Toda mãe que acaba de dar à luz precisa de ajuda. Apesar de parecer óbvio, esse é um ponto que muita gente ignora. Aqui, o pediatra Daniel Becker, que trabalha no Rio de Janeiro e alimenta o site Pediatria Integral, fala mais sobre o assunto.
“Nasce um bebê no Xingu. Todas as mulheres da oca se mobilizam. A mãe está cercada de cuidados e apoio. Nasce um bebê no sertão das Minas Gerais. A avó, a bisavó, as tias, a prima cercam a mãe de cuidados. Nasce um bebê numa aldeia africana. Numa tribo em Maui. Numa cidadezinha no interior da Tailândia ou da Polônia ou da Inglaterra – a cena se repete. Na favela da Zona Norte, as vizinhas e a tia que mora na laje de cima se encarregam de ajudar. E nas mansões dos Jardins? Não são mais a avó e as vizinhas, mas as duas babás, a enfermeira, a faxineira, o motorista e o segurança.
Nasce um bebê em Copacabana, no apartamento 1104. A avó está trabalhando em tempo integral. O pai só tem cinco dias de licença. A vizinha do 1103 não só não ajuda, como sequer conhece a família e ainda reclama do choro noturno. E a empregada diz que só ganha para cuidar da casa. Ajudar à noite, nem pensar.
E aí temos esse fascinante fenômeno social: a única mulher do planeta que é deixada para cuidar de um bebê sem nenhuma ajuda é a da classe média, urbana, ocidental. Pior: ela achava que ia conseguir…
Mas essa onipotência (culturalmente induzida, claro – e muitas vezes socialmente exigida) só dura até o quinto dia, quando muito. Na segunda semana, a mulher percebe que um bebê demanda demais. Precisa de atenção 24 horas, permanente. Que os intervalos do sono não são suficientes para que ela viva: descanse, almoce, tome um banho, respire, olhe pela janela, durma meia hora, atenda ao telefone, responda a um e-mail. E os cuidados muitas vezes exigem duas pessoas. Sem ajuda, é virtualmente impossível. A amamentação facilita e muito o cuidado, já que não é preciso cuidar de mamadeiras, latas, esterilizadores e bicos. Mas é preciso tempo e descanso para produzir leite. É o clássico bordão, muitas vezes ignorado: um bebê só ficará bem se sua mãe estiver bem. Em alguns momentos, é crucial que a mãe volte a ser mulher – um indivíduo separado de sua filha, que precisa descansar, se cuidar, relaxar, pensar em outras coisas. Ela precisa desses momentos como o bebê precisa do seu leite.
Por isso, é preciso que tenhamos menos onipotência e que reconheçamos que vamos, sim, precisar de ajuda. Para isso, é necessário planejamento: quem vai ajudar, como, quando. O pai vai segurar a onda durante as noites? Até quando? A avó pode mesmo ajudar? E os conflitos que tantas vezes surgem nesse momento? Uma coisa é apoiar, acolher; outra é se intrometer ou criticar – fronteira sutil e muitas vezes rompida de forma inconsciente e perversa. A empregada vai cuidar da casa? Vai ter comida pronta? O patrão vai respeitar e não ligar para falar de trabalho?
Nos dias de hoje, a situação se complica ainda mais. Em nossos tempos hiperconectados, de distrações múltiplas e permanentes e com enorme apelo, é dificílimo estarmos concentrados em uma só tarefa. Muitas vezes a futura mãe se ilude e acha que vai amamentar, trocar fraldas, ver a novela, mandar e-mail de trabalho, estudar para o concurso e postar no Facebook, ao mesmo tempo, já nos primeiros dias de vida do recém-nascido.
E, como se a situação em si já não fosse complicada o suficiente, aparecem outros obstáculos: o marido quer ensinar a colocar o bebê no seio (com a melhor das intenções), dizendo que ela está fazendo errado; a mãe (avó do bebê) diz ‘mas o que custa dar uma mamadeirinha, ele chora tanto’; as amigas dizendo que para elas foi tudo muito simples, que fizeram assim ou assado e que você está fazendo tudo errado; a prima exibicionista cujo bebê dorme bem, mama bem e ‘não dá nenhum trabalho’… E a sociedade toda dizendo que se você não consegue amamentar seu bebê e cuidar dele integralmente é porque não tem competência.
O que a mulher precisa no momento da amamentação é apoio de verdade. Apoio aberto, honesto e atento. Ela não precisa de crítica, ensinamentos verticais, lições de moral ou prescrições autoritárias. Muito menos de conselhos sobre mamadeiras. Ela precisa de espaço psíquico, tempo e um mínimo de estrutura para se dedicar ao bebê.
Aliás, esse é um importante papel que o pai pode exercer nesse momento da vida familiar, o nascimento de um filho. Tão ou mais importante quanto trocar fraldas, ninar e dar banho, é garantir que o binômio mãe-bebê vai ter paz e tranquilidade para se conhecer, se conectar, evoluir em direção a um bom desenvolvimento e a uma amamentação bacana. Para isso, cuidar da casa e garantir que esteja em ordem; comida na geladeira e contas em dia; atender o telefone e dar conta dos palpiteiros; receber as visitas e oferecer as desculpas pois a mamãe agora está descansando… E estar atento às necessidades da sua mulher.”
Depoimento publicado originalmente em agosto de 2014