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Filho único é mais solitário do que o que tem irmão?

Sentir-se sozinho é algo complexo e tem muito mais relação com o ambiente e os tipos de vínculos que são estabelecidos no início da vida do pequeno.

Por Flávia Antunes
Atualizado em 30 jul 2020, 16h36 - Publicado em 30 jul 2020, 16h25
Criança pequena lendo livro sozinha deitada de barriga no chão. É um menino usando calça jeans e camiseta amarela, tem os cabelos pretos, curtos e crespos. Ao lado dele, há um cachorro de pelúcia sentado.
 (fizkes/Getty Images)
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“Coitado, ele não vai ter com quem brincar!” “Quando vem o segundo bebê?”. A jornalista norte-americana Laura Sandler é filha única e mãe de uma criança e, depois de ouvir muitos palpites sobre como deveria ser sua constituição familiar – a maioria deles sugerindo que ela engravidasse novamente – decidiu escrever o livro “Primeiro e Único”, desmistificando várias das questões sobre ter apenas um filho.

E o caso de Laura não é isolado. O último relatório divulgado pelo UNFPA (Fundo de Populações das Nações Unidas) registrou uma queda acentuada na taxa de fecundidade nos EUA, com uma média de 1,9 filhos por mulher. Isso é reflexo de alguns fatores regionais, como maior escolaridade e maior atenção aos direitos das mulheres, o que aumenta também o poder de escolha sobre sua própria fecundidade.

No Brasil, a situação não é muito diferente dos EUA, com 1,7 filhos por mulher. Mais famílias estão optando por ter apenas um filho e em algum momento, devem estar ouvindo estes “pitacos clássicos” sobre a criação da criança.

Dentre as muitas crenças que rodeiam o assunto, uma delas fica mais evidente no período de isolamento social em que vivemos: a de que o pequeno que não tem irmãos pode se sentir mais solitário. Afinal, ficando em casa por conta da pandemia do novo coronavírus, ele não possui uma companhia para brincar ou interagir além dos adultos – que, trabalhando em home office, já não estão tão disponíveis quanto antes.

Na realidade, como pontua Maria Thereza França, psiquiatra e psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, esta é uma questão que merece ser revista e que não permite generalizações. “Precisamos avaliar uma série de variáveis, como o motivo pelo qual os pais só tiveram um filho e, principalmente, como eles agem para fortalecer os vínculos com a criança”, afirma.

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“Sentir solidão tem muito mais a ver com a relação que temos com nós mesmos. De termos desenvolvido e registrado boas relações no âmbito psíquico. Assim, conseguimos – mesmo quando sozinhos – nos sentir acompanhados de nós mesmos e seguros”, explica ela. A psicanalista conclui que o sentimento de solidão é muito mais complexo do que a simples presença concreta de um irmão.

Outro mito que merece ser desvendado é de que, por não ter um convívio maior com outra criança dentro de casa, o pequeno terá prejuízos em seu desenvolvimento. “Independente de ser filho único ou não, precisamos entender que o desenvolvimento emocional e cognitivo da criança está associado aos estímulos e, até pelo menos os quatro anos de idade, quem mais a estimula não são outras crianças, mas sim o pai e mãe – ou alguém com quem ela tem um vínculo forte de apego e de segurança”, esclarece Ana Flávia Fernandes, psicóloga infantil e educadora parental em Disciplina Positiva.

Como contribuir para que a criança não se sinta sozinha?

Antes de tudo, vale ressaltar: como seres humanos, é natural que em alguns momentos tenhamos sentimentos de solidão ou de isolamento (e isto nenhum adulto, por mais empenhado na criação de seu filho que seja ele, será capaz de evitar). O que está ao nosso alcance e que podemos fazer é proporcionar bases seguras, que ao mesmo tempo incentivem a autonomia do pequeno.

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“Se a criança construir uma relação forte com o adulto nos primeiros anos de vida, ela dificilmente terá essa sensação de solidão – sendo filho único ou não”, pontua Flávia. Segundo ela, este vínculo serve como base para a estrutura cognitiva e relacional, evitando que a criança tenha algum tipo de prejuízo emocional e que desenvolva crenças deturpadas em relação à sua autoimagem e autoestima – que a façam pensar, por exemplo, que é menos amada por não ter irmãos.

A psicóloga não deixa de reforçar o papel que o ambiente possui na construção do imaginário infantil. Isto significa que algumas falas e comportamentos dentro e fora das relações familiares podem até parecer inocentes, mas servem para potencializar a sensação de que o pequeno está sozinho. Afinal, quem nunca ouviu frases como “ele precisa de um cachorro para se distrair” ou “ele precisa de um irmão, se não vai ficar mimado”?

“É muito mais uma convenção cultural”, diz a educadora parental. Crenças como estas são construídas socialmente e mesmo a criança com vários irmãos pode se sentir solitária, por ter a atenção dos pais dividida com mais pessoas.

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O filho único é mais mimado?

Mesmo com experiências cotidianas que nos mostram o contrário, muitas pessoas ainda têm a convicção de que a criança sem irmãos é mais mimada. Por isso, mais uma vez Maria Thereza reforça: tudo depende das circunstâncias e de como será o desenvolvimento da criança.

“O mimo tem muito mais a ver com uma dificuldade dos pais de ajudarem as crianças a lidarem melhor com a realidade, principalmente quando a realidade não é do agrado do filho”, relata. “O mimo é justamente isto: superproteger, não ajudar a lidar com a frustração, achar que a criança tem que ser sempre atendida e não conseguir impor limites”, acrescenta.

Neste sentido, os pais precisam ter o cuidado de mostrar para o filho qual é o seu lugar dentro do círculo familiar e que nem sempre estará incluso em todas as relações.

Como incentivar a autonomia da criança?

A independência deve sim ser estimulada, mas sempre respeitando a faixa etária e possibilidades da criança. “Quando ela é menor, o processo é um pouco mais desafiador, porque não têm maturidade neurológica para brincar sozinha por muito tempo”, diz Flávia.

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Neste caso, a dica da psicóloga é que os adultos observem quais atividades despertam o interesse dos filhos e apostem nelas. “Explorem essas brincadeiras para que eles consigam mais tempo sozinhos, mas sempre com supervisão”, recomenda. Deixar que a criança escolha o que vai comer ou que livrinho vai ler antes de dormir são alguns detalhes que ajudam a fortalecer a autonomia e, mais para frente, ela se sentirá confiante para fazer outras coisas sozinha. 

“É fundamental encorajar a autonomia observando o interesse da criança, para mostrar que ela está sendo respeitada na identidade dela”, conclui a educadora parental.

 

Brincar com outras crianças substitui o convívio com um irmão?

Ok, meu filho brinca com os primos e com os coleguinhas de sala, mas isto é suficiente? Claro que são relações diferentes, mas as especialistas concordam que ambas possuem seus benefícios – e que aquilo que não se aprende com um irmão, pode ser adquirido pela criança de outras formas.

“Com o irmão, há uma relação mais afetiva por conta da frequência e da intensidade do convívio. Através deste vínculo, a criança aprende a construir outras relações de amizade”, afirma Flávia. A psicanalista complementa dizendo que o cotidiano com o irmão ensina o pequeno a dividir – desde os brinquedos até a atenção dos pais – e a conviver socialmente. 

Mas na interação com o grupo, mesmo que mais esporádica, a criança também consegue retirar estes aprendizados. “Quando ela não tem irmãos, também pode aprender a lidar com os outros com carinho, gentileza e empatia a partir da mediação dos adultos. É a principal ferramenta de desenvolvimento”, pontua a psicóloga.

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