Sentir medo é natural e saudável. “Sua função é proteger e dar limite”, explica a psicóloga clínica Elza Tamas, de São Paulo. Mas, quando paralisa e é cultivado, pode levar a fobias e crises de pânico. Na infância, quando o desconhecido mistura-se à fantasia, é muito comum que a criança tenha uma série de medinhos que podem – e devem – ser controlados.
Um dos mais comuns nessa fase da vida, especialmente entre os três e oito anos de idade, é o medo do escuro. “Uma simples sombra pode se transformar em algo assustador, porque, no escuro, a imaginação vai longe”, explica a psicóloga clínica Adriana Takahashi, também da capital paulista.
Para ajudar o pequeno a superar seus temores, os pais podem deixar a luz do corredor ou do banheiro acesa e a porta do quarto entreaberta. Outra solução é instalar pequenas luminárias de tomada, em formatos divertidos de estrelas, flores e animais, com lâmpadas coloridas. Elza sugere brincadeiras no escuro, para desmistificar qualquer receio.Uma dica é acender a luz, de repente, mostrando que vocês podem ser mais rápidos do que o escuro.
“Empregar recursos de desenhos animados também funciona, como simular um ataque ao monstro escondido nas sombras e esmagá-lo. É importante entrar na fantasia da criança, utilizar a mesma linguagem dela”, ensina a psicóloga. Ou seja, se seu filho afirmar que viu algo no escuro, você pode dar corda, perguntar como era, o que fez e questionar: ‘será que está lá ainda, vamos ver?’ “Dessa forma, você mergulha no mundo da imaginação e, depois, ajuda o pequeno a sair. Sem deboche e sem ficar repetindo que é bobagem da cabeça dele”, diz a psicoterapeuta especialista em neurolinguística Amélia Nascimento, de São Paulo.
Injeção sem trauma
Dói, é chato e ninguém gosta, mas, às vezes, é necessário tomar injeção. E criança, geralmente, se apavora ao ver uma seringa, com aquela agulha ameaçadora. Este tipo de medo pode ser decorrente de ameaças do tipo: “Se você não se comportar, vamos ao médico para que ele receite uma injeção”. Ou pode advir da insegurança dos pais, que também tremem nas bases na hora de levar uma picada. “A criança sente a apreensão deles e fica apavorada”, diz Adriana.
A dica para que o pequeno encare a vacina ou a injeção sem grandes traumas, é contar a ele sobre o procedimento no mesmo dia. Nunca converse com antecedência, pois como a criança não tem noção de tempo, ficará ansiosa. Também não é recomendado enganá-la, porque quando pega de surpresa, o escândalo é certo. “Se os pais disserem a verdade – que vai doer um pouco, mas passará logo – o pequeno ficará apreensivo, mas o choro terá duração menor e a situação fluirá de maneira controlada”, diz Adriana.
O bom e velho diálogo
Sentar e conversar é a receita que sempre dá certo, em vários momentos da vida. Quando se trata do medo do seu filho, não é diferente. “O temor pode ser sintoma de uma angústia que a criança não consegue classificar, ou de uma dificuldade que não sabe resolver sozinha. Falar sobre o problema ajuda em sua compreensão e superação”, diz Elza.
Para Adriana, o diálogo é importante também para os pais perceberem o que está acontecendo com a criança e observarem se o medo aumenta ou diminui com o passar do tempo. “O objetivo da conversa é, entre outros, identificar a origem do receio. Não adianta ficar falando que monstros não existem, ou que é tudo imaginação. Para a criança, a situação é real e assustadora.” Isso inclui os sonhos. Se seu filho não quiser dormir, com medo de sonhar ou acordar no meio da noite, apavorado com as imagens do seu inconsciente, Amelia sugere explicar que o sonho só acontece dentro da nossa cabeça, são apenas cenas, como em um filme.
Respeito e compreensão
Nem pense em ridicularizar a criança pelo medo que sente. “Os pais precisam ser compreensivos e devem proporcionar um ambiente acolhedor, para que o filho se sinta seguro e confiante. Só assim ela terá recursos para enfrentar seus medos ou torná-los menos aterrorizantes”, explica Adriana.
Ameaçar o pequeno, dizendo que vai entregá-lo ao guarda ou ao bicho-papão, só traz prejuízos. “São tentativas de manter o controle da criança, com base no medo, e não impõem respeito, como muita gente pensa”, afirma Elza.
Por outro lado, jogar um tomate de um andar alto de um prédio para mostrar, ao pequeno, como ele fica ao cair, é uma maneira de alertá-lo e garantir sua segurança.
As mentiras também merecem destaque nessa discussão. Muitos pais negam a realidade, na tentativa de proteger o filho. “É importante que a criança saiba que existe morte, assalto e pessoas que podem lhe fazer mal. Só assim elas aprendem a se proteger”, explica Amélia. Isso não quer dizer que precisamos contar tudo. Quando ela perguntar se você, ela ou a vovó vão morrer, por exemplo, você pode dizer que sim, mas que vai demorar muuuuito tempo. “E se ela teme um acidente de carro ou de avião, você pode falar que essas tragédias realmente acontecem, mas com poucas pessoas. E que a maioria, como ela, está protegida. Você não mente, nem a deixa insegura”, exemplifica a especialista.
Fobias e pânico
O medo faz parte do desenvolvimento humano e serve como recurso de defesa e proteção. Em uma situação de perigo, nosso instinto de conservação vem à tona e tentamos nos manter longe da ameaça. Mas, em excesso e sem tratamento adequado, o temor pode se tornar patológico, transformando-se em fobias ou transtorno do pânico, distúrbios que impedem a pessoa de viver plenamente seu dia a dia.
Se o medo persistir e se intensificar por muito tempo, pode ser, sim, indício de algo mais sério. Nesse caso, é preciso buscar ajuda profissional de um psicólogo ou psiquiatra.
Portanto, é preciso muito cuidado ao passar informações para a criança. “Ela se baseia no que vê e vivencia. Conversas, gestos e expressões dos pais servem de modelos. Se a mãe, por exemplo, teme que algo terrível aconteça, a criança percebe sua insegurança e passa a sentir o mesmo medo”, explica Adriana. Amelia concorda: “Os pais precisam relaxar e evitar transmitir tensão aos filhos. Prestar atenção no tom de voz que usam também é essencial.”
Crescer amedrontado não é bom para nenhuma criança. É fundamental ensiná-la a se proteger dos perigos básicos, como prestar atenção ao atravessar a rua, não ficar perto de janelas em locais altos, manter-se longe do fogo, não aceitar presentes de estranhos, nem se afastar dos pais em lugares públicos. Esses alertas são necessários e não se comparam aos temores que muitos pais incutem na cabeça dos filhos. “Os adultos vivem sob tensão. Se nós nos sentimos impotentes diante dos perigos, imagine a criança. Por isso acho bom evitar televisão. A criança não deve ser exposta a imagens aterrorizantes”, diz Elza.
Os programas de adultos, como novelas, telejornais, reality shows e filmes de terror não devem fazer parte da programação infantil antes dos doze anos. “Até essa idade, a criança percebe tudo que vê como real, não é capaz de entender metáforas nem ironias. Só a partir dali é que começa a desenvolver o pensamento abstrato, que possibilita diferenciar o real do ilusório”, explica Adriana.