Conversamos com a enfermeira Grasielly Mariano, do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Aleitamento Materno da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (NEPAL-USP), e ela garante que, sim, é possível voltar a dar o peito. Conheça a relactação, técnica que tem ajudado muitas mulheres a produzir leite para os seus bebês – sejam eles biológicos ou não.
1. Relactação é um termo desconhecido para a maioria das mulheres. O que significa?
Relactar é um termo utilizado para mulheres que já amamentaram em algum momento da vida e querem voltar a produzir leite para alimentar um bebê, seja ele biológico ou não. A relactação é muito comum em algumas comunidades africanas, onde as mulheres se disponibilizam a amamentar bebês e crianças órfãs. Por vezes, o leite materno é a única fonte de alimento para essas crianças.
2. Qual a diferença entre relactação e lactação induzida?
A relactação é praticada por uma mulher que já amamentou. A lactação induzida é um termo utilizado para estimular a produção de leite em mulheres que nunca amamentaram, como em casos de adoção. Definitivamente, é possível uma mulher amamentar um bebê adotivo, embora seja preciso muita motivação e orientação de um profissional especializado. A técnica é a mesma, tanto na relactação quanto na lactação induzida, mas, nessa última, pode ser necessário o auxílio de galactogogos – medicações e ervas capazes de estimular a fabricação do hormônio prolactina -, que induz a produção de leite na glândula hipófise. Um bom planejamento para as estimulações das mamas também é fundamental nessa situação.
3. Em que casos a relactação é aconselhada?
As indicações são muitas. Veja algumas delas:
- Mulheres que não puderam amamentar seus bebês, logo após o nascimento, por internação materna ou do bebê;
- Bebês com alergias alimentares, como ao leite de vaca, após o desmame;
- Bebês relutantes a sugar a mama da mãe;
- Mulheres que apresentam alguns casos de hipogalactia, que é a diminuição da produção de leite materno;
- Diante das dificuldades iniciais da amamentação, algumas mamães deixam de oferecer o peito, por falta de orientação profissional, desmotivação ou influência de terceiros, mas podem ser beneficiadas com a relactação;
- Há mães que simplesmente não produzem colostro por dias, após o nascimento do bebê. Aí, é necessário complementar a alimentação com fórmula infantil que, nesse caso, pode ser oferecida de maneira que estimule a criança a sugar, também, as mamas, induzindo a relactação.
4. É possível que uma mulher que parou de amamentar volte a produzir leite?
Sim, totalmente possível. A estimulação das mamas, manual, elétrica ou por meio da sucção do bebê, favorece a produção de leite, entre 15 e 45 dias após o início da intervenção.
5. Como funciona a relactação?
Uma sonda do tipo nasogástrica nº 4 ou uma de aspiração – facilmente encontradas em casas de materiais cirúrgicos – tem suas pontas cortadas e aparadas. Uma das extremidades é fixada, com fita hipoalergênica, ao mamilo da mulher e a outra é mergulhada em um recipiente com leite humano, que pode ser obtido em um banco de leite. Ao sugar, o bebê recebe o alimento através da sonda, ao mesmo tempo que estimula a mama. A sucção induz a hipófise, glândula localizada no cérebro, a comandar a produção dos hormônios prolactina (responsável pela produção de leite) e ocitocina (responsável pela ejeção). O interessante é que o bebê não desiste de sugar porque tem o leite como motivação, para saciar suas necessidades, ainda que não seja, integralmente, proveniente de sua mãe.
À medida que a produção materna aumenta, menos complemento é oferecido, através da sonda. O processo todo dura de 15 a 45 dias e depende de uma série de fatores como a idade do bebê, o intervalo entre o desmame ou parto e o momento da relactação, a rede de apoio com que a mulher conta, o acompanhamento profissional, a correta estimulação das mamas – que deve acontecer, impreterivelmente, a cada duas horas, totalizando 12 vezes em 24 horas – e, principalmente, a motivação da mãe, já que esse é um processo que demanda tempo e energia não só dela como de toda a família. É preciso, também, que os parentes ajudem a mulher, com os afazeres domésticos, para que ela esteja disponível para relactar.
6. A relactação é possível em bebês de qualquer idade?
Sim. Um estudo científico australiano mostra que mães de bebês com mais de 12 meses relactaram. É preciso ressaltar que uma das principais dificuldades do processo é fazer com que o bebê aceite a mama da mãe. Quanto mais velho ele for, mais difícil fica. Quanto mais novo, mais fácil será.
7. Para garantir o sucesso da relactação, é preciso fazer uso de medicamentos?
Não, necessariamente. Realizei uma pesquisa científica para conhecer o número de mulheres que necessitaram de auxílio de estimulantes (chamados de galactogogos), durante o processo de relactação. Os estudos selecionados relataram os métodos utilizados para estimular a produção de leite humano, além de outros aspectos, como: idade da criança, intervalo entre o parto ou o desmame e a relactação, necessidade de galactogogos. Dentre nove artigos avaliados, com um total de 1119 mulheres participantes, quatro fizeram uso do medicamento. A maioria das mulheres não necessitou dele para relactar, mesmo as mães de crianças mais velhas e com maior intervalo entre o desmame e a re-amamentação.
8. Quando a relactação é inviável?
Quando o bebê se recusa a mamar, quando a mãe tem uma deficiência orgânica importante como, por exemplo, cirurgia que implique em grande retirada de tecido mamário, e quando a motivação não é suficiente para enfrentar as dificuldades do processo. Os outros fatores que interferem no sucesso da relactação podem ter seus impactos minimizados, se a mamãe realmente deseja amamentar.
9. Qual o conselho para as mulheres que querem voltar a amamentar?
Que sigam seus corações. A amamentação tem um significado único para cada mulher e, se você deseja voltar a produzir leite para o seu bebê – mesmo que não seja biológico -, motive-se e procure ajuda para iniciar o procedimento. Amamentar, assim, é possível e já acompanhei muitas histórias de sucesso. Cerca de 88% das mulheres que tentam conseguem produzir leite para amamentar, exclusivamente, um bebê.
O leite materno é um alimento completo e tem mais de 200 componentes impossíveis de se copiar industrialmente, e que trabalham para proteger a saúde de seu bebê. Por experiência, posso dizer que é emocionante acompanhar mulheres que desejam amamentar e iniciam o processo de relactação. É emocionante ver a primeira gota de leite sair. É emocionante ver a alegria da mãe quando retiramos a sonda e deixamos o bebê mamar naturalmente, quando já há uma boa produção de leite materno. Essa é uma das mágicas do corpo humano.