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Cultivo Materno

Jornalista fundadora do Co.madre, Juliana Mariz acredita que mães não têm superpoderes, são mulheres de carne e osso sobrecarregadas e que merecem um lugar de destaque na sociedade
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A maternidade acontece nas horas de descuido

Precisamos deixar de lado o maternar "checklist" e enxergar, nos intervalos do dia, a chance de escrever a história com nossos filhos.

Por Juliana Mariz
Atualizado em 9 out 2020, 16h11 - Publicado em 12 jun 2020, 14h14

A maternidade acontece em horas de descuido. Com todo respeito e uma certa dose de audácia, peguei emprestado e modifiquei a frase do grande Guimarães Rosa. No original, ele diz: “Felicidade se acha em horinhas de descuido”. Peço licença novamente e garanto que é por uma boa causa.

Antes de seguir o fio dessa prosa, vou me apresentar: sou jornalista e mãe de duas meninas, a Maria Clara, de 10 anos; e a Elisa, de 8 anos. De alguma forma sempre intuí que a maternidade ia me desarrumar internamente (externamente nem preciso comentar, não é?).

Entre tantas transformações, o nascimento das meninas fez brotar em mim um sentimento inigualável de compaixão pelas mulheres-mães. Entender nossas dores em comum me estimulou a criar o Co.madre, projeto de pesquisa e conexão maternas. Maternidade é o assunto que gosto de refletir, falar, escrever, compartilhar.

Meu maternar foi sendo construído diariamente. Fui a mãe gulosa que consumiu o maior número de informações possíveis sobre amamentação, fases de desenvolvimento, importância do brincar, como escolher uma escola etc… Me fartei em sites, livros, blogs, revistas em um esforço de dar o mínimo de contorno para o mergulho no escuro que faria. Felizmente, hoje temos notícias sobre parentalidade ao alcance das mãos por causa da internet e do crescente interesse sobre o assunto.

Criando memórias

E, então, voltamos à frase reformada de Guimarães: a maternidade acontece em horas de descuido. Horas de descuido? Sim. Aqueles momentos que tiramos a capa de mãe fazedora e estamos relaxadas, presentes e despretensiosas. É aí que a maternidade se materializa em vínculo entre mãe e filho, que as memórias são construídas.

Minhas horas de descuido ocorrem, em geral, quando estou caminhando com minhas filhas até a escola (que saudade disso! ). Desde pequenas elas entenderam que esse momento é propício para diálogos significativos. Não houve nenhum combinado, apenas aconteceu. Tem dias que seguimos caladas, tem dias que há disputa para ver quem fala mais…. Mas é nessa travessia que elas se abrem, que percebo o quanto cresceram, que dou risada, que sou apenas uma mãe-ouvinte.

Não estou induzindo você a rasgar manuais, deixar de se informar, não acompanhar seu site preferido. O que sugiro é que entenda a maternidade mais como conexão do que performance ou eficiência. Precisamos deixar de lado a maternidade checklist que a realidade atual nos impõe e enxergar, nos intervalos fortuitos do dia, a chance de escrever a nossa história com nossos filhos.

Entre uma tarefa e outra, tem fragmentos singelos de conexão: o gracejo de um recém-nascido, a pergunta curiosa da filha no banho, o beijo inesperado na bochecha, o brincar que acaba em guerra de cosquinhas. São esses momentos que valem um álbum bem bonito, aquele que vai contar a história da relação mais importante da sua vida.

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