalmente contrária ao bem-estar da mãe e do bebê, como prioriza o parto humanizado.
Como uma mulher se prepara para um parto humanizado?
O primeiro passo é fazer um bom pré-natal para saber se a sua saúde e a do bebê estão bem – só assim é possível realizar um parto sem intervenções. Procurar um obstetra que goste e saiba conduzir um parto desta forma é o segundo passo. Converse com o médico que lhe atende e com o qual você tem afinidade sobre suas escolhas. Caso seja necessário, troque de médico. Procurar ajuda em grupos de apoio ao parto humanizado aumenta as chances de encontrar um profissional com o perfil que você deseja. Sem estrutura mínima para este tipo de parto, e sem um obstetra e sua equipe motivados e treinados para fazê-lo, não é possível alcançar plenamente o objetivo.
E o mais importante: “A gestante precisa querer um parto humanizado, com todas as suas emoções e desconfortos. Não deve escolher isso apenas porque está na moda”, alerta o obstetra Lobão. Por isso, é importante também conversar com quem já teve essa experiência.
Quais as vantagens de um parto humanizado?
Existem muitas vantagens para a mãe e filho. Como não há necessidade de recuperação da anestesia, nem de uso de medicamentos, nem da episiotomia, além do maior conforto emocional, a tendência é de um restabelecimento mais rápido, além de uma percepção mais positiva da experiência do parto. Para os bebês, as vantagens não estão completamente claras em longo prazo, mas sabe-se que com menos stress e uso de drogas/medicamentos envolvidos no processo, o risco de complicações tende a diminuir. Além disso, teoricamente, ele nasce de uma forma mais tranquila e a amamentação acontece ainda na sala de parto, o que promove o vínculo entre mãe e bebê, tão importante nesse começo de vida.
Um parto desumanizado
A história da veterinária Alessandra Caprara, 31 anos, mostra como nem sempre um parto normal é humanizado, ou mesmo tranquilo. O nascimento do seu primeiro filho tinha tudo para ser o mais natural possível e acabou como um filme de terror:
“São Paulo, 2006. Cheguei ao hospital com 10 centímetros de dilatação, avisando que o bebê já estava nascendo. A enfermeira da recepção confirmou com um exame de toque e me mandou para dentro. Fui recepcionada por outras enfermeiras que me colocaram numa sala de espera. Eu avisava que o bebê estava nascendo e elas diziam: ‘Calma mãezinha, você precisa tomar penicilina, está escrito no seu pré-natal’. E eu sentia o meu bebê descer pelo canal de parto… Então, outra enfermeira fez novamente o exame de toque e percebeu que eu dizia a verdade. Suspendeu a penicilina, me colocou em uma sala e pediu que eu aguardasse. Depois veio a anestesista e ordenou: ‘mãezinha, fica de indiozinho e não se mexa’. Eu, com contrações por minuto, rezava para que não viesse mais nenhuma. O obstetra não disse nada, colocou os panos, passou algo gelado em mim, me cortou e meu bebê saiu. Trouxeram ele para mim e logo depois levaram embora. Não vi mais meu marido, nem sei quando ele entrou ali. Terminei sozinha, em um quarto, sem nenhuma explicação.”
Fontes:
Abner Lobão, ginecologista e obstetra da Universidade Federal de São Paulo; Ana Cristina Duarte, doula (acompanhante de parto) e uma das diretoras do Gama (Grupo de Apoio à Maternidade Ativa); Helen Mendes, enfermeira obstétrica do Hospital e Maternidade Albert Einstein.