“Meu sonho era ser pai de menino, mas eu estava completamente equivocado”
Pai revela como recebeu a notícia de que uma menina estava a caminho e como essa baixinha transformou a vida dele. Inspire-se!
Antes de ser abençoado com a inigualável sensação da paternidade, meu desejo inicial era como o de muitos homens: ser papai de um menino (com ‘O’). Não pergunte o motivo, pois eu não saberia explicar muito bem o porquê dessa preferência aparentemente descabida.
Me arrisco a dizer que talvez fosse por imaginar que eu teria companhia para bater uma bolinha no quintal de casa e, vez ou outra, dar um pulo no estádio para ver os jogos do meu time de coração (e também do dele – que seria igual ao meu, já que para nisso não há democracia em casa) 😎.
Desde o início, assim que engravidamos, senti que meu filho na verdade seria uma filha. Mas apesar de remar contra meus pressentimentos até o dia do ultrassom morfológico e jogar energias na direção do sexo masculino, no fundo o coração dizia que aquele pequeno embrião era mesmo uma delicada princesinha.
“Se for menina vou amar demais, porém não vai ser tão legal. Prefiro bola a bonecas, prefiro futebol ao balé, prefiro azul ao rosa e prefiro carrinho às casinhas – indaguei com meus botões (algumas vezes) de um jeito bem machista e à lá século 18.
Mas quem disse que a gente manda alguma coisa nessa vida, né? Espertalhões que tenham proferido aos quatro cantos do mundo que detêm poder de escolha sobre ~qualquer~ situação nessa passagem espiritual certamente caíram do cavalo. E sabe de uma coisa? Ainda bem! O grande barato da vida está em não saber o que ela guarda para o nosso futuro, seja daqui um segundo (ops, passou!) ou daqui 30 anos (que venha!), enfim.
Na manhã em que faríamos o ultrassom para saber o sexo da criança, acordei com a sensação de que seria um dia especialmente diferente, sabe? Daqueles que ficam marcados para sempre na memória de qualquer pessoa que passe por algo semelhante.
Eu me emperiquitei todo para dar oficialmente boas-vindas ao novo membro da família que, a partir daquele dia, já poderia ser chamado por algum nome e rumei à clínica na companhia da esposa e dos sogros.
No caminho, meu pensamento flutuava para bem longe e dispersava imaginando como seria a volta para casa pós-exame. Em qual loja eu estacionaria para comprar o primeiro carrinho do herdeiro das minhas dívidas, hein!? Hummm…
E lá na clínica foi basicamente assim ó:
– Está vendo esses três risquinhos aqui, papai? – disse a médica que fez o exame, fazendo um círculo ao redor da ‘pombinha’ na tela escura.
– Estou vendo, doutora. Mas e aí? – questionou aflito e ansioso este papito que vos fala.
– Então, isso mostra que vocês vão ter uma MENINA! – emendou ela sem rodeios, com sorriso na voz e observando nossa reação incrédulos, mas com ar de ‘já sabíamos!’.
Instantaneamente sorri com a notícia, fiquei bobo e tomou conta de toda minha alma uma felicidade descomunal de poder e força sobrenaturais, digna de um projeto magnífico nos moldes das mais lindas obras de arte criadas pelo Altíssimo.
Por alguns poucos segundos me desliguei do que acontecia nos apertados metros quadrados daquela sala – e já começava a dirigir na cabeça um filme cujo roteiro pautava em como seria ter uma filha para chamar de minha dali em diante.
Eu não conseguia expressar o tamanho da emoção quando as batidas daquele coraçãozinho tomou conta das caixinhas de som no ambiente, reproduzindo uma sinfonia que compôs a mais bela das canções que já tinha ouvido em 28 anos. Por uma fração de segundos ainda consegui tempo para terminar minha fase papai-machista com chave de ouro, pensando absurdos do tipo:
– Meu Deus, uma menina. Agora sim o pessoal vai começar com a famosa piadinha ‘de consumidor a fornecedor’, caramba! Como reagirei quando ela completar seus 16 anos e aparecerem uns pivetes na porta da minha casa querendo namorá-la? Aceito? Compro uma arma? Boto para correr?
Enfim… Acho que o melhor mesmo é ser um papai moderno, democrático e autorizá-la a pegar na mão quando estiver com uns 43 anos de idade – refleti ‘sabiamente’ em tom bem-humorado.
Eu queria um menino, meu pressentimento disse que era menina e, no fim das contas, percebi que isso não tinha a menor importância perto da grandeza de ser recompensado pelo amor incondicional de uma cria que leva meu DNA. Ser pai ou ser mãe é um presente que transcende qualquer escolha, uma vez que se trata de uma ligação chancelada pelo infinito, ou seja, diferente de qualquer amor que possa existir na vida.
Envolvimentos afetivos ‘homem x mulher’ vêm e vão; amor de pais e filhos vem e fica. E a magia nisso tudo está justamente em sabermos com afinco que esse vínculo nunca morrerá nessa ou em qualquer outra vida, aconteça o que acontecer.
Saí da clínica com o autotítulo de ‘futuro-papai-babão-de-menina’ e eu, que já pesquisava absolutamente tudo sobre a paternidade desde o teste de gravidez, modifiquei um pouco as palavras de busca no Google e fui entender melhor sobre as delícias em se ter uma bebê mulher – com a bundinha lotada de fraldas correndo pra lá e pra cá.
Hoje, quatro anos depois do nascimento da minha pequena – e prematura – Laís, penso:
– Caracas. Como pode um dia eu ter cogitado ser pai de menino? Óbvio que eu jamais rejeitaria a incumbência de criar um pivete e o amaria infinitamente também. Mas, gente… é tão mais legal ser pai de menina! 💘
Desde o nascimento até hoje, minha princesa Laís é a extensão do meu corpo e da minha alma que, aliás, tornou-se mais pura, madura, generosa e afetuosa com ela, comigo e com o mundo. Nada graças a mim, porque nós adultos não costumamos nos moldar positivamente por conta própria. Renasci quando ela nasceu.
A culpa do esforço em (tentar) ser uma pessoa melhor dia após dia é todinha dela, vendo que hoje aprendi a contar até 10 para situações de grande embaraço e entendi que as coisas mais fantásticas da vida são indiscutivelmente as mais simples.
Como assim trocar um sorriso e um abraço da Laís por uma balada, por exemplo? Não troco. Não tem negócio. Sou dela integralmente e os interessados que entrem na fila. Laís e eu somos grudados. Um é o número do outro, porque Deus a preparou para mim e a aceitei de braços totalmente desatados.
Ela sente, eu sinto; ela ri, eu gargalho; ela chora, eu me descabelo; ela dorme, eu protejo; ela acorda, eu troco fraldas; ela suja, eu dou banhinho.
Um dia me disseram sobre a teoria do apego, conhece? Aquela, inventada por algum autor desconhecido, que diz com elevada convicção que o menino é mais grudado na mamãe e menina mais coladinha no papai. Não sei até onde existe veracidade nisso e/ou se funciona com todo mundo. Mas, olha… Comigo é 400% desse jeitinho sem tirar nem por.
Descobri que ser papai de menina é desfrutar de toda doçura que a mulher tem, mas no tamanho miniatura, no formato pocket e de bolso. É ser alvo privilegiado de um poço que transborda sensibilidade, chamego, mimosidade, teimosia, carinho, xodó e ternura – 24 por 48 horas.
Ai, ai, meus amigos… Como é mágico fazer xuxinhas na juba de leoinha e passear com ela de mãos dadas no hall do prédio… Aliás, deu saudades. Vou lá e já volto!
Fernando Guifer é papai babão da prematurinha Laís, jornalista, palestrante, mestre de cerimônias, articulista do portal Comunique-se, embaixador da ONG Prematuridade.com e autor do livro “Diamante no acrílico: entre a vida e o melhor dela”