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Barriga solidária x barriga de aluguel: quais as diferenças?

Nem sempre um bebê é gestado no útero da mãe. Com o avanço da reprodução assistida, é possível que outra mulher “abrigue” a criança ao longo dos nove meses

Por Da Redação
8 ago 2023, 12h18

Kim Kardashian, Sarah Jessica Parker, Naomi Campbell, Cristiano Ronaldo, Paulo Gustavo… O que essas pessoas têm em comum, além de serem famosas? Todos foram pais via útero de substituição, técnica conhecida popularmente como barriga de aluguel. Se você tiver mais de 35 anos, talvez até se lembre de que Barriga de Aluguel foi o nome (e o tema, lógico) de uma novela da TV Globo, estrelada por Cláudia Abreu e Cássia Kiss no início da década de 1990. Mas, afinal, o que é isso e como funciona?

A expressão barriga de aluguel é usada quando uma mulher “empresta” seu útero para gestar o embrião de outros pais, mediante uma recompensa financeira, o que é relativamente comum em alguns locais – como nos Estados Unidos. No Brasil, a prática remunerada financeiramente não é permitida. Por isso, por aqui, se fala em “barriga solidária”. A mulher que aceita ficar grávida do bebê de outra pessoa não pode comercializar essa ação, segundo as normas éticas elaboradas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que regulam a reprodução assistida no país.

No caso de Paulo Gustavo, único brasileiro citado no início da reportagem, a reprodução assistida com barriga de aluguel foi feita no exterior. Em 2019, o ator e seu marido, o dermatologista Thales Bretas, tiveram Gael e Romeu por meio da técnica.

“Barriga solidária é quando uma mulher se propõe a gestar o embrião para outra pessoa”, define o ginecologista e obstetra Arnaldo Cambiaghi, especialista em medicina reprodutiva e diretor clínico do Centro de Reprodução Humana IPGO, em São Paulo (SP). Geneticamente, explica ele, o embrião foi gerado com gametas de outras pessoas em um laboratório, e implantado no útero dela. A prática também é chamada de cessão temporária de útero ou útero de substituição.

Em que casos o útero de substituição pode ser utilizado?

De acordo com o especialista, esse é um caminho possível quando, por alguma razão, não há útero ou o órgão não está apto para gestar o embrião. “A mulher pode ter doenças clínicas, alguma deformidade no útero, pode ter precisado realizar uma histerectomia [cirurgia de remoção do órgão]…”, exemplifica. É também uma alternativa para casais homoafetivos masculinos ou para uma produção independente de um pai solo.

Quando a mulher tem óvulos saudáveis, é feita a coleta e, em seguida, eles são fertilizados com o esperma coletado do parceiro, para produzir o embrião em uma fertilização in-vitro (FIV). “No caso dos casais masculinos, eles usam óvulos de uma doadora para gerar o embrião”, diz o médico. Conforme as regras do CFM, essa doadora de óvulos não pode ser a mesma mulher que vai ceder o útero.

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Pré-requisitos para ser barriga solidária

Qualquer pessoa pode emprestar o útero para uma gestação? Não é bem assim. Existem algumas regras, também definidas pelo CFM, que precisam ser seguidas. Até pouco tempo, no Brasil, a mulher que cederia a barriga tinha de ser parente de até quarto grau de um dos pais do bebê. No entanto, no final de 2022, quando as normas foram atualizadas, o leque foi ampliado: agora, mediante a solicitação de uma autorização do Conselho Regional de Medicina, não é mais preciso ter laços de parentesco.

Fora isso, além de não ser permitida a remuneração, que caracterizaria a barriga de aluguel, a mulher deve obrigatoriamente já ter tido pelo menos um filho. Caso seja casada, é necessário que o marido concorde. “Ela também vai passar por avaliação médica e psicológica para saber se tem condições de gestar”, acrescenta o obstetra.

O passo a passo

Depois que a mulher é aprovada, deve ser encaminhada para a consulta com o médico. “Ela vai realizar exames ginecológicos, serão avaliadas as condições do útero e quaisquer outros fatores que possam interferir no desenvolvimento da gestação. Com a avaliação completa, caso esteja tudo certo, a transferência pode ser feita no momento adequado”, explica Cambiaghi.

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As taxas de sucesso após a transferência dos embriões, segundo o especialista, desde que as análises das condições da mulher estejam favoráveis, são as mesmas de qualquer gravidez. “Os riscos são os mesmos de uma gestação espontânea nesse padrão de paciente, que é saudável. Como é realizada essa avaliação prévia pelo médico que vai fazer o tratamento, ele já vai saber se houver risco de complicações maiores e, nesse caso, não vai prosseguir”, aponta.

De acordo com o obstetra, não é raro, no caso da fertilização, que os pais biológicos desejem transferir mais de um embrião por vez. No entanto, essa conduta não é recomendada. “Colocamos um único embrião”, ressalta. “Explicamos que existe o risco esperado de gestação gemelar, como parto prematuro e outras complicações. Ainda assim, mesmo com um embrião, há 1% de chance de ele se dividir e ter uma gestação gemelar. Mas aí, seria uma obra do acaso e está fora do nosso controle”, diferencia.

Imagem de um embrião sendo fertilizado em laboratório
(vchal/Thinkstock/Getty Images)

Existe também a parte da documentação. A mulher que aceitou ser barriga solidária assinará um termo, em que atesta que compreendeu totalmente o processo e que aceita todas as condições. Além disso, o médico destaca a importância de que tanto a gestante como os pais façam um acompanhamento psicológico. “Isso vai ajudar a mulher a se envolver de uma forma diferente com aquela gravidez – não como mãe. Por isso também é fundamental – e é regra – que ela já tenha pelo menos um filho”, complementa.

Pré-natal e parto

Avaliações concluídas, documentos assinados e embrião transferido. Teste de gravidez positivo. E agora? A próxima etapa é monitorar essa gestação, como qualquer outra, com um pré-natal de qualidade. “Os pais costumam acompanhar as consultas e exames”, diz Cambiaghi. Afinal, é o bebê deles ali e podem surgir dúvidas durante essa jornada. “O casal ou a pessoa que é dona genética do embrião tem de saber se há alguma complicação ou qualquer outra necessidade”, lembra.

O mesmo acontece no parto. “Os pais têm todo o direito de participar e é muito comum que participem, já que aquele é o momento único do nascimento do filho”, afirma o obstetra. Ainda que ele tenha crescido e se desenvolvido em outra barriga.

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O médico explica que, na hora em que o bebê chega ao mundo, a maternidade já tem a ciência do caso e possui a documentação necessária. “Essa transição é feita de uma maneira ajustada, para que não haja constrangimento a mulher que gestou”, detalha. O planejamento de como tudo vai acontecer é combinado antes, entre os pais e a barriga solidária, e o acompanhamento psicológico também ajuda nesse processo. “Mas, quando o bebê nasce, ele já recebe a pulseirinha de identificação com o nome dos pais, de fato”, detalha Cambiaghi.

É possível, inclusive, que a mãe biológica, nos casos em que há uma, seja preparada previamente para produzir leite e amamentar, mesmo sem ter gestado. Há técnicas e medicamentos que oferecem essa possibilidade, discutida ao longo do pré-natal. Já a mulher que gestou a criança pode receber cuidados com o objetivo contrário, interrompendo a produção de leite.

Solidária, mas não “custo zero”

Não é porque a barriga é solidária e a mulher não pode ser remunerada financeiramente que o custo do tratamento é zero. Além de pagar as despesas clínicas da produção e da transferência do embrião, os pais se certificam de que a gestante terá acompanhamento médico durante o pré-natal e o parto, e também podem arcar com as necessidades da mulher ao longo dos nove meses. “A responsabilidade é dos pais biológicos”, lembra o obstetra.

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