“Ser mãe de uma criança autista me transformou”

Leia o relato de uma mãe cujo filho recebeu o diagnóstico de autismo quando tinha 2 anos e saiba qual foi o impacto que isso trouxe para a sua vida.

Por Luísa Massa
Atualizado em 31 mar 2017, 21h52 - Publicado em 20 jun 2016, 07h30
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Érika Andrade, 35 anos, é mãe do Bernardo, de 4 anos, psicóloga e idealizadora do Instagram Maternidade Azul. Aqui, ela fala sobre como percebeu os sinais do filho e buscou ajuda até receber a notícia de que o pequeno é autista.

“Ser mãe sempre foi o maior sonho da minha vida. Eu já estava tentando engravidar há algum tempo, mas na minha festa de 30 anos, fiz esse pedido ao soprar a vela do bolo. No dia seguinte o meu desejo se tornou realidade e eu engravidei. Eu estava feliz com a notícia e pensava que o importante era o meu filho ter saúde – o que envolvia os ultrassons durante a gestação e, depois que ele nascesse, testes como o do pezinho e da orelhinha, que poderiam apontar algum problema.

Tudo correu bem durante a gravidez. Bernardo nasceu, fez uma bateria de exames e os resultados foram normais. Eu fiquei tranquila, afinal, tinha preocupações com o desenvolvimento dele até aquele momento, pois estava certa de que, depois, as coisas aconteceriam dentro do esperado. Na época, nós voltamos a morar em Belo Horizonte, eu comecei a trabalhar e o Bernardo, que tinha 1 ano e 4 meses, foi para a escolinha. Como eu não tive muito tempo para pesquisar colégios, acabei colocando-o em um que não era bom.

Quando ele entrou no ambiente escolar, começou a regredir. O pequeno já dizia algumas palavrinhas, mas parou de falar. Também passou a recusar determinados alimentos e eu achei estranho. Como sou psicóloga, já tinha observado o seu comportamento: ele machucava e parecia não sentir dor, nós o chamávamos e ele não olhava, mas eu sabia que ele não era surdo porque respondia a outros sons, ele apresentava pouco interesse por crianças da mesma idade. Devido a tudo isso, comecei a suspeitar do autismo.

Cheguei a falar com algumas pessoas sobre a minha desconfiança e todos, com exceção do meu marido, acharam que isso era coisa da minha cabeça. Eu sabia que não era. Levei o Bernardo na pediatra, ela também descartou a ideia e pensou na hipótese de surdez. Procurei um otorrino, mesmo sabendo que ele escutava. Nas consultas, o médico já estava falando até mesmo de implante coclear porque acreditava que ele era surdo. Fizemos dois exames com sedação para eu conseguir provar o que já dizia: que o meu filho ouvia porque quando eu o chamava, ele não olhava, mas se tocava a música do desenho da Peppa, ele saia correndo para frente da televisão.

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Foram meses muito angustiantes onde eu percebia algumas coisas que ninguém validava. Então, depois de sabermos que a audição do Bernardo era normal, fui em busca de uma equipe especializada: um neurologista pediátrico e uma psiquiatra infantil, que é referência em autismo. Os dois foram enfáticos em falar que eu estava certa. No meu caso, ouvir isso me deu a sensação de alívio porque eu sabia que tinha alguma coisa errada e queria descobrir o que era para tomar as providências necessárias. A partir do momento em que tive a confirmação de que não era surdez, e, sim, autismo, comecei a focar nas intervenções. Vejo alguns pais falarem que sentiram-se desolados quando receberam a notícia, mas acho que depende muito de cada caso. É diferente para quem não imagina ter esse diagnóstico do que para quem está buscando uma resposta porque percebe que algo não está certo.

Hoje, o Bernardo tem 3 anos, estuda em uma escola regular e por enquanto não tem nenhum mediador na sala de aula. Ele faz várias terapias: acompanhamento com terapeuta ocupacional, integração sensorial, consultas com psicólogas comportamentais e fonoaudióloga, pratica natação, faz musicalização e é acompanhado por uma nutricionista. Eu e o meu marido também fazemos treinamentos de pais com as psicólogas. Percebo que o meu filho tem se desenvolvido e respondido muito bem às terapias. Na época do diagnóstico, quando ele tinha 2 anos, o psiquiatra nos disse que nem poderia afirmar se um dia ele iria falar alguma coisa e, atualmente, ele está desenvolvendo a linguagem – ainda com atrasos em relação às crianças da idade dele, mas está começando a formar frases. Eu não estou trabalhando para poder acompanhá-lo nas atividades rotineiras.

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Nós nunca vivemos episódios de preconceito. Acho que talvez eu tenha experiências piores à medida em que ele for crescendo, pois ele está em uma idade em que as pessoas enxergam comportamentos que desviam do padrão com alguma tolerância. Por exemplo: tem momentos em que ele deita no chão, não aceita ser contrariado, chega a gritar. Como ele faz isso com 3 anos, todos olham de uma forma, mas se ele continuar a agir assim quando tiver, por exemplo, uns 7, 8 anos, vão olhar de outra maneira. Eu imagino que as mães que têm filhos mais velhos enfrentam menos tolerância das pessoas nos ambientes públicos. Afinal, uma criança de 3 anos gritando em um voo é uma coisa, mas e se for uma de 10?

Apesar disso, ser mãe de um filho autista me transformou. Passei a dar importância para o que realmente importa e, vitórias que às vezes são pequenas para outras mães, têm grande relevância para mim. O autismo também trouxe pessoas maravilhosas para a minha vida, que provavelmente eu não teria conhecido. Quando o Bernardo nasceu, tudo já estava planejado, mas as coisas mudaram totalmente – e não só por causa dele. Hoje, eu desisti de tentar manter o controle sobre o que eu não tenho, tento viver um dia de cada vez e não gastar minha energia com coisas pequenas. O que eu diria para as mães de filhos autistas é para elas buscarem conexões para saberem que não estão sozinhas porque muitos já estão nessa trajetória e podem trocar experiências. Acho que quando você se abre para conhecer outras pessoas e ouvir o que elas têm a dizer, você descobre novas formas de lidar. É claro que existem dificuldades, mas a nossa vida com o Bernardo tem muitas alegrias! Ele é um presente exatamente do jeito que é e eu não o trocaria por nenhuma outra criança no mundo. Uma vez eu li algo que faz muito sentido: o autismo não é uma sentença de luto, é uma sentença de luta. É assim que eu penso!”

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