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“Perdi meu filho em um acidente na piscina”

Conheça a emocionante história de uma mãe que precisou de uma força enorme para lidar com a morte do filho e de muita coragem para seguir em frente.

Por Luísa Massa
Atualizado em 22 out 2016, 21h00 - Publicado em 29 set 2015, 11h34

Paula Miranda, 37 anos, é mãe do Igor e da Nina, de 2 anos e 8 meses e idealizadora do Instagram Planeta Paulaa. Aqui, ela compartilha como um acidente mudou para sempre a sua vida.

“Eu tive o meu primeiro filho, Igor, com 28 anos. Quando ele tinha 3 anos e 10 meses, eu e meu marido resolvemos nos mudar para os Estados Unidos. Vitor, meu companheiro, é lutador de MMA e ele estava em busca de novas oportunidades profissionais. Vendemos tudo o que tínhamos no Brasil e fomos embora com duas malas e um sonho grande. No começo, nós não tínhamos um local definitivo para morar, então, ficamos hospedados na casa do dono da academia onde meu marido trabalhava. Essa família tinha dois filhos: um com 12 e o outro com 10 anos. O Igor adorava conviver com os meninos. Não posso negar que nós passávamos por dificuldades, mas sempre tivemos um ao outro.

Mas no dia 20 de junho de 2011, fomos surpreendidos. O dia começou normal: acordei cedo, fui correr, preparei o café da manhã para os meus amores, passamos a manhã juntos, almoçamos, assistimos a um filme, ficamos grudadinhos no sofá. Na época eu havia acabado de criar o meu blog e vendia maquiagens importadas para as brasileiras – essa foi a forma que eu encontrei para contribuir com a renda da família. Por volta das 15h, o meu marido se despediu da gente e foi para o treino. Antes de partir, ele deixou cinco biscoitos para o Igor, que estava ao meu lado. Assim que acabou de comer, ele perguntou se podia buscar mais guloseimas e eu deixei, mas pedi para que ele viesse rápido. Essa foi a última vez que eu vi o meu filho com vida.

Nós ficávamos na casa da piscina – que era composta por um quarto e banheiro – e usávamos apenas a cozinha e a sala da casa principal. Para pegar os biscoitos, o Igor teria que ir à casa da piscina, onde eu guardava a maior parte dos nossos mantimentos. Eu não sei exatamente quanto tempo passou para que eu sentisse falta do meu filho. Na minha cabeça foram cerca de um ou dois minutos, mas os médicos disseram que passaram de cinco minutos. Tudo aconteceu muito rápido, mas quando eu fui atrás do Igor já era tarde. Assim que dei falta dele, imediatamente pensei na piscina. Nos Estados Unidos todas as piscinas precisam obrigatoriamente ter uma cobertura, mas na casa em que nós estávamos hospedados não havia essa segurança porque os filhos do casal já eram grandes.

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Saí correndo em busca do meu filho. Quando abri a porta da casa, eu não vi o Igor dentro da piscina (que tinha 2 metros e 10 centímetros de profundidade) só enxerguei o par de chinelos dele boiando. Foi então que, apesar de não saber nadar, eu me joguei dentro da água e, quando abri os olhos, vi que ele estava de bruços, já no fundo. No primeiro momento eu pensei que se ele estava no fundo da piscina era porque tinha acabado de cair, mas eu estava errada. Na verdade, quando a criança está boiando é que ela acabou de cair, pois ainda não está pesada, com o corpo e o pulmão cheios de água. Naquele momento, eu só queria tirar o meu filho dali. Então, depois de avistá-lo, eu dei um impulso com o pé, puxei ar e mergulhei novamente. Fui mexendo os braços e pernas e consegui chegar até o outro canto da piscina, onde o Igor estava. Puxei-o com a camiseta para perto de mim, segurei ele no meu colo, dei outro impulso, subi, peguei mais ar, abaixei, juntei o Igor de novo porque ele estava muito pesado. Empurrei o corpo do meu filho contra a parede e rolei até chegar à parte de fora da piscina. Essa foi a forma que eu consegui de retirar o meu filho da água.

Saí o mais rápido que pude da piscina para ver como ele estava. Quando o virei de frente, ele tinha o semblante azul, os seus olhinhos já estavam semicerrados e ele também não apresentava nenhuma reação. Eu só conseguia pensar: “Meu Deus, meu filho não!”. Em uma tentativa desesperada de salvar a vida do Igor, apliquei massagens cardíacas e respiração boca a boca. Fiz tudo isso ao mesmo tempo em que eu ligava para o meu marido aos gritos. Eu jamais vou esquecer desses gritos, do som agoniante da minha própria voz. Ele disse que era para eu continuar o que estava fazendo porque ele iria chamar a ambulância e ir para casa. Ele tinha acabado de estacionar o carro na academia, isso significa que o processo todo durou apenas quinze minutos. Devido à força com que eu fiz os primeiros socorros, Igor regurgitou o que tinha comido e eu pensei que essa tinha sido uma reação física dele. Eu o peguei no colo e saí correndo com ele pelo condomínio, gritando em busca de ajuda. Nisso, um casal desceu do carro e começou a fazer exatamente o que eu já tinha feito com o meu filho. Também foi nesse momento que a ambulância chegou. Eu estava muito desesperada, só sabia gritar e lembro vagamente das pessoas me segurando enquanto os paramédicos davam choques no peito do Igor. Mesmo assim, ele não respondeu, então, eles resolveram dar uma injeção de adrenalina no seu coração. Foi nessa hora que o meu marido chegou e eu jamais vou esquecer essa cena: ele de joelhos chorando e dizendo “nosso filho não, nosso filho não”.

O Igor continuou ali com a injeção no peito. Ele não teve nenhuma reação, mas os médicos conseguiram uma pulsação bem fraca. Hoje, quando me perguntam se eu achava que o meu filho estava vivo, a resposta é não. Desde o momento em que eu o tirei da piscina, eu sabia que ele estava morto, mas a gente, mãe, sempre tem a esperança de que as coisas vão se resolver. Foi exatamente isso que aconteceu comigo quando eles conseguiram pegar a pulsação. Depois disso, fomos para o melhor hospital de Boca Raton e o médico me disse que o estado de saúde dele era muito grave e que dois neurologistas de Miami estavam chegando para acompanhar o caso. Durante quatro dias, tivemos muito apoio da comunidade brasileira, que se comoveu com a nossa história. Recebemos mensagens e visitas de pessoas que nunca tínhamos visto. Enquanto isso, acontecia no Facebook a maior corrente de orações que eu já presenciei.

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O Igor ficou hospitalizado do dia 20 até o dia 24. No dia 23 à noite, eu tive uma conversa com a minha mãe. Eu liguei para ela e disse que a situação estava bem crítica, que eles deveriam se preparar para o pior. Minha mãe falou: “você tem certeza disso?” e eu disse que sim. Foi aí que ela me disse “filha, possivelmente o Igor ainda não se desligou porque vocês estão segurando ele aí. Se você sente isso como mãe, que ele está se desligando, fale com ele”. A minha família é espírita e nós acreditamos muito nos preceitos da religião. Depois de desligar o telefone, eu chamei o meu marido e nós fomos até o Igor. Falamos como se ele estivesse nos ouvindo e eu disse para o meu filho: “vai ser a coisa mais difícil da minha vida viver sem você, mas se você precisa ir, eu prefiro que você vá”. Naquele momento como mãe, eu quis ver o meu filho livre e se para isso ele tivesse que sair daquela vestimenta carnal, eu entenderia. Essa conversa aconteceu às 3 horas da manhã. Eu e meu marido voltamos para o quarto, eu senti um alívio imenso e consegui pela primeira vez dormir por três horas. Às seis horas da manhã, do dia 24/06/2011 – dia em que meu pequeno completaria quatro anos – o médico veio e deu a notícia de que o Igor tinha sofrido morte cerebral. Nós resolvemos doar os órgãos dele e depois eu fiquei sabendo de alguns casos das pessoas que os receberam. O intestino dele, por exemplo, salvou a vida de um bebê de quarenta dias.

Enterrei o meu filho nos Estados Unidos, pois na época era inviável trazê-lo para o Brasil. A última vez que vi meu Igor foi dentro de um caixão branco. Essa é uma cena que jamais vai sair da minha memória. Os meses foram se passando e eu percebi que queria mudar, pois não conseguia mais viver naquele país. Eu e meu marido ficamos em luto profundo, eu fiquei quinze dias sem tomar banho porque o meu contato com a água era horrível. Nossas famílias também tentaram ir do Brasil para lá, mas os vistos não foram aprovados. Nós ficamos sozinhos e decidimos voltar para o nosso país natal. Foi muito difícil desembarcar no Brasil com as mesmas malas, mas sem trazer de volta o que eu levei de mais precioso: o meu filho.

Depois de tanta dor, nós conseguimos recomeçar as nossas vidas. Também tivemos outra filha, a Nina, que é a nossa maior alegria. Aos poucos eu fui voltando a viver e hoje posso dizer que eu sorrio novamente. Mesmo assim, não tem um dia da minha vida em que toda essa cena não passe como um filme na minha cabeça. Eu choro escondida, tento não demonstrar a minha dor porque eu decidi viver da melhor maneira possível, mas sem jamais deixar a memória do Igor partir. Depois de passar por essa experiência, fui transformada para sempre e de uma maneira brutal. O mundo passou a ter outro sentido e a vida mudou totalmente. Eu sei que estarei velhinha chorando de saudade do meu filho porque para uma mãe o tempo não passa.

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A você, Igor querido, continuo mandando todo o amor que existe em mim. Tenho certeza de que o nosso momento vai chegar, que juntos ainda vamos descobrir os mistérios dessa dura prova. Sei que você vive muito feliz e evoluído. A morte é apenas a passagem de um mundo para o outro e um dia nossos mundos se juntarão. Enquanto isso, eu faço o meu melhor, como se você estivesse aqui porque eu sei que é dessa forma que você queria que as coisas acontecessem. Te amo para sempre!”

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