A pandemia de Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, mudou a rotina de milhões de famílias. Porém, mesmo com a suspensão de aulas e possíveis prejuízos financeiros por conta da quarentena, a recomendação dos especialistas é não trancar a matrícula da escolinha ou creche nem deixar de pagar a mensalidade.
No caso de escolas de ensino fundamental, a situação é um pouco mais clara, porque elas estão investindo no ensino à distância. Agora, e no caso das escolinhas infantis e creches, em que essa possibilidade não existe?
“As mensalidades devem continuar a ser pagas normalmente, porque trata-se de uma situação de força maior, que não é nem culpa da instituição de ensino nem dos alunos”, afirma o diretor executivo do Procon-SP, Fernando Capez.
Isso porque os pagamentos mensais são parcelas de um contrato fixado anualmente, e a escola seguirá tendo seus custos normais de aluguel e pagamento de funcionários. “É preciso levar em conta que, ao deixar de pagar, outras pessoas podem perder seus empregos ou terem salários reduzidos”, comenta Cátia Vita, advogada especialista em direito do consumidor do Rio de Janeiro.
Trata-se de uma situação muito incomum, para a qual ainda não existe legislação específica, o que pede jogo de cintura tanto da escola quanto da família. “Não estamos trabalhando com uma mera questão mercadológica, mas um cenário que exige solidariedade e fraternidade, onde ninguém deve querer levar vantagem”, aponta Armando Rovai, professor de direito do consumidor da Universidade Mackenzie, em São Paulo.
Existem projetos de lei tentando criar subsídios para decisões sobre o tema, mas, até agora, a única mudança legal foi que o ano letivo de 200 dias deixou de ser obrigatório em 2020. Antes, todas as escolas deveriam fornecer no mínimo essa quantidade de dias de aula.
Não tenho dinheiro para pagar a mensalidade, e agora?
Se a família realmente foi prejudicada financeiramente com a quarentena e teve sua renda reduzida, aí vale conversar com a escola e pensar em mecanismos como postergar o pagamento, parcelar as mensalidades e até suspender temporariamente. Cada situação deve ser avaliada individualmente.
Caso isso aconteça, a recomendação é não deixar de pagar apenas. “Isso pode implicar, mais tarde, em uma ação judicial da escola cobrando a dívida”, destaca Cátia. “O ideal, nesse caso, é comunicar por e-mail a escola de que não conseguirá pagar e explicar o motivo. Assim, a pessoa tem uma prova de sua boa fé caso a situação chegue na justiça”, completa a advogada.
Aqui, vale o bom senso das escolas. “Elas deveriam ter a obrigação de reconhecer e compreender situações de vulnerabilidade”, pontua Juliana Moya, do departamento de relações institucionais da Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor.
Devo trancar ou cancelar a matrícula?
Não é recomendado. No caso do cancelamento, há multa, que pode ter um valor alto, e depois pode haver dificuldade de matricular a criança novamente no meio do ano letivo quando a pandemia acabar. “E, ao efetuar o trancamento da matrícula, há a possibilidade de o aluno não conseguir voltar depois, pois a vaga fica disponível para outro”, destaca Juliana.
É diferente para escolinhas e creches que são pagas por dia ou hora. “Nessa situação, vale a pena suspender o pagamento ou solicitar reembolso, pois os pais pagam somente pelo tempo que usam”, completa Juliana.
Quando pedir desconto ou reembolso?
Em algumas situações, é possível pedir desconto. A contratação de alimentação e atividades extracurriculares, como aulas de esportes, geralmente é feita separadamente. E como elas estão provavelmente suspensas também, aí pode ser o caso de pedir o abatimento no valor mensal.
“Mas as escolas podem já ter pago esses custos antes da quarentena começar. Nessa situação, uma saída poderia ser os pais ficarem com o crédito para os próximos meses ou obterem descontos em atividades futuras”, fala Juliana.
Como esse tipo de decisão envolve todos os alunos, vale conversar com outros pais e até criar um coletivo para as negociações com a escola.
A posição das escolas
Algumas estão antecipando as férias para não prejudicar a grade do ano letivo, mas isso ainda não é regra. Conversamos com algumas escolas para entender a questão financeira sob o ponto de vista delas.
“Entendemos que a mensalidade deve ser paga normalmente, pois o colégio não teve seu custo reduzido por estar nesse caráter excepcional. Colaboradores e professores seguem recebendo seus salários integralmente, e estão sendo feitos investimento em tecnologia para atender as famílias”, comenta Karla Vignoli Viegas Barreira, Diretora do Colégio Arnaldo, localizado em Belo Horizonte, que oferece educação infantil.
Marizane Piergentile, pedagoga e diretora da Rede Adventista da região do ABC e Baixada Santista, informa que a rede de ensino está com plantão de dúvidas para orientação dos pais em questões pedagógicas, e adotou ferramentas para enviar atividades às crianças, mas ainda estuda as medidas a serem tomadas quanto ao aspecto financeiro.
Na escola Bee Kids, que possui berçário e educação infantil, cada caso está sendo avaliado individualmente e a equipe preparou kits pedagógicos para serem entregues nas casas das famílias. “Estou trabalhando para renegociar valores com todos os nossos fornecedores e assim repassar os descontos que conseguir aos familiares de nossos alunos. Somos parceiros das famílias e entendemos que esta é uma situação que afeta a todos e que não estava no planejamento de ninguém”, comenta Karen Sztokfisz, diretora da escola.
Posicionamentos como esses são fundamentais agora. E é justamente a falta de comunicação que pode motivar reclamações reais dos pais. “Quando a instituição não se manifesta sobre a forma de entregar conteúdo e não apresenta um plano para a crise, aí sim é um motivo para solicitar abatimento de preço ou suspensão de contrato sem multa”, comenta Juliana.
Ainda é cedo, contudo, para tomar decisões mais drásticas, pois a quarentena acabou de começar e não se sabe o curso da pandemia no Brasil. É esperar para ver, com paciência e flexibilidade de todos os lados.