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Cultivo Materno

Jornalista fundadora do Co.madre, Juliana Mariz acredita que mães não têm superpoderes, são mulheres de carne e osso sobrecarregadas e que merecem um lugar de destaque na sociedade

Deixou algum plano para trás por causa do filho? Pode não ser bem assim…

Cheguei a uma hipótese que quero dividir com você: a maternidade é um convite à procrastinação. Concorda?

Por Juliana Mariz
Atualizado em 9 out 2020, 16h10 - Publicado em 23 ago 2020, 14h00
 (Montagem sob foto de Daniel Truta / EyeEm/Getty Images)
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Em março, uma semana antes de começar o confinamento, eu estava procurando um espaço aconchegante para oferecer meu primeiro curso presencial de escrita materna. Esse projeto é um sonho antigo que, há meses, venho gestando. Em passos lentos, respeitando minhas inseguranças, tentava colocar essa ideia em pé.

Até que 2020 nos deu essa rasteira. O que ocorreu comigo aposto que rolou também com você. Adiei sonhos, devolvi projetos para a gaveta, recalculei planos e objetivos, deixei pra lá a vontade de fazer um curso…

Nas primeiras semanas de confinamento, o importante era agir para viabilizar a vida: rotinas para crianças, decisões sobre escola, compra de equipamentos de higiene, cancelamento de compromissos … Até que, aos trancos e barrancos, estabeleceu-se uma normalidade dentro do caos.

Mas, então, veio uma segunda fase. E ela me convidou a uma profunda reflexão. Ao rever meus projetos, passei a questionar o tanto que eu os adiava. Desenhei uma linha do tempo dos meus “quereres”, tanto profissionais quanto pessoais, e pontuei todas as vezes que posterguei ações em direção a eles. Tentei ir a fundo nos motivos que me levaram a procrastinar. Uau, foi uma bela constatação.

Procrastinar tem aquele significado que cabe muito bem na nossa rotina diária. Em geral, adiamos aquilo que é chato fazer. No meu caso: lavar o carro, ir até o banco, limpar o armário. Essas são tarefas que eu detesto. Por isso, muitas vezes vão parar na listinha da próxima semana.

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Procrastinar não tem nada a ver com administração de tempo. Essa atitude está mais relacionada à emoção que alguma tarefa pode despertar. Tem o desagrado natural a uma atividade, mas também a mínima noção de que ela pode abalar nossa autoconfiança. Somos capazes de empurrar com a barriga das atividades mais corriqueiras à projetos mais complexos. E, então, cheguei a uma hipótese que quero dividir com você: a maternidade é um convite à procrastinação. Concorda?

São os filhos mesmo que nos impedem de agir?

Quando um filho nasce é natural que nossa atenção se volte para ele. Enquanto são pequenos, a necessidade de dedicação total é indiscutível. Sobra pouco espaço para acomodar nossos desejos, nossa individualidade, nossas vontades – profissionais e pessoais.

A questão é que o tempo vai passando e, muitas vezes, seguimos usando a maternidade como justificativa para adiarmos predileções.  É aquele jogo de vôlei semanal que você adorava, teve de parar com o nascimento do rebento, mas nunca mais conseguiu colocar de volta na agenda. A aula de desenho que você sempre quis fazer, mas prorrogou desde que ficou grávida. Ou a tal vaga no trabalho que exige mudança de cidade, um sonho antigo, mas que talvez não caiba na sua vida atual.

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É óbvio que existem mil motivos para a gente não dar o passo adiante: questões financeiras, sobrecarga, falta de tempo. Isso tudo é legítimo e bastante compreensível. Mas meu questionamento aqui é outro. São os filhos mesmo que nos impedem de agir? Ou alguma crença? Insegurança? Medo?

Tem um artigo do psicanalista Contardo Calligaris que fala sobre isso. Retiro do texto uma frase cortante: “as crianças não podem se tornar álibis da nossa covardia.” Forte, não é?  Mas, afinal, o que você tem procrastinado na vida? Não deixe que a maternidade engavete seus desejos. Ser uma mãe apoderada dos seus sonhos, quereres e necessidades é o maior presente que você pode dar a seu filho.

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