“Enfrentei a UTI por 23 dias com o meu bebê”
Maria Rita precisou esperar um tempo angustiante antes de levar o pequeno Matias para casa.
Maria Rita Barbi é engenheira química e mãe do Matias, de quase 4 anos, que veio ao mundo antes do tempo, quebrando todas as expectativas de qualquer mãe transformada em “mãe de UTI”. Aqui, ela fala sobre a experiência que viveu dentro do hospital e o difícil período em que voltava para casa sem o filho nos braços. Confira:
“Deixei tudo de lado para ser a mãe do Matias, um saudável e inteligente menino de quase quatro anos. Hoje, quem conhece essa pessoinha tagarela, de cabelo cacheado e bem-humorada, não faz ideia que ele nasceu de um parto prematuro e ficou 23 dias na UTI.
Minha gravidez foi planejada. Eu estava em forma e saudável, mantinha uma alimentação balanceada, dormia muito e a vida familiar estava tão boa quanto um comercial de margarina. Eu e meu marido, o Torero, mantínhamos um blog no qual contávamos todas as aventuras e desventuras da gravidez, do ponto de vista da mãe e do pai. Tudo era relatado com bom humor. Desde o sono monstro que me dominava até as terríveis hemorroidas gravídicas, que mulher-nenhuma-da-face-da-Terra ousa comentar.
Na 33ª semana de gravidez, depois de ter passado pelo que parecia uma gripe forte, eu estava no salão de beleza quando a bolsa estourou. Pânico. Tremedeira. Eu pensei: ‘Não pode ser agora, ele está muito pequeno!’.
Na emergência do hospital, me examinaram e viram que eu estava com contrações leves e espaçadas. Não dava mais para atrasar o parto com remédios. Depois de 15 horas de trabalho de parto tive que fazer uma cesariana de emergência. O bebê estava defletido, tentando sair com o queixo, não com o topo da cabeça.
E foi assim que no dia 21 de julho de 2013 eu ganhei duas identidades: virei a mãe do Matias e uma mãe de UTI. Eu quis muito ser mãe do Matias. Mas não desejaria nem ao meu pior inimigo que ele se tornasse uma ‘mãe de UTI’.
Foi um choque quando vi meu filho na incubadora pela primeira vez. Ele estava cheio de fios, com as mãos roxas por conta das picadas de agulha e com tubos que nem me deixavam ver o rostinho dele. Tive muito medo de perdê-lo. Lembro de ter sentido que eu daria a minha vida para que ele pudesse viver. Foi nesse momento que vi brotar em mim aquele amor incondicional de mãe, que antes nem imaginava sentir.
Depois disso, nada mais tinha importância. A prioridade número um de uma mãe de UTI é o seu bebê. A UTI era uma montanha russa sentimental. A cada notícia ruim, depressão. A cada notícia boa, carnaval.
Matias nasceu bem, mas aos poucos teve que ir colocando apetrechos. Primeiro foi uma sonda que entrava pela boca e ia até seu estômago, depois um cateter no braço para receber alimentação parenteral, luz para a icterícia, um tubo que empurra ar para as narinas. Daí ele teve apneia e precisou de medicação, ficou com eletrodos no peito para monitorar a frequência cardíaca… Parecia um astronauta.
A cada novo procedimento em Matias, eu sentia vontade de chorar. E às vezes chorava mesmo. Mas sem dúvida, de todas as tristezas, a mais dolorida era chegar em casa sem Matias. Ao ver o berço vazio, chorava até secar.
Minha primeira vez no banco de leite foi assustadora. A primeira coisa que me sugaria não seria a boquinha do meu filho, mas uma bomba elétrica. Os bebês prematuros não têm força suficiente para mamar no bico do peito e é preciso usar a bomba para estimular a produção de leite da mãe, senão há risco de ele secar.
Para mim, amamentar era como tirar leite de pedra. Eu tinha pouco volume de leite e precisei de orientação da Fada do Leite, uma enfermeira especializada no assunto.
Na UTI nunca sabíamos ao certo quando Matias teria alta. Não dava para prever quanto tempo ficaríamos por lá.
No hospital onde ficamos, as mães com bebês na UTI tinham uma sala de apoio para elas. Lá tinha televisão, umas oito poltronas, um banheiro, uma geladeirinha e armários. As mulheres nesta situação contam os sucessos em pequenas medidas: quantos mililitros de leite o bebê passou a mamar e quantos gramas ganhou em peso. Na UTI, nenhuma de nós sabia onde a outra morava, no que trabalhava ou quantos dígitos havia na conta bancária. A maioria não teve chá de bebê, não veio com mala de maternidade pronta, não tinha o enxoval completo, nem o quarto do bebê totalmente arrumado. Mas o sentimento de união entre nós era tão grande, que criamos um grupo que se encontra até hoje. As amizades que fizemos por lá foram intensas. É como uma expedição que subiu o Everest: ficamos ligados com aqueles que estiveram conosco lado a lado em uma aventura de grandes proporções.
Depois de vinte e três dias na UTI, Matias finalmente veio para casa. E passamos por um incrível ritual de celebração: os funcionários e as mães de UTI fizeram um corredor polonês e eu e Matias fomos aplaudidos enquanto saíamos. Mas não foi um aplauso curto, um aplauso de parabéns. Foi um aplauso longuíssimo, misturado com muitas, muitas lágrimas. Foi algo tribal, como se toda a aldeia de mães festejasse a vitória do bebê e invocasse as próximas.
Há um ditado entre as mães de UTI que diz que ‘a gente sai da UTI, mas a UTI nunca sai da gente’. Isso não é verdade. Com o tempo, as angústias e os traumas vividos nos dias de UTI vão ficando cada vez mais distantes. E o que sobra é a sensação de superação”.