“Os avós estragam os netos”. “Na casa da vó pode”. Quem nunca ouviu uma afirmação do tipo que atire a primeira pedra. As frases podem até ser engraçadas, mas o assunto não raro tira os pais do sério. Especialmente hoje, que os avós deixaram de ser uma figura eventual, associada a bolos, carinhos e brincadeiras, e viraram uma espécie de pai ou mãe para muitas famílias.
“O cuidado dos avós é mais leve e deve mesmo envolver o brincar e quebrar as regras, só que hoje eles fazem parte ativa da criação e devem ter em mente que estão também educando as crianças”, explica Mônica Pessanha, psicóloga e professora de psicanálise infantil no Instituto Cinco de Desenvolvimento Humano, em São Paulo.
E isso vai além dos mimos, passa também pelos palpites de como os pequenos devem ser criados. O que fazia sentido na época dos avós hoje deixou de ser regra e isso pode gerar tensão entre a família. “Vivemos um conflito geracional, é natural que a geração atual queira consertar a passada”, opina Renata Bento, psicóloga membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise, do Rio de Janeiro.
A saída é o equilíbrio, mas alcançá-lo nem sempre é tão simples quanto dizer isso.
A avó ajuda, mas…
Quando o pequeno Otto nasceu, há quatro meses, a jornalista Paula Maciulevicius, de 28 anos, teve depressão pós-parto. Mãe de primeira viagem, ela contou com a ajuda da própria mãe, Elisabeth, para cuidar do primogênito e da casa na rotina exaustiva com o recém-nascido.
“Foi muito importante o papel que ela cumpriu, mas quando me restabeleci, percebi que o que eu falava não era respeitado na minha própria casa”, relembra. Assim, os métodos de cuidado viraram tema constante de discussão. “Ela queria dar chás para cólica, mas hoje o pediatra não recomenda, achava que o Otto estava sempre com frio e por aí vai”, conta.
O assunto foi levado à terapia e houve até um momento de ruptura entre as duas. Mas, aos poucos, um campo de harmonia está sendo construído. “Sei que ela não faz por mal, mas sim porque seus métodos já deram certo com ela, que tem duas filhas criadas”, aponta a nova mãe.
Hoje Elisabeth participa, mas com alguns limites acordados entre as duas. E Paula aceita a ajuda que tem da mãe, exercitando a compreensão e a gratidão. “Ela vai fazer o que ela quer mesmo, diferente de uma babá, não tem jeito. Mas, por outro lado, eu posso chamar a hora que for que ela vai me ajudar”, finaliza.
A voz da experiência
Elisabete Junqueira, 60, que já tem seis netos e até mantém um blog sobre a vida de avós com o marido, o Avosidade, hoje tem uma visão bem estabelecida sobre os possíveis conflitos. “Você é um coadjuvante da história, já teve sua vez e agora é a hora dos seus filhos serem protagonistas e responsáveis”, ressalta.
O que não quer dizer que ela não dê palpite. “Quando eu vejo algo que merece uma conversa, sento e converso com tranquilidade, em um local reservado”, conta. E, apesar de aprender com os costumes atuais, é procurada para conselhos. “Coisa que faço de forma cuidadosa”, complementa.
Tudo isso sem abrir mão das vivências especiais de avó. “A criança tem com cada indivíduo uma relação única. Eu sigo as instruções gerais, mas dou banho do jeito que sei, as papinhas que sei, brinco e canto do jeito que conheço”, afirma. Para Elisabete, trata-se de uma questão não só natural, mas de respeito pelos pais, especialmente pela mãe.
“A maternidade hoje em dia é postergada, vem cheia de expectativas, scripts, informações e a mulher fica refém daquilo tudo”, comenta. “Eu não serei mais um juiz dentro dos tantos que ela já tem em torno de si”, declara.
Algumas regras podem ser quebradas, outras não
Mimos e palpites sempre terão seu espaço na relação entre pais e avós. “O benefício do carinho e da experiência deles é imenso, representa um lugar afetivo, de aconchego, mas existe uma linha tênue entre o amor e a permissividade”, aponta Livia Marques, psicóloga diretora da empresa Psigente, no Rio de Janeiro.
Apesar da ajuda, a responsabilidade e a autoridade é dos mais jovens neste contexto. “Os avós são parceiros especiais, mas a decisão final deve ser dos pais”, comenta Mônica. O principal problema desta proximidade sutil entre apoiar e controlar é o conflito causado entre as gerações e, para os pequenos, o “pode” ou “não pode” que muda constantemente.
“É perigoso porque a criança deve ter um comportamento constante e não só obedecer determinadas regras na frente dos pais”, ensina Livia. Por isso, mesmo que os avós não concordem sobre um tema, o ideal é falar sobre o assunto longe dos pequenos. Mas há, com certeza, lugar para a flexibilidade proporcionada pela experiência.
“Quando você faz algo pela quarta, quinta vez, está melhor nisso – e com as crianças é a mesma coisa”, explica Elisabete. “Então, se elas recusam o alimento ou demoram mais para dormir, nós conseguimos negociar para contornar a situação, mas sempre tomando cuidado para não quebrar regras inegociáveis”, completa a avó.
Ponto de equilíbrio
O diálogo é simples na teoria, mas, na prática, precisa de empenho para funcionar e de carinho, amor e empatia mútuos. A ideia é encontrar um meio termo que atenda as duas partes e definir bem os papéis de ambos. “Os pais devem ter compaixão com os avós, que podem sofrer mais nesse processo”, comenta Mônica.
Os avós, por sua vez, precisam ceder de sua autoridade e evitar comentários em tom de crítica, especialmente comparando a experiência atual com a deles, dizendo que não tinham problemas para fazer o bebê dormir e coisas do tipo. Devem, sobretudo, aceitar que os filhos já estão prontos para criar os próprios filhos.
Tomar decisões e administrar a nova rotina são, aliás, partes importantes do amadurecimento de todas as gerações. “Superar desafios é necessário para evoluir e é a coisa mais bonita da vida. E o cuidar da maternidade ou paternidade é um desafio que exige entrega máxima, envolve erros e acertos a partir das próprias experiências”, diz Mônica.
Está aí uma mensagem importante para o avô ou avó, que cuida duas vezes – dos filhos e dos netos – e de mais quantas gerações vierem pela frente.