Piangers: “A pior coisa é o pai se abster do cuidado com o bebê”
Em entrevista exclusiva, o autor do best-seller "O Papai É Pop" falou sobre as questões que os homens enfrentam com o nascimento dos filhos.
A chegada de uma criança muda muita coisa na vida da família. O medo do parto, a preocupação com a amamentação e a melancolia que aparece nos primeiros dias de vida do bebê são alguns dos conflitos que mães encaram. Mas pouco se fala sobre as dificuldades que os pais vivenciam nesse período que, apesar de trazer felicidade, também vem acompanhado de incertezas.
E são essas questões que o jornalista Marcos Piangers vem abordando em palestras, textos e vídeos divulgados na internet e também no livro O Papai É Pop, publicado em 2015. Pai de Anita, de 12 anos, e Aurora, de 5, ele conversou com o Bebê.com.br para falar sobre os receios que os homens enfrentam com a chegada dos filhos e como eles podem se preparar para reforçar esse o vínculo ainda na gestação. Confira a seguir:
Quais são os conflitos que os pais de primeira viagem vivenciam?
Marcos Piangers (M.P.): São questões parecidas com as das mães, mas a gente não passa por metade dos conflitos que elas enfrentam. Se você parar para pensar, as mulheres têm um parto violento relacionado à fisiologia, tem a mudança do corpo, da vida social, a relação com outras pessoas e as amigas que, muitas vezes, não estão grávidas no mesmo período – aí bate a solidão. Também tem um impacto muito grande profissional: a mãe passa pelo desafio de ficar insegura na profissão que está, ou de não ser contratada se estiver participando de um processo seletivo (isso aconteceu com a minha esposa e eu precisei de um tempo para entender essa dificuldade que as mulheres passam e os homens simplesmente não enxergam). Mas o lado do pai, acho que o maior conflito é relacionado com a prisão que a gente acha entra por causa de uma criação social. Desde pequenos, aprendemos que homem não pode chorar, não pode dizer ‘eu te amo’, tem que guardar os seus sentimentos, ser melhor do que todo mundo. Quando nasce o seu filho, você também se coloca em posições de vulnerabilidade – sejam elas profissionais, porque talvez você queira ficar mais tempo com ele do que 5 dias habituais da licença-paternidade -, sociais – do relacionamento com os amigos – e ainda do despreparo masculino para esses primeiros dias. Mas acho que a pior coisa que pode acontecer é o homem simplesmente se abster dessa prática, do cuidado com o bebê e passar tudo para a esposa, presumindo que ela está mais preparada e não vivenciar os momentos mais difíceis – que também são os mais importantes no relacionamento entre pai e filho.
As mulheres se planejam para a maternidade de várias formas: indo ao médico, conversando com as amigas, tirando dúvidas com especialistas. E os pais? Como eles podem se preparar?
M.P.: Infelizmente, o assunto paternidade não é muito comum nas rodas de homens. Eu acho que poderia ser mais frequente e também ter grupos de apoio. Acredito que os pais podem se preparar perguntando e tentando participar de tudo o que a mulher está vivendo – as conversas que ela tem com as amigas, as consultas do pré-natal… Todas essas possibilidades que permitem que ele esteja um pouco mais perto da gravidez. Alguns homens também leem livros nesse período, mas acho que nada os prepara mais do que a prática, do que realmente colocar a mão na massa para aprender e, sensivelmente, perceber os sinais que o filho passa, até para ser uma pessoa melhor para aquela figurinha que está crescendo.
Alguns pais dizem que sentem dificuldade de criar um laço com o bebê enquanto ele ainda está na barriga da mãe. Como eles podem se aproximar e reforçar esse vínculo?
M.P.: O homem acaba percebendo essa distância fisiológica e isso é natural. Mas é muito importante nos nove meses – da mesma forma que a mãe se prepara para a chegada do bebê, mudando um pouco a sua rotina -, que ele também também participe e tenha a percepção de que não precisa trabalhar mais para comprar um carro novo, um apartamento maior, pagar a melhor creche da cidade, fazer hora extra. Ele precisa estar perto da esposa na gravidez. E quando o bebê nascer, ficar próximo dele, vivenciando as fases mais difíceis, aqueles primeiros meses que são realmente desafiadores. É muito importante que o homem esteja lá. É bom para a mulher, para que ela tenha mais segurança, tranquilidade e liberdade. Necessário para a criança criar vínculos afetivos nesse momento tão especial – o contato pele a pele, a hora do banho, o relacionamento que começa nos primeiros dias de vida. E é importante para o pai, para que ele se prepare para se desconstruir e entender que pode, sim, chorar, se emocionar, ser sensível e participar da maior experiência humana que é ter essa relação com o filho. Mesmo que ela seja desafiadora, difícil e complicada, ele vai saber que está criando vínculo, uma base para o relacionamento que vai ter com a criança nos anos futuros.
Existem pais que reclamam que as mulheres se queixam que eles não participam ativamente da criação dos filhos, mas, ao mesmo tempo, que elas não dão espaço para que eles assumam dos cuidados. Isso realmente acontece?
M.P.: Sim. Mas é perfeitamente entendível que a mulher não permita que o homem entre na relação com a criança por uma única razão: a pressão social na vida dela é tão grande que ela acredita que é menos mãe quando passa a bola para o marido. A mulher se sente cobrada quando permite que ele cuide da criança, troque a fralda, passe um final de semana inteiro sozinho com ela. Quando a mãe faz isso, mesmo as amigas dela a cobram e dizem: ‘eu não acredito que você deixou o filho só com o seu marido! Como você é corajosa’. Consideram esse tipo de atitude uma exceção porque a presença do homem no ambiente familiar ainda não foi naturalizada. Por isso, é muito importante que as mulheres mudem o discurso, que seja comum o pai ir ao pediatra, participar da escola, trocar a fralda no fraldário familiar, tirar férias para ficar só com a criança para que a mulher possa voltar ao mercado de trabalho. É necessário que tudo isso seja natural, claro, evidente e é a prova de uma sociedade que busca mais igualdade, justiça, liberdade para as mulheres e também para os homens – para que eles possam encontrar a felicidade na família. As mães devem ter menos culpa no coração quando passam a bola para o pai. Às vezes elas ficam preocupadas e falam: ‘ele mandou o bebê para a creche com a meia trocada’. Mas qual é o problema? Ele está aprendendo também e tem que ocupar esse espaço que, tradicionalmente, não é dele.
Você teve um pai ausente e passou grande parte da vida com a sua mãe. Essa experiência interferiu muito quando você teve as suas filhas?
M.P.: Sim e de uma forma muito forte. Acho que sou um pai pior por não ter tido um. Ele ter me abandonado fez com que eu não tivesse um referencial. Acho que os maus exemplos masculinos e a falta de um parâmetro do que é essa figura de verdade é algo que atrapalha e até tira condições para que os homens sejam pais participativos e amorosos. Todas as vezes que tive dúvidas ou que errei na minha paternidade tem a ver com essa falta de referência, de não ter para quem ligar e falar: ‘eu estou inseguro. A minha filha está passando por essa situação, o que eu faço? Será que estou sendo muito duro? Ou muito mole?’. Eu tenho certeza de que seria um pai melhor se o meu pai tivesse sido uma luz para a minha trajetória. É claro que o que me ensinou foi o dia a dia, mas também a cobrança da minha esposa para que eu fosse mais participativo e das minhas filhas, que começaram a perceber algumas inseguranças e alguns deslizes meus. Tudo isso foi me ajudando a me desconstruir como homem para me reconstruir como uma nova pessoa. Hoje sou mais sensível, atento ao que minha família pede e humilde para me transformar.