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Cansada, mãe?

Lia Abbud é jornalista e uma das criadoras do @Fatigatis, um projeto de conteúdo sobre estresse materno que propõe estratégias em direção ao bem-estar físico e mental feminino.
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Jantar com os filhos todas as noites é pedir demais?

Para mostrar que continuamos competitivas no trabalho, nos submetemos a demandas que não cabem mais na nossa vida. Tá na hora de dar limites, colega.

Por Lia Abbud
Atualizado em 13 Maio 2021, 12h28 - Publicado em 13 Maio 2021, 12h18

Mãe de Theo, de 8 anos, a advogada Katherine nutria há alguns anos dois desejos: conseguir jantar com seu filho durante a semana e se tornar sócia do escritório em que atuava. No dia em que o convite para a sociedade chegou, ela respondeu com entusiasmo, mas disse que tinha um pedido a fazer. Sabia que era incomum, mas para ela era inegociável: “toda noite, das 18h às 20h, preciso estar fora do escritório. Trabalharei à noite, sempre, como fiz nos últimos nove anos. Mas preciso estar em casa para o jantar com o meu filho.”

Do lado de lá, a solicitação causou estranhamento: “teremos que levar a questão para o comitê de parceiros”. E a resposta final foi negativa: seguiria sendo ‘apenas’ advogada do escritório. Katherine ficou desapontada, claro. Mas concluiu que o desfecho tinha sido positivo para seu relacionamento familiar: “finalmente terei minha vida de volta”, celebrou ela após ter conseguido se colocar.

Katherine é uma das personagens da série “Um Milhão de Pequenas Coisas” (disponível na Globoplay), mas a história não é incomum e poderia ter sido vivida por uma amiga, vizinha ou colega de trabalho. Sabemos que conciliar maternidade e carreira é um grande desafio, assim como é difícil conseguir se posicionar e estipular os limites entre vida pessoal e profissional dependendo do perfil do empregador/gestor.

Na mesma semana em que assisti a esse capítulo, no entanto, ouvi um episódio da nova temporada do podcast da Filhos no Currículo, em que as convidadas contam justamente sobre como conseguiram equilibrar os dois papéis em suas jornadas.

E uma história muito similar à de Katherine apareceu, mas com um final que nos traz otimismo: Samantha, mãe de três filhos, achou que a melhor hora para sinalizar seus limites era o momento em que recebia a proposta de trabalho do seu futuro chefe. Disse que não poderia trabalhar depois das 19h porque fazia questão de jantar todas as noites com seus filhos. E que se fosse necessário, poderia voltar a trabalhar de casa depois das 22h, após todos irem dormir. Do outro lado, compreensão e respeito total.

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Estar na “mesma página”: é preciso dar limites!

Esses dois casos me fizeram querer migrar o debate pra cá neste mês de maio, em que comemoramos Dia do trabalho e Dia das Mães. É verdade que falar sobre este tema e tentar estabelecer limites não é nada fácil. Na luta por mais oportunidades no mercado de trabalho, nossa tendência é aceitar o que nos for proposto e deixar cada vez mais abarrotada a nossa agenda, que já é tão extensa por causa da carga mental.

Mas o fato é que os filhos existem (felizmente!) e há uma série de tarefas e responsabilidades envoltas nessa relação. Além, claro, da necessidade e desejo por conexão e afeto. Não adianta fingirmos que não – nem nós, para não perdermos as oportunidades, nem as empresas, para ampliar cada vez mais nossa carga horária sem constrangimento. O diálogo é necessário e pode ser muito produtivo. Acho que, apesar do medo, podemos ser protagonistas da mudança.

Lembro que, certa vez, ouvi uma executiva de recursos humanos de uma multinacional comentar em uma palestra que nunca havia sido procurada por nenhuma colaboradora para discutir novas possibilidades, modelos de trabalho ou limites mais claros para reduzir os impactos do trabalho na vida em família. As duas partes envolvidas precisam estar “na mesma página”. Para isso, falar é preciso!

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Se estiver precisando adicionar mais um argumento a todos os que você já tem para puxar essa conversa e mostrar ao seu empregador que ter filhos não afeta seu desempenho profissional ou comprometimento, lá vai.

Uma pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Administração com mais de 100 mil colaboradores de 200 empresas concluiu que quanto mais filhos o colaborador tem, melhor é a sua visão do trabalho. Eles são mais felizes na labuta, têm mais maturidade para lidar com desafios e também são mais pacientes e resilientes.

Esperamos que nessa longa fase que experenciamos o home office e que o trabalho invisível da mulher foi descortinado, as empresas naturalizem a presença dos filhos em nossos currículos. Dessa forma, as companhias podem ajudar a dar visibilidade a um trabalho muito importante: a do cuidado, que, historicamente, fica sob responsabilidade da mulher, mas, através dele, a vida se mantém. Merecemos essa consideração. Ou, ao menos, a chance de jantarmos com nossos filhos.

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