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Quando a amamentação não dá certo, o que fazer?

Independente do esforço, às vezes o aleitamento não acontece. Veja relatos de mulheres que passaram por isso e o que diz um médico sobre o assunto.

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 5 set 2019, 13h07 - Publicado em 30 ago 2019, 12h29

Nos últimos anos, cresceu o entendimento de que o leite materno é o melhor alimento para o bebê. O que é ótimo, claro, mas talvez tenha criado outro problema: o das mães que se sentem culpadas quando o aleitamento — em especial o exclusivo — não ocorre como o esperado. Falta de orientação e questões culturais têm um papel relevante na história, mas fatores fisiológicos da mãe e do bebê também podem interferir na amamentação.

Quando isso acontece, a experiência pode ser dolorosa para a mulher. Por isso, para encerrar o Agosto Dourado, mês que celebra a importância da amamentação, mostramos o outro lado da história, em relatos sinceros e esperançosos de mães que tiveram que a interromper antes da hora esperada… e sobreviveram!

“Sempre idealizei a amamentação, mas não consegui amamentar”

A jornalista Bárbara dos Anjos Lima, 37, foi amamentada até os dois anos e meio pela mãe. “Tínhamos fotos lindas da minha infância, eu buscando o peito dela, e assim criei um imaginário da amamentação muito forte em mim, a considerava muito importante”, conta.

Aos 22, ela foi submetida a uma cirurgia de redução das mamas e, assim, sabia que a amamentação seria dificultada. “Naquela época, era preciso cortar os ductos mamários, e fui avisada de que isso poderia atrapalhar a produção do leite”, relembra.

Quando deu à luz Beatriz, mais de 10 anos depois, o colostro até apareceu, mas o leite não foi o suficiente. “Ela chorava de fome nos primeiros dias, foi quase traumático, não ganhou peso adequado, e fomos tentando de tudo para manter”, relata. Bárbara usou chás e remédios para aumentar a produção, fez a relactação com a fórmula e dava o complemento num copinho para não ter confusão de bico.

Por volta do quarto mês de vida, a rotina estava puxada. “Era um processo exaustivo e, com o tempo, todos os métodos para aumento da produção deixavam de fazer efeito, então resolvemos ficar só com a fórmula”, diz. “Estava cansada, triste por não realizar o sonho que tinha de amamentar em público, por bastante tempo, mas fiquei aliviada ao ver que ela estava voltando a crescer, bem alimentada”, conta.

“Há uma ideia de que a maternidade é perfeita, mas ela é muito difícil. Ainda sou a maior defensora do leite materno, mas entendo que cada família deve procurar o equilíbrio, e precisamos conversar sobre isso para encontrar um formato possível a todos”, completa.

Barbara e Beatriz, hoje com um ano e dois meses. (Reprodução/Arquivo Pessoal)

“Ela emagreceu ao invés de engordar nas primeiras semanas de vida”

Como muitas mães, a designer de interiores Mayara Campos, 28 anos, de Santo André/SP, não imaginou que amamentar seria uma tarefa difícil. “Não criei muitas expectativas, mas sempre achei que ela iria direto pro peito depois de nascer e começaria a mamar”, começa a contar a mãe de Maitê, de um ano e dois meses.

Só que a pequena, que nasceu via cesárea, parecia não sentir muita fome. “Ela passava a maior parte dormindo, tínhamos que acordá-la e fazer massagem no maxilar para estimular a pega, mas ela não sugava muito”, narra. De volta para casa, a orientação era dar o peito com frequência e não deixar em livre demanda, por conta da procura baixa da nenê.

“Achei que ela estava sendo alimentada, mas quando a levei no pediatra, vimos que ela tinha emagrecido quase 400g nas duas primeiras semanas”, relembra. “Fiquei bem chateada, pois descobrimos que meu leite não era produzido em quantidade o suficiente, mas ela também não reclamava, era difícil saber”.

A alimentação teve que ser complementada com fórmula e, por volta do terceiro mês, a produção de leite materno secou de vez. “No começo, fiquei chateada, mas depois passei a entender que o mais importante é que ela não passasse fome”, conta. “Ninguém mostra esse outro lado. Deveríamos falar mais sobre essas desafios, especialmente porque o início da amamentação é no puerpério, uma fase muito difícil para a mulher”, encerra Mayara.

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Mayara e Maitê (Reprodução/Arquivo Pessoal)

“Nosso vínculo é profundo, vai bem além do peito”

Jescika Cristina Lemes da Silva, 30 anos, não tinha muitas esperanças em relação a amamentação pois seu bico era do tipo falso invertido. “Desde o início, foi muito difícil. Eu urrava de dor, o Ravi chorava por não estar se saciando, era muito tenso”, conta a publicitária e agente de viagens de Bonito/MS.

A mãe tentou várias técnicas, como o uso do bico de silicone e, como nos outros relatos acima, o filho acabou perdendo peso. O médico recomendou a fórmula no décimo dia de vida, tomada via mamadeira. “Eu me senti muito frustrada, incapaz e principalmente culpa, que está sempre com a mulher na maternidade”, relembra.

Antes que a amamentação parasse de vez, contudo, o pequeno Ravi deu um susto na família, ao ter que passar por uma cirurgia de emergência para corrigir a estenose hipertrófica de piloro – uma obstrução do canal que liga estômago ao intestino, que acomete recém-nascidos.

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Foram dias no hospital, em que o bebê só podia se alimentar com soro intravenoso ou leite materno. “Deus foi tão incrível que, lá no hospital, conseguimos fazer o bico sair para fora e o amamentei sem problemas. Foi um momento mágico, muito especial”, conta Jescika, que complementou a fórmula com o leite que ainda produzia até os dois meses

O principal medo dela era justamente perder o vínculo criado com a amamentação. “Mas hoje entendo que esse elo existe desde a concepção. É genético, espiritual, muito mais profundo do que a alimentação”, conta. Hoje, ela tenta oferecer apoio para outras mulheres que também passaram por essa experiência.

Jescika e Ravi (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Se a amamentação não está rolando

Embora a importância do peito tenha ganhado destaque, amamentar é um desafio para as mulheres. “Além da vontade, ela precisa de condições para isso, de apoio, e muitas vezes ela não recebe as orientações necessárias”, comenta Luciano Borges Santiago, presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

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Bancos de leite e consultorias de aleitamento podem ajudar a superar eventuais dificuldades, mas elas são mais efetivas logo no início – quanto mais cedo a intervenção, melhores as chances do aleitamento se firmar. Mesmo assim, pode ser que realmente ela não aconteça, e tudo bem. A primeira regra é não se culpar.

“A mãe sabe que tentou de tudo e fez o seu melhor. Uma vez que não deu certo, ela deve receber amparo e apoio, pois é uma guerreira”, destaca Santiago. O médico destaca, contudo, problemas que poderiam ser corrigidos para melhorar o índice de aleitamento materno, em especial culturais e políticos.

“Nós somos mamíferos, mas infelizmente a amamentação não é vista com naturalidade, e a família pode acabar atrapalhando ao invés de ajudar, pois muita gente enxerga as fórmulas como mais fortes que o leite materno”, aponta Santiago.

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Outro ponto importante é o papel do pediatra na história. “Este profissional deve receber mais capacitação sobre a importância do aleitamento e como influenciar positivamente para que ele ocorra com sucesso”, opina o médico. A SBP faz simpósios e cursos sobre aleitamento materno voltados aos pediatras, além de publicar documentos científicos de orientação.

“Fora que as consultas precisam ser cada vez mais rápidas, então não há nem tempo para passar uma orientação correta e avaliar a mamada”, destaca. “Isso denota a necessidade de mudar as políticas públicas de saúde. Uma sugestão seria remunerar melhor médicos que alcançam bons índices de aleitamento”, completa.

Ou seja, assim como cresce a importância do leite materno, também deveria crescer a noção de que amamentação não é papel só da mulher.

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