Como lidar com a sexualidade das crianças
Entenda como se manifesta a sexualidade da criança nas diversas fases de sua infância.
O corpo humano tem vocação para o prazer desde sempre. Instintivamente, buscamos o bem-estar, pois ele nos ensina a sobreviver. E a sexualidade é apenas um aspecto dessa sensação. Mas é importante para a criança aprender a lidar com os limites desde cedo.
Cultura versus instinto
Diante de situações carregadas de apelo sexual, muitos pais coíbem o comportamento dos filhos pequenos sem saber exatamente por que estão agindo assim. Mas é importante saber o que está por trás dessa restrição! Desde os primórdios da civilização, a ordem social se impõe aos impulsos instintivos dos indivíduos. A sobrevivência e a supremacia da espécie humana sempre dependeram dessa condição. Sem o freio cultural, muitas vezes estabelecido por religiões, cada um faria o que tivesse vontade e a organização social seria regida pela lei do mais forte, como é entre os bichos, com desvantagens do homem em relação a outros predadores. Portanto, educar o filho significa ensinar-lhe, entre outras coisas, as regras sociais de convivência, sejam elas quais forem. E ficar bolinando a própria genitália em público não é algo aceito em nenhuma sociedade. Renunciar aos desejos é parte do aprendizado social de uma criança.
Sexualidade no bebê de colo
Até cerca de 1 ano e meio ou 2 de idade, o bebê descobre o mundo pela boca. Daí o nome “fase oral“, utilizado por muitos especialistas. Mas, nomenclaturas à parte, o importante aqui é entender que sugar o leite da mãe é uma experiência tão prazerosa para o bebê que ela se sobrepõe às demais. Ele mama em um colo aconchegante, sua barriga fica quentinha e o sono logo vem. É um paraíso para a criança. Por isso, ela leva tudo à boca na incansável busca da sensação de prazer. Nessa fase, o prazer é definido exclusivamente pela ação do sistema nervoso. Os hormônios e a libido só entram em cena com a maturação sexual, na adolescência.
Aos 2 anos, o xixi e o cocô
Conforme cresce, o bebê amplia sua capacidade de percepção. Ele começa a entender o mundo simbólico e já pronuncia palavras. Paralelamente, descobre o xixi e o cocô. A criança não sabe direito o que é, mas sente que é muito gostoso. O próprio controle do esfíncter, tanto o anal quanto o genital, mostra-se uma profunda fonte de prazer. É natural que as áreas do corpo onde o bebê sente prazer despertem nele curiosidade. E ele vai mexer sempre que puder, principalmente quando começar a tirar a fralda.
Tratar com naturalidade
Se, para os adultos, a sexualidade já é um tema complexo, imagine para as crianças. Por isso, vá com calma ao lidar com o assunto. A curiosidade de mexer na genitália é natural entre os bebês e deve ser encarada como tal. Mesmo porque a curiosidade é sinal de inteligência. Os pais não devem se desesperar porque sua filha ou seu filho estão se bolinando. Mas também não precisam ficar passivos. No caso dos pequeninos, a melhor maneira de intervir é colocar uma roupinha neles ou levá-los ao banheiro para ver se querem fazer xixi ou cocô, sem alarde. Mas atenção: se perceber que essa situação tira os adultos do sério, a criança pode passar a usá-la apenas para chamar a atenção. O mesmo se aplica a segurar o xixi e o cocô.
Quanto mais velho, mais curiosos
A partir dos 3 ou 4 anos, a criança controla bem o esfíncter e já desenvolveu bastante sua linguagem. E sua relação com o mundo só faz se expandir. Mas a curiosidade continua a mil por hora. Os pequenos começam a sacar as diferenças entre meninos e meninas, já percebem algo estranho nas histórias sobre como nasceram, notam que o papai e a mamãe dormem juntos, querem entender melhor esse negócio de gravidez e sementinha e por aí vai. Isso também é natural e pode ser uma excelente oportunidade para o início das conversas sobre sexualidade com um filho. Vale a pena falar sobre os estranhamentos, sem a necessidade de explicar detalhes. As noções gerais são mais que suficientes. Isso pode ajudar esse futuro adolescente a lidar melhor com sua própria sexualidade. A imaginação deles também pode ser uma ótima aliada diante de questões mais embaraçosas. Jogue questões para que eles tentem elaborar sozinhos.
Limites sem trauma
A curiosidade das crianças em relação ao sexo aumenta conforme se desenvolvem. Em busca do prazer, o menino gosta de deixar o pipi duro e a menina adora segurar o xixi ou cutucar a vagininha. Bater na mão da criança e dizer que isso é feio está longe de ser a melhor conduta. Funciona, mas pode deixar traumas desnecessários. A criança se assusta e intuitivamente repele de sua vida a busca por esse tipo de sensação. Além disso, o assunto vira algo proibido e dá margem para tabus e preconceitos no futuro. Levar a criança para o banheiro para fazer xixi ou cocô ainda é a melhor maneira de mostrar que lá é o lugar de mexer nas partes íntimas e também de desviar o foco de atenção. Quando volta do banheiro, ela se esquece de se tocar. Agora, se o pequeno insiste em se masturbar na frente de todos, mesmo que não saiba exatamente o que está fazendo, ele precisa saber que o papai e a mamãe vão ficar tristes se continuar, de preferência com uma conversa mais séria, que faça a criança também pensar, e não simplesmente obedecer.
Erotismo familiar
Desde pequena, a criança sente o que acontece à sua volta. Expor os pequenos aos estímulos de um ato sexual, por exemplo, vai despertar neles ainda mais a curiosidade, já que o coito tem características bastante peculiares: os sons, o cheiro, as imagens… O mesmo vale para o banho, principalmente dos meninos com a mamãe e das meninas com o papai, ou entre crianças de sexos diferentes. Não existe um consenso em relação a isso, mas esse tipo de intimidade pode potencializar a curiosidade sexual dos filhos. Dormir com a criança também gera um clima de excitação nos adultos e nas crianças, além de atrapalhar a intimidade do casal. Convém evitar esse tipo de conduta para não dar a impressão à criança de que a intimidade é algo que se compartilha com todos.
Prazer além do corpo
Já que a criança não poderá extravasar todo o seu prazer pelo corpo, é importante dar a ela opções. E um excelente caminho é proporcionar, aos pequenos, o chamado prazer social. Eles nem terão tempo de ficar se bolinando enquanto brincam, aprendem coisas novas, deixam o papai e a mamãe orgulhosos, praticam atividades lúdicas e recebem carinho e atenção. Por esse motivo, é tão importante a mãe conversar com o filho desde a barriga e intensificar os “diálogos“ logo depois do nascimento. Essa troca desperta nele o prazer pela comunicação. A masturbação pode ser um indício de que a vida não está boa para uma criança. Tanto que crianças excepcionais, também pela dificuldade de interação com o mundo exterior, costumam exagerar no prazer solitário. E muitas não têm sequer noção dos limites que envolvem a conduta sexual.
Fontes
Silvana Rabello, psicanalista, especialista na clínica com crianças e professora da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e Miriam Ribeiro Faria Silveira, pediatra e neonatologista da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) e coordenadora da Neonatologia do Hospital Maternidade-Escola da Vila Nova Cachoeirinha.