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TDAH: será que seu filho sofre deste distúrbio?

Diagnóstico complexo e efeitos colaterais dos medicamentos são os maiores desafios do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade. Saiba mais!

Por Vanessa de Sá (colaboradora)
Atualizado em 23 jan 2023, 11h18 - Publicado em 17 Maio 2015, 20h56

Seu filho não para quieto um instante, não fica um minuto sequer focado, luta para conseguir prestar atenção em qualquer coisa, até no que você fala, interrompe todo mundo e atrapalha a aula. E você se pergunta se ele é superansioso, irrequieto ou se pode ter o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, conhecido pela sigla TDAH. Se seu pequeno tem algum desses sintomas, esteja certa de que você não é a primeira mãe a se colocar essa dúvida. “Todo mundo, em certo grau, é disperso e tem dificuldade para manter-se focado, mas o fator determinante para saber se a criança pode ter TDAH é o prejuízo que esses sinais trazem à vida dela”, diz o psiquiatra Paulo Mattos, presidente do Conselho Científico da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA). O TDAH é um dos transtornos mentais que mais afetam as crianças, só perdendo para a ansiedade e os distúrbios de aprendizagem. “Cerca de 5% das crianças e adolescentes, independentemente do país onde vivam, sofrem com o problema”, diz Mattos.

Já se descobriu que o cérebro de pessoas com o transtorno funciona de maneira diferente, demora para amadurecer. Por isso, os circuitos que fazem a comunicação entre as células nervosas (os neurônios) de algumas regiões do cérebro levam mais tempo para estar “prontos para o combate” e duas substâncias liberadas pelos neurônios que ajudam a transmitir a informação nervosa entre eles são produzidas em menor quantidade. “Isso acontece principalmente no córtex pré-frontal, região do cérebro que controla o que chamamos de funções executivas: o planejamento, a atenção, a organização e o autocontrole”, explica Mattos. Ou seja, funcionando desorganizadamente, a criança, claro, tem dificuldade de se controlar e prestar atenção. Algo como um maestro dando aos músicos instruções para que toquem uma sinfonia num andamento diferente do pensado pelo autor. Os músicos se atrapalham e a orquestra desanda.

Fatores de risco
A ciência ainda não sabe com certeza o que causa o TDAH, mas vários estudos apontam que os genes têm um grande papel. Algumas pesquisas mostraram que pessoas que sofrem com a condição têm de quatro a dez vezes mais probabilidade de ter filhos com o distúrbio. “O TDAH muito provavelmente resulta de vários fatores, como a obesidade”, conta Mattos. O que se sabe, no entanto, é que questões sociais e ambientais podem aumentar os riscos de a criança apresentar o transtorno. “Mães que fumaram durante a gravidez ou tiveram problemas com álcool ou drogas, crianças que nasceram precocemente ou com pouco peso correm mais risco”, aponta Guilherme Polanczyk, professor de Psiquiatria da Infância e da Adolescência da USP.

Sintomas podem confundir
Um dos desafios do diagnóstico do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade é eliminar as possibilidades de que os sintomas apresentados pela criança tenham outras causas. “Depressão, distúrbios de ansiedade, dislexia, autismo, problemas de visão, anemia e até abuso ou negligência por parte dos pais podem levar a criança a perder o foco e a atenção. Por isso, só um médico especializado e bem treinado é capaz de identificar o TDAH.”, diz o neuropediatra Erasmo Casella, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. É preciso que o médico pesquise se os sinais foram gerados por outro transtorno. “Não há nenhum teste de sangue, genético, aparelho computadorizado ou exame neurofisiológico que possa diagnosticar o TDAH”, admite Scott Kollins, diretor do programa de TDAH da Universidade Duke, nos Estados Unidos. “Portanto, temos de confiar no que os pais e o próprio paciente nos contam como a melhor maneira de fazer um diagnóstico acertado”, alerta Kollins.

Segundo Marcelo Schmitz, professor de psiquiatria da infância e da adolescência da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e membro do Programa de TDAH, para detectar a condição, o médico segue uma lista de 18 perguntas, que são respondidas pela criança, pelos pais e professores. Com base na quantificação das respostas e da intensidade dos sintomas listados, consegue-se identificar se ela tem déficit de atenção, hiperatividade ou uma combinação dos dois. “É importante frisar que, se a criança apresenta apenas alguns sintomas, não se faz o diagnóstico de TDAH. E, se tem muitos dos sintomas, mas não há prejuízos, também não”, alerta Mattos. De acordo com Schmitz, a intensidade e a frequência desses sintomas são o fiel da balança.

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Especialistas
A falta de treinamento médico no assunto, aliada à escassez de psiquiatras infantis, não é exclusiva do Brasil. Profissionais de países como os Estados Unidos recentemente vieram a público alertar para o tema, que se complica à medida que a maioria dos pais leva os pequenos ao pediatra ou a um médico de família, que não são necessariamente capazes de identificar os sinais. “Outro grande problema é que, para conhecer a história da criança, ouvir os pais, checar a gravidade dos sintomas, leva muitas horas ou vários dias, e muitos médicos têm pouco tempo para atender o paciente”, aponta Stephen Hinshaw, professor do departamento de Psicologia da Universidade da Califórnia São Francisco, nos Estados Unidos. Desse modo, não é raro que as famílias tenham de peregrinar de médico em médico até chegar a um veredicto. Um estudo de 2011, coordenado pelo Instituto Glia, especializado em neurociências aplicadas à educação, ajuda a ilustrar o quadro: das 5.961 crianças entre 4 e 18 anos acompanhadas, 58,2% não haviam sido diagnosticadas corretamente.

Por isso, a escola, assim como os pais, tem papel importantíssimo no diagnóstico e é uma peça fundamental para que o médico consiga “pintar o quadro”. “É mais complicado reconhecer o tipo desatento, porque geralmente ele passa despercebido. Assim, pode-se levar tempo até ele chegar a um especialista, com muitos prejuízos acumulados. Já o hiperativo atrapalha o andamento da aula. Daí a importância do professor no fechamento do diagnóstico, pois ele conhece bem o aluno e é capaz de identificar sintomas significativos”, reflete Schmitz. Segundo ele, muitas vezes a criança com TDAH do tipo desatento só vai manifestar mais fortemente os sintomas quando ficar maior e tiver de enfrentar tarefas mais complexas, que dependem de grande nível de atenção. “Mais do que isso, crianças muito inteligentes conseguem driblar o problema, porque captam rapidamente o que é explicado pela professora e podem flanar o resto do tempo.”

Remédio: sim ou não?
Assim como acontece com outros transtornos mentais, como a depressão, muita gente questiona o uso de remédio para tratar o TDAH alegando que os efeitos colaterais e o risco de dependência superariam os benefícios. Mas o fato é que todos os grandes estudos realizados no mundo apontam que os estimulantes são, hoje, a forma mais eficaz de aliviar e controlar os sintomas do distúrbio, principalmente a desatenção e a impulsividade, fazendo com que a criança ganhe qualidade de vida. “Mas essa é uma decisão que deve ser tomada caso a caso. E não adianta só dar a medicação. Ela tem de ser bem administrada e controlada, até porque nem sempre a criança se dá bem com o primeiro remédio que é prescrito e é preciso trocar ou acertar a dose”, alerta Guilherme Polanczyk, professor de psiquiatria da infância e da adolescência da Universidade de São Paulo.

Assim como qualquer outra droga, pode provocar efeitos colaterais, entre eles desconforto gástrico, dor de cabeça, perda de apetite, tontura e alterações no sono. “O remédio não vicia e, com o tempo, dependendo de cada caso, é possível fazer a retirada progressiva – no período de férias, por exemplo. Se os sintomas não voltarem à tona, pode-se restringir o uso às situações onde há mais necessidade”, afirma Mattos.

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Remédio, no entanto, não é o único tratamento possível. Os médicos defendem fazer um mix com psicoterapia. A que tem mostrado melhores resultados é a chamada terapia comportamental. O objetivo é, no longo prazo, reforçar hábitos positivos da criança, fazendo com que ela adote um novo padrão de comportamento, principalmente em relação à escola e aos estudos. “O remédio, sozinho, não ensina aptidões acadêmicas ou sociais à criança. Muitas vezes, percebe-se que ela tem péssimos hábitos de estudo. Combinação de remédio com terapia é a opção que considero excelente”, atesta Hinshaw. Erasmo Casella reforça que a psicoeducação da família também é muito importante. “Muitos pais têm dificuldade para lidar com o problema dos filhos e essa é uma grande ajuda para eles.”

Remissão
O tratamento adequado, feito com acompanhamento apropriado, é fundamental para que o pequeno tenha qualidade de vida e não acumule fracassos na escola e na vida pessoal.
A boa notícia é que o cérebro é capaz de responder de forma positiva justamente ao que mais atrapalha a vida da criança: a impulsividade e a desatenção. “À medida que a criança cresce, esses dois sintomas vão ficando menos pronunciados”, afirma Guilherme Polanczyk. Mais do que isso: até 50% daqueles que sofrem com o TDAH entram em remissão. “Ainda não sabemos ao certo por que, mas, algumas pessoas aprendem a lidar com o problema tão bem que não precisam continuar com o tratamento”, afirma Kollins.

O neurobiologista americano Oliver Sacks, autor de inúmeros livros para o público leigo, é, possivelmente, a pessoa que mudou a maneira como entendemos doença e saúde ao mostrar que somos capazes de criar, de nos adaptar e, de certa forma, nos recuperar mesmo quando o nosso cérebro dá um baile ou vai à falência. Crianças com TDAH são a prova disso.

Videogames: esperança para o futuro
Vários grupos espalhados pelo mundo, inclusive no Brasil, vêm estudando de que forma a tecnologia pode contribuir para a melhora dos sintomas que mais atrapalham a vida dos pequenos portadores do distúrbio, principalmente a capacidade de ficar focado. Não são games comuns, mas criados especialmente para fortalecer os pontos frágeis da criança. “Estamos trabalhando em um jogo que usa ondas elétricas do cérebro para fazê-lo funcionar. Quanto mais atenta a pessoa estiver, mais rápido o personagem do game se mexe. Assim, a criança também aprende a focar e a transferir o que aprendeu para a hora de fazer lição de casa. Até o fim do ano, ele estará disponível para o público”, conta Ranga Krishnan, presidente do Departamento de Psiquiatria e Ciências do Comportamento da Universidade Duke, em Cingapura.

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Uma equipe de cientistas brasileiros criou um game, o Projeto Neumann, com uma historinha que envolve heróis e monstros. “A ideia é que a criança perceba que, se é possível vencer os monstros externos, também conseguirá vencer os internos”, explica Thiago Rivero, psicólogo e especialista em medicina comportamental pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Hoje, já é possível se inscrever e jogar online, e os resultados podem ser usados por médicos e professores para avaliar os progressos da criança.

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