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A Voz de Um Pai Negro

Tadeu França (@otadeufranca) é escritor, ator, criador de conteúdo e pai do Augusto e do Hugo
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Aos pais de UTI: solidão, gatilhos e nosso papel no caminho para a cura

Que todos se sintam abraçados. E que cada dia seja amenizado pelo seu preparo para a paternidade, por sua vontade de dar certo e por seu amor por cuidar

Por Tadeu França
28 dez 2023, 16h15

Escrevo este artigo dentro de um quarto de UTI pediátrica com meu filho caçula, internado pela terceira vez por problemas respiratórios em decorrência da asma. Estou olhando pro nada, vendo meu filho conectado a eletrodos e há mais de oito dias sem ver a luz do sol! Exaustão mental e física acompanham nossa rotina desde que chegamos aqui.

A UTI pediátrica é solitária e fria. E não dá pra romantizar ou dizer que estamos aprendendo com ela, porque, não sei vocês, mas eu não quero aprender nada às custas do sofrimento de um filho. Nossa vontade é tirar qualquer doença com a mão e colocar na gente, e não usar aquilo como lição de algum valor que nos falta.

Fiquei refletindo sobre qual era meu papel, como pai do meu filho, e pensei em quais seriam as responsabilidades de todo pai que está acompanhando seu filho num leito de UTI. Nessa hora, me lembrei da importância dos livros que li quando me tornei pai, dos cursos de gestação, parto e puerpério de que participei, das pesquisas feitas no Google sobre posologia de xarope infantil, em vez de procurar a escalação do meu time no próximo jogo.

Tudo isso me fez ser um pai mais atento a cada queda de saturação, a cada informação nova sobre o quadro do meu filho, a cada resposta para perguntas difíceis que tive que dar aos médicos (que pais ausentes jamais responderiam, e ligariam para a mãe para saber o que falar).

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Isso não me faz melhor e nem pior do que ninguém, mas também faz parte do processo de cura e recuperação da minha criança. Nunca foi só sobre exames, antibióticos e raio-x na UTI pediátrica. Ser presente é o melhor remédio. Mas, como nem tudo são flores, comecei a receber comentários da equipe de médicos, enfermeiros e fisioterapeutas sobre meu comportamento, como:

– “Nossa, que bom que você ‘ajuda’ sua esposa aqui no hospital!”

– “Você tem certeza de que é esse remédio com essa dosagem que ele toma em casa?”

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– “Você sabe lavar o nariz do seu filho, ‘Paizinho’?”

E, então, caí no famoso mito da incapacidade paterna, em que todas as nossas ações parentais são questionadas, desacreditadas ou causam. Por conta de tantos pais ausentes, que não cuidam de seus filhos, na cabeça de muitos profissionais da saúde nenhum pai sabe cuidar de seu filho. E eu tenho mostrado que não é bem assim!

Então, papais de UTI, é nosso papel oferecer segurança para a equipe de médicos e, principalmente, para nossos pequenos. Independentemente do que aconteça, se prepare, esteja pronto, você é muito mais do que o título de pai.

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Duas mãos entrelançando o dedo mindinho
(venimo/Getty Images)

Na vida adulta, nossas preocupações mudam. É o trabalho, é o relacionamento, são as contas para pagar… Sequer paramos para reparar na importância de valorizar o simples. E, dentro da UTI, eu consegui perceber a força que há nas coisas simples da vida, que temos de sobra. Valorizar o simples numa UTI é ver seu filho voltar a saturar melhor, a comer toda a comida, a beber água, a fazer cocô e tantas outras coisas do dia a dia que são fundamentais para nossa existência, mas que não damos atenção e nem agradecemos, porque tudo já entrou no automático.

Ver seu filho saturar 97/98 sem máscara de oxigênio é como marcar um gol em final de Copa do Mundo, percebem? Estamos falando sobre simples e unicamente respirar. Cada partícula de O2 e CO2 é motivo de celebração, sim. E ponto final!

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E, pra fechar, quero falar de algo bem difícil e delicado sobre o qual pouco se fala, mas que muito pai de UTI vai enfrentar: os gatilhos. Internações geram em nós diversos gatilhos que, às vezes, anos de terapia não darão conta. Isso é algo que ninguém comenta após a alta, mas eu vou te contar.

Quando seu filho melhora e vai pra casa, os sons dos monitores de frequência cardíaca e saturação ficam no ouvido por algumas semanas. Passar em frente à rua do hospital já não é mais uma opção, pois faz você se lembrar dos dias passados ali. Todo e qualquer espirro que a criança der depois de uma internação te deixará tenso, amedrontado e com taquicardia – um receio de tudo acontecer de novo.

Dolorosa a leitura, né? Mas mais doloroso é passar por tudo sem saber como lidar. Por isso, eu vim aqui. Quero que todos os pais de UTI se sintam abraçados, acalentados, confortados. E que cada dia enfrentado nesse lugar seja amenizado pelo seu preparo, sua vontade de dar certo e seu amor por cuidar – porque, por mais que a sociedade não acredite nessa nossa capacidade, eu sei que a Paternidade bem exercida também pode ser um caminho de cura.

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