“Passamos o primeiro ano da vida de uma criança ensinando-a a caminhar, mas o resto de sua vida a se calar e se sentar. Tem alguma coisa errada aí”. Essa frase de impacto foi dita por Neil deGrasse Tyson, um astrofísico americano, e está presente no livro Educar na Curiosidade: A Criança como protagonista da sua Educação, escrito por Catherine L’Ecuyer – uma advogada canadense que atualmente vive em Barcelona e realiza palestras educacionais.
Dedicada para pais e professores, a obra fala sobre a importância da curiosidade na infância, discute o vício das crianças pela tecnologia, chama a atenção para o perigo dos estímulos em excesso e reforça as relações afetivas que os pequenos desenvolvem com os cuidadores. Em entrevista exclusiva ao Bebê.com.br, a autora falou sobre todos esses tópicos. Confira a seguir:
Cada vez mais os pequenos estão dependentes da tecnologia. Quais são as consequências desse hábito?
Catherine L’Ecuyer (C.L.): As crianças nascem com uma virtude maravilhosa: a curiosidade. Elas têm o desejo interior de descobrir, de aprender e isso é algo ativo, não passivo. Quando os pequenos ficam na frente das telas, eles se tornaram passivos. Dessa forma, os seus sentidos ficam saturados e eles se sentem cada vez mais aborrecidos, ansiosos e viciados nessas estimulações externas.
Desde cedo os pais estimulam os filhos e ficam frustrados quando eles não correspondem às suas expectativas – como andar ou falar no tempo em que as pessoas consideram correto. O excesso de estímulos pode ser prejudicial?
C.L.: O movimento e a linguagem simplesmente se desenvolvem por meio do contato com a realidade – eles não precisam ser estimulados. A criança necessita de um ambiente normal que permita que ela desenvolva essas habilidades, mas é contraproducente bombardeá-la com estímulos que antecipam as etapas. Quando dizem “é melhor aprender na primeira infância”, isso é um mito, uma má interpretação de uma literatura neurocientífica. Não há períodos críticos na vida dos pequenos, mas, sim, sensíveis.
Educar na curiosidade consiste em respeitar sua liberdade interior, contando com a criança no processo educacional; respeitar seus ritmos; fomentar o silêncio, a brincadeira livre; respeitar as etapas da infância; rodear a criança de beleza, sem saturar os sentidos
Catherine L'Ecuyer
A rotina é importante para os bebês e as crianças? Você acredita que, de certa forma, ela pode aliená-los?
C.L.: Montessori dizia que a rotina é o segredo da perfeição. Acredito que a rotina deixa de ser boa quando é mecânica – até mesmo porque o que faz sentido na infância é o olhar do cuidador. As crianças olham para as coisas com os olhos das pessoas que cuidam delas e é por esse motivo que o olhar que temos em relação ao mundo é tão importante.
Muitos pais e educadores seguem a premissa de que é necessário oferecer atividades para os pequenos o tempo todo. É por esse motivo que eles estão se tornando impacientes?
C.L.: As crianças têm tudo – até antes mesmo de pedirem. Elas não estão acostumadas a esperar e nós não as ajudamos a gerenciar as suas frustrações. Por isso, devemos voltar para as atividades mais tranquilas, que desenvolvem a paciência, como a pesca, a descoberta dos insetos no bosque e o cuidado com o jardim.
A criança deve ter espaço para pensar, sem receber sempre tudo mastigado. Ao contrário do que argumenta o modelo mecanicista, é bom que as perguntas que fazem nossos filhos, às vezes, fiquem sem respostas
Catherine L'Ecuyer
Algumas famílias matriculam os filhos na escola no início da vida – aos 6 meses, 1 ano, 2 anos – porque acreditam que o ambiente de casa nem sempre contribui para desenvolvimento infantil. O que você acha dessa visão?
C.L.: A decisão de colocar a criança na escola pertence aos pais e isso deve ser respeitado, mas não é correto acreditar que ela deve ir para o colégio o mais rápido possível porque precisa disso. Normalmente, os pequenos começam a frequentar o jardim de infância porque seus pais trabalham. Vale lembrar que há estudos que comprovam que, antes dos 2 anos, o mais importante é que a criança receba o cuidado e o afeto que vêm do relacionamento de um cuidador primário – no caso os pais – e não na estimulação sensorial excessiva.
O que é preciso ter em mente na hora de escolher a primeira escola para o filho?
C.L.: Na etapa infantil, é muito importante que os professores sejam sensíveis às necessidades básicas dos alunos e também que tenham poucas crianças por classe, para que elas possam desenvolver um vínculo de confiança com os seus mestres.
As crianças vivem no presente com uma intensidade impressionante. Não vivem para cumprir obrigações, não pensam em horários ou lista de afazeres. Não sentem falta do passado, não entendem o conceito de economia de tempo e não vivem de ‘tomaras’
Catherine L'Ecuyer
Os professores educam com curiosidade? Você acha que eles foram treinados para isso?
C.L.: A educação na curiosidade não é um método, mas uma filosofia de vida, uma maneira de ver a criança. E o mais importante de tudo é o olhar do professor – a sua atitude em relação ao aluno e ao mundo – do que todas as metodologias educacionais utilizadas em sala de aula.
Como impor limites e ao mesmo tempo estimular a criatividade e a liberdade? Essa não parece ser uma tarefa muito fácil…
C.L.: Não acho que essas questões sejam incompatíveis. Maria Montessori já dizia: “Nossos filhos não fazem tudo o que querem, mas querem fazer tudo o que fazem”.
Ficha técnica
Livro: Educar na Curiosidade – A Criança Como Protagonista da sua Educação
Autora: Catherine L’Ecuyer
Editora: Fons Sapientiae
Número de Páginas: 160
Preço sugerido: R$ 32,90