“Violência obstétrica: o meu relato”

O depoimento de uma mãe que foi negligenciada no parto e as consequências que isso trouxe para a vida dela.

Por Luísa Massa
Atualizado em 22 out 2016, 18h02 - Publicado em 22 ago 2016, 08h17
Taws13/Thinkstock/Getty Images
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Júlia Souza*, 33 anos, é enfermeira e mãe do Francisco, de 16 anos, do Bernardo, de 2 anos. Aqui, ela fala sobre a experiência negativa que teve no parto do seu caçula.

“O parto do meu primogênito foi tranquilo e por isso optei por ter o parto normal novamente quando o segundo filho nasceu. Achei que tudo correria bem, mas não foi o que aconteceu. Eu estava com 41 semanas de gestação e já vivia uma gravidez de risco – estava perdendo líquido amniótico há algumas semanas, mas sempre que eu ia ao hospital ver o que estava acontecendo, recebia alta. Além disso, eu havia ficado internada por 15 dias devido à uma infecção urinária grave.

A bolsa estourou em um dia por volta das 2h30 da madrugada e cheguei às 3h00 no hospital com sangramento intenso. A médica me internou em um quarto com outras duas mulheres que também estavam em trabalho de parto – uma delas era menor de idade e tinha direito a acompanhante. Fui colocada no soro, mas não com medicação para ajudar na dilatação mais rápida, pois eu estava perdendo sangue e líquidos. Minhas contrações estavam intensas e eu, como enfermeira, saiba como agir diante da situação, mas de repente senti algo estranho e fui ao banheiro. Quando retornei, apaguei. As outras gestantes que estavam comigo entraram em desespero e a acompanhante de uma delas saiu para pedir ajuda.

Uma auxiliar de enfermagem veio e disse que eu estava com frescura porque parto normal era assim mesmo, doía e que eu tinha que ter pensado antes de engravidar, já que não estava preparada para parir. Ela dizia isso enquanto eu estava deitada na cama toda ensanguentada e meio desacordada. Então, pedi que a acompanhante da outra grávida chamasse a minha mãe ou o pai do meu filho (meu marido na época). Minha mãe conseguiu subir, mas foi barrada na porta. Eu falei para ela que não estava bem e que sabia que ela deveria buscar socorro urgente porque eu morreria caso ninguém fizesse nada. Ela tentou, mas ninguém ajudou – todos disseram que era frescura.

Na troca do plantão pela manhã, a obstetra que assumiu me encontrou desacordada. Foi aí que ela solicitou que a minha mãe subisse para ajudá-la. Elas me colocaram no chuveiro e a médica pediu que me dessem soro com ocitocina para tentar fazer o parto. Mesmo assim, ela me avisou que não sabia se seria possível e que talvez nem eu e nem o meu bebê sobrevivêssemos. Apesar disso tudo, o parto normal aconteceu. Lembro que cerca de 12 pessoas estavam na sala e eu estava desorientada – não tinha dilatação e nem líquido amniótico. Também não recebi anestesia porque o anestesista estava atrasado para o plantão.

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No fim, foi isso que aconteceu: fui submetida a um parto normal com quatro centímetros de dilatação, fizeram algo parecido com uma manobra de fórceps, mas com as mãos, tomei 28 pontos na episiotomia e demoraram cerca de 40 minutos para retirar a placenta. Meu filho já estava em sofrimento e passou 22 dias na UTI. Acredito que o meu parto era para ter sido cesárea logo quando cheguei no hospital, já que havia perdido muito líquido amniótico, mas as obstetras estavam dormindo e não queriam ser acordadas. A minha ‘sorte’ foi que chegou outra médica no dia seguinte. Mas em um momento de extrema felicidade em que as pessoas deveriam me deixar tranquila, eu ouvi as piores coisas da minha vida. Me deixaram sozinha e sequer me atenderam quando eu passei mal.

Foi muito traumático ter essa experiência. Desencadeei um histórico de ansiedade e depressão pós-parto, pois eu e o meu bebê sofremos muito. Nos primeiros dias do puerpério, eu não queria me relacionar com as pessoas, não recebia visitas e ficava trancada com o meu filho em casa porque eu tinha medo de que algo acontecesse. Hoje, a depressão melhorou, mas ainda sou extremamente ansiosa e tenho muitas recaídas no tratamento. Passo dias sem nem cochilar, meu coração fica acelerado, tenho falta de ar, choro e fico irritada. Nunca vou esquecer da auxiliar de enfermagem falando que tudo aquilo era frescura e questionando: ‘quem mandou você engravidar?’.”

*Nome trocado para preservar a identidade. 

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