Childfree: vetar crianças em lugares públicos é aceitável?
Saiba o que as mães pensam disso e por que a intolerância aos pequenos vem se naturalizando
As redes sociais funcionam melhor que a memória da maioria das pessoas; uma vez publicada uma foto ou um texto, eles poderão ser relembrados muitas e muitas vezes, sempre despertando reações. É o que está acontecendo nos últimos dias com um post de 28 de março deste ano, feito por um bar de São Paulo no Instagram. A polêmica é em torno do texto que ele traz: “Aqui seu cão é bem vindo!!! Mas crianças favor amarra-las ao poste” (sic).
Por alguma razão, alguém trouxe o post à tona e o assunto voltou a bombar nas timelines e nos grupos de mães do Facebook. Mais do que a postura do bar especificamente, duas questões acabam sendo levantadas ao nos depararmos com algo assim. Em primeiro lugar, é necessário privar famílias de irem a determinados lugares por causa de suas crianças? E, em segundo, como é que se naturalizou essa intolerância a crianças?
Opiniões divididas sobre a proibição de crianças em lugares públicos
Naturalmente, não existe unanimidade nas opiniões. Há quem concorde com a ideia de proibir a presença dos pequenos em ambientes “de adultos” e há quem ache um absurdo. Mesmo entre mães não há unanimidade, como pudemos perceber em nosso Instagram.
“Como assim ser humano que tem preconceito contra o próprio ser humano?! Difícil esse mundo!!! Mas é a exteriorização de um sentimento que sempre existiu”, lamentou Ana. Priscila Tribeck pensa parecido: “Enquanto alguns estabelecimentos têm limitado o acesso infantil, outros têm investido em áreas pet. (…) As crianças devem estar em constante interação com o meio, ou seja, o mundo que as cerca, por isso deve frequentar os mesmos ambientes que os adultos. Aqui a regra é clara: onde nossos filhos não podem ir, não vamos”.
Algumas mães, por outro lado, veem a iniciativa dos estabelecimentos com bons olhos. É o caso de Thais Fernandes. “Eu tenho uma filha, estou grávida do segundo, mas às vezes quero sair sem ouvir gritos e choros de crianças, por isso, voto em ter lugares só para adultos”, escreveu. E também de Andrea Iuliano, que considera importante haver lugares reservados para os pais. “Precisamos descansar, descontrair… Isso não é preconceito e sim um direito, direito do descanso, da liberdade, de namorar, de jantar tranquilo”, opinou.
Tem, ainda, aquelas que lembram que os mais crescidinhos nem sempre são um doce na convivência. “Já jantei em locais onde adultos eram mais incômodos que bebês”, contou Inoã Viana. Júlia Monteiro seguiu esta linha e declarou: “Tem bêbado em bar que faz muito mais alvoroço que criança e ninguém proíbe a galera de beber! Invistam o tempo preparando um espaço kids, e não privando os futuros cidadãos do mundo a sair para jantar com seus pais! Juro que jamais entraria em um restaurante que proíbe a entrada do meu filho, mesmo se estivesse sem ele!”.
A naturalização do veto à presença infantil
O movimento “childfree” (“livre de crianças”, em português) vai além de bares e restaurantes. Atentos a um público que não quer a meninada por perto, muitos hotéis e pousadas do Brasil e do mundo e até companhias aéreas de países como Malásia e Cingapura vetam a presença infantil totalmente ou em partes específicas (algumas delas, por exemplo, não vendem passagens de classe executiva para os baixinhos). Mas por que essa aversão tão grande e tão naturalizada aos pequenos?
“Muitos adultos não conviveram com crianças ou só conviveram com aquelas difíceis e não desenvolveram um mínimo de tolerância, pois acham que todas serão iguais às que conheceram”, afirma a psicóloga Marina Vasconcelos, que é terapeuta de famílias e de casais.
Ela também pontua que a criação de cada pessoa interfere muito na receptividade ao público infantil e na empatia com os pais que possam enfrentar birras dos filhos em um lugar público: “Pessoas que foram muito reprimidas na infância e não tiveram amor, carinho e afeto podem achar que todas as crianças devem receber o mesmo tratamento”.
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A psicóloga clínica Marisa de Abreu observa que as mudanças de prioridades na vida adulta são as grandes responsáveis pela naturalização dessa intolerância a crianças em determinados locais – aquilo de as pessoas não terem nem vergonha de falar que querem distância dos pequenos.
“Ter filhos não é mais uma meta na vida de todas as famílias. Há poucas décadas, o plano era virar adulto, casar e ter filhos. Hoje, as mulheres precisam estudar e se dedicar às suas carreiras. São menos pessoas que vivenciam em casa uma criança correndo e gritando, ou seja, se desenvolvendo de forma saudável”, diz. Resultado: ao verem isso fora de casa, acham anormal e rejeitam. Por encontrarem outras pessoas que pensam de forma semelhante, acabam se fortalecendo para expressar isso publicamente.
Na opinião de Marina, saem perdendo aqueles que não querem os baixinhos ao redor. “Uma pessoa intolerante neste nível aprende menos, deixa de viver coisas novas, que saiam do seu padrão. Não consegue viver com flexibilidade, não consegue ser uma pessoa leve”.
É possível chegar a um meio termo
Ter um bom convívio para os dois lados é possível, desde que se ceda um pouquinho lá e um pouquinho cá. Marisa exemplifica: “Até que as crianças aprendam a não incomodar os outros onde se espera silêncio, os pais podem limitar os passeios a locais em que os filhos possam extravasar suas emoções. Quem está de fora, por sua vez, pode se colocar na pele desses pais e tolerar um pouco de bagunça, para que as crianças se desenvolvam com espontaneidade”.