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Orgulho ancestral, aprendizado e dor: como é ser uma mãe negra no Brasil

Mães dividem experiências e mostram que, apesar da visibilidade da discussão racial, a maternidade negra ainda enfrenta muitos desafios extras no país.

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 7 Maio 2020, 19h07 - Publicado em 19 nov 2019, 20h25
 (Renata Santos/Reprodução)
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As diferenças entre ser uma mãe negra e uma mãe branca no país começam assim que o teste de gravidez dá positivo. O primeiro grupo é, por exemplo, mais vítima de violência obstétrica e de mortalidade materna, têm menos acesso ao pré-natal adequado e é privado de direitos básicos, como ficar com um acompanhante durante o parto.

Depois que o filho nasce, corre também mais risco de morrer nos primeiros cinco anos de vida e mais tarde, adolescente, vítima da violência urbana. Cerca de 77% dos 30 mil jovens assassinados ao ano no Brasil são negros, de acordo com o último Mapa da Violência.

As disparidades estatísticas entre raças são, contudo, só uma das facetas da experiência de ser uma mãe negra no país. Para falar sobre o assunto, convidamos duas mulheres com histórias de vida diferentes a darem seus depoimentos ao Bebê.com.br. Leia abaixo na íntegra.

“Me preocupo pela segurança e pela falta de acesso à educação deles”

Catarina Mendes, 30 anos, assistente de recebimento, de Mauá/SP. Mãe de Zion e Lua, com 7 e 4 anos respectivamente.

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(Reprodução/Arquivo Pessoal)

“O racismo já afetou minha experiência como mãe e mulher diversas vezes. Meus filhos são mais claros que eu, então já ouvi coisas do tipo: ‘o pai é branco, né? Porque o cabelo do seu filho é tão bom!’ ou ‘nossa, o cabelo ruim saiu bem na menina’.

Além da questão estética, sinto sou invisibilizada a todo momento, principalmente na luta pela educação dos nossos filhos. Exercemos jornadas exaustivas, eu trabalho 10 horas por dia, fico 13 fora de casa, o que dificulta muito o acesso aos poucos serviços sociais que temos numa região periférica.

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Essa questão me afeta bastante, porque o mais importante para mim é a educação deles, ainda mais porque estão na fase da alfabetização. Você vê que está à deriva, numa situação bem diferente daquela que gostaria de oferecer aos filhos. Acho que mães negras com uma posição social mais confortável sofrem de outras maneiras, mas para as mães pobres, essa questão do acesso é gritante e muito triste.

Agora, que eles estão ficando mais velhos, tenho me preocupado com a segurança e a marginalização deles, o rótulo, diferenciações na sala de aula, coisas que nunca pensei antes.

Fazendo diferente

Vim de um lar onde minha vó é negra, mas repercute falas racistas, e sempre fui muito criticada pelo meu cabelo. O primeiro salário que ganhei na vida fui para o salão alisar o cabelo, eu odiava meu nariz, que diziam que era de macaco.

A visão de hoje é diferente, mas esse tipo de pensamento ainda existe, e é transmitido para as crianças. A Lua, por exemplo, tem isso de às vezes falar ‘queria que meu cabelo fosse bom’, e eu sempre faço questão de lembrar que o cabelo dela é lindo. Tento sempre exaltar os poucos traços negros que eles trouxeram.

Em casa, falamos de racismo de uma maneira sempre leve, tento criá-los sem preconceitos e rótulos, mas sem dar muita ênfase ao assunto para que eles não normalizem a situação ou a valorizem demais. Tento ensinar o melhor para eles, mas você se questiona muito com tantas interferências externas na criação”.

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“Você cria os filhos para o mundo, mas é cruel saber que o mundo pode agredir seu filho por conta da cor da pele dele”

Mayara Assunção, 31 anos, servidora pública da Secretaria de Educação de São Paulo e estudante de ciências sociais. Mãe de Adriano, 4 anos.

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(Renata Santos/Reprodução)

“Acho difícil me definir pois nós, enquanto mães negras, nunca somos uma coisa só. Mães, estudantes, trabalhadoras, filhas. Estou o tempo todo ocupada com algo, e participo de dois projetos e espaços que fortalecem a comunidade negra em São Paulo, o bloco Zumbido e o Kilûmbu Òkòtó, uma escola focada na dinâmica racial para formar homens, mulheres e crianças negras.

Como mãe do Adriano, percebo desde a mais tenra idade dele como o racismo tenta nos desestruturar e nos invalidar. Por exemplo, as pesquisa mostram que, nos berçários e creches, a criança negra é a que menos é pegada no colo, acarinhada, que não tem seu cabelo penteado.

Além disso, o pai dele é um imigrante angolano, então temos que lidar também com a xenofobia pois, diferente dos imigrantes europeus, brancos dos olhos claros, os imigrantes africanos não são bem-vindos aqui, e estão sujeitos à violências verbais e físicas na rua.

Como qualquer outra mãe e criança

O Adriano está comigo nos lugares que frequento que fortalecem a comunidade negra e discutem questões de racismo. Além disso, converso pontualmente com ele quando somos expostos a alguma violência, mas ao mesmo tempo sabemos que o racismo é um lugar de dor.

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Ninguém gosta de falar de algo que te diminui, e causa sofrimento, não é um local confortável para que crianças negras estejam. É necessário que a gente vá além disso. Elas brincam, tem curiosidades e desafios como qualquer outra crianças. Assim como mães negras, que têm as preocupações da mãe branca, mas outras adicionais pela cor da pele.

O valor da estética

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(Arquivo pessoal/Reprodução)

É importante que as famílias negras plantem elos de afetividade na criança, para além do local de dor. Por exemplo, com o Adriano uso elementos da nossa ancestralidade, a dança afrobrasileira, os tambores. Estamos falando de uma sociedade que nos privou de tudo isso, e tento revisitar esse território com ele.

Outro ponto é o poder da questão estética. Eu sou careca, o Adriano tem black power, o que foge à curva porque, durante muitos anos, o padrão de corte ‘arrumado’ do homem negro era o cabelo raspado. Um dia uma tia da escolinha disse para ele que ele precisava cortar o cabelo para ficar bonito, eu mandei três páginas no diário e fui à escola conversar.

Quando você fala para uma criança negra que, para ser bonita, ela precisa mudar o cabelo, está forçando ela a ser algo que não é.

Superando o medo em comunidade

A pior dificuldade de criar um filho negro no país é saber que ele não terá o mesmo tratamento que uma criança branca e vencer o medo que ronda a gente o tempo inteiro. Saber que vão olhar diferente pro seu filho na escola, que ele terá mais chance de morrer ainda jovem, é cruel.

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Mas, ao mesmo tempo, ter filhos negros é uma oportunidade, e nossas raízes nos preparam para responder ao racismo. Para isso também temos o apoio da comunidade. Creio que esse é o maior aprendizado que a maternidade, fortalecer nossa rede e frequentar espaços que favoreçam esse resgate cultural e a deseducação dos nossos corpos, não mais dóceis e domesticados, mas resistentes”.

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(Zumbido/Arquivo Pessoal)
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