Tudo sobre a fenilcetonúria, doença genética que ameaça o cérebro

O distúrbio precisa ser flagrado no nascimento para que não haja prejuízos para o desenvolvimento da criança e os cuidados são para a vida toda.

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 26 fev 2018, 15h19 - Publicado em 18 jul 2017, 20h38
 (Astakhova/Thinkstock/Getty Images)
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Um em cada doze mil nascidos vivos será diagnosticado com fenilcetonúria. E, por conta disso, terá que conviver com uma dieta cheia de restrições e produtos específicos que, se for descumprida, tem consequências drásticas e irreversíveis ao seu desenvolvimento cerebral. Uma vida sem carne, ovo e uma série de outros alimentos, como trigo e feijão.

Isso porque o organismo de quem tem essa doença congênita não consegue lidar com a fenilalanina, aminoácido presente nas proteínas de origem animal e vegetal. “O fígado dos portadores tem deficiência da fenilalanina hidroxilase, enzima que converte a substância em tirosina, outro aminoácido necessário para a formação do sistema nervoso”, explica Ana Rita Ferreira, nutricionista do Ambulatório de Triagem Neonatal da APAE de São Paulo.

Além do problema da falta de tirosina, que precisará ser suplementada, o acúmulo de fenilalanina é tóxico para o sistema nervoso. “Essa alteração lesa os neurônios e, se não for controlada, o indivíduo poderá ter comprometimento intelectual e atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor”, conta o pediatra Zan Mustacchi, presidente do Departamento Científico de Genética da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

E como a fenilalanina é um aminoácido muito comum inclusive nos seres humanos, seu excesso é sentido pelo corpo inteiro. Se o tratamento não começar cedo, logo nos primeiros meses de vida, o bebê pode apresentar sintomas de baixa tonicidade muscular, hiperatividade, má calcificação óssea e até convulsões.

“Mas todas as crianças que iniciam o controle nos primeiros meses de vida e mantêm a dieta apresentam desenvolvimento perfeitamente normal e sem esses sintomas”, destaca Vitória Régia Pinheiro, hematologista responsável pelo Serviço de Referência em Triagem Neonatal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O segredo, então, é flagrar o distúrbio o quanto antes.

Diagnóstico

A única origem para a fenilcetonúria é a genética. Ela é uma doença autossômica recessiva, ou seja, pai e mãe carregam cada um a metade do gene que provoca a deficiência, mas não manifestam a doença em si mesmos. Quando seus DNAs se combinam no do filho, o gene, então, fica completo e ativo.

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A doença é diagnosticada hoje pelo teste do pezinho, que tira uma gota de sangue da sola do pé do recém-nascido entre o 3º e o 5º dia de vida e é obrigatório no Brasil desde 1992. Aliás, ela foi uma das principais motivações para a criação do exame, nos anos 1970. Ao detectar níveis de fenilcetonúria suspeitos, a equipe médica convoca os pais para novas coletas até fechar o diagnóstico.

Para que o teste seja mais assertivo, é preciso que aconteça depois da primeira mamada. “Assim a criança já está com a fenilalanina das proteínas do leite, antes disso o nível da substância ainda não se alterou”, esclarece Renata Guirau, nutricionista do Serviço de Triagem Neonatal da Unicamp.

E para barrar os estragos, quanto mais cedo, melhor. “O ideal é que o diagnóstico e o tratamento ocorram até o terceiro de mês de vida no máximo, porque os sintomas desenvolvidos pela criança antes do início do tratamento são na maioria dos casos irreversíveis”, aponta Vitória.

Tratamento

A fenilalanina é um do nove aminoácidos essenciais à vida. “Isso significa que, embora o excesso seja ruim à saúde, a falta também é, uma vez que a substância faz parte da produção de tecidos e sua deficiência também pode prejudicar o crescimento e desenvolvimento”, aponta Vitória Régia.

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“Os alimentos de origem animal como carne, leite e ovos são os mais ricos na substância, mas os vegetais também contém fenilalanina. É o caso da farinha de trigo, do feijão e de algumas frutas, legumes e cereais”, lista Beatriz Frangipani, nutricionista do Centro de Referência em Erros Inatos do Metabolismo da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Além de tirar muitos itens do cardápio, os portadores do problema têm que tomar uma fórmula especial durante toda a vida para suprir a tirosina e outros aminoácidos que deixam de ser ingeridos naturalmente. Mais recentemente, a indústria farmacêutica passou a oferecer também tabletes solúveis com esses nutrientes.

E mesmo depois da infância, o controle continua. “Na vida adulta, o acúmulo pode provocar o surgimento precoce de doenças neurológicas e também de problemas relacionados à saúde mental, como depressão, déficit de atenção e irritabilidade”, alerta Vitória.

Por ora, o tratamento é todo baseado na alimentação, mas é possível que em breve existam opções de remédios que talvez ajudem a afrouxar um pouco as regras. “Estão desenvolvendo uma medicamento que poderia suprir a enzima hidroxilase, mas como há mais de 200 mutações genéticas associadas à doença, é difícil estabelecer um padrão que compense completamente a deficiência”, aponta o pediatra da SBP.

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Faltam também alimentos específicos para quem está proibido de ingerir proteínas nas prateleiras dos supermercados. O governo fornece a fórmula utilizada pelos portadores, que é importada, mas opções industrializadas para a alimentação corriqueira são poucas. A APAE de São Paulo comercializa em sua sede uma linha de refeições especiais para quem tem restrições severas, o Divina Dieta, com pratos feitos à base de vegetais.

E na gravidez?

A dieta da grávida não está ligada ao surgimento da fenilcetonúria. “Mas, por precaução, recomendamos moderação para quem consome quantidades muito altas, por exemplo, de refrigerantes light e alimentos com alto nível de aspartame, que é formado em grande parte por fenilalanina”, orienta Beatriz.

Para mães que não fizeram o teste do pezinho quando nasceram, os especialistas indicam que a dosagem de fenilalanina no sangue seja feita antes da gestação. Isso porque existe a hiperfenilalaninemia, condição que não exige tratamento, mas mantém doses elevadas da substância no sangue, o que é perigoso para o desenvolvimento do bebê ao longo dos nove meses.

Mas a medição, assim como a restrição alimentar, só precisa ser feita mesmo em casos específicos. “Esse procedimento só é recomendado para gestantes em risco, que tenham caso de fenilcetonúria na família ou sejam portadoras da doença”, ensina Flávia Piazzon, geneticista consultora da APAE de São Paulo.

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Já mulheres diagnosticadas com fenilcetonúria podem engravidar e, inclusive, amamentar, mas todo o processo deve ser acompanhado de perto e exige regras especiais. Por exemplo, o limite do teor da substância no corpo, que num adulto pode chegar a 10 mg/dl, na gestante não deve passar de 4 mg/dl. “Se a mulher se programar, fazer testes clínicos e laboratoriais constantes e aderir à dieta especial, é possível ter bebês saudáveis”, completa Flávia.

 

 

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