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“Ela tinha poucas chances”, diz mãe da bebê que nasceu com 340 g

Em depoimento exclusivo, mãe de prematura extrema relata como enfrentou doença rara na gravidez e como foi período em que a filha ficou em uma UTI neonatal.

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 3 fev 2018, 10h07 - Publicado em 3 fev 2018, 10h07

Há pouco mais de uma semana, o Bebê.com.br noticiou o momento da alta de Rafaella Victoria, a menor bebê nascida no Brasil. Com apenas 340 gramas, ela veio ao mundo em março de 2017 – prematura extrema de uma gravidez de gêmeos que terminou na 25ª semana – e saiu do hospital no dia 24 de janeiro de 2018. O fato por si só já emociona, mas a história que a mãe, Greice Kelly do Amaral, de 30 anos, viveu até chegar à sala de parto (e depois dela!) é ainda mais impressionante. Aqui, a bancária paulista relata em detalhes – e com exclusividade – como foram os quase dez meses de UTI neonatal e a emoção de, enfim, ter os filhos reunidos em casa. Confira:

“Não planejava engravidar. Na verdade, no início de 2016, eu comecei a sentir umas alergias estranhas pelo corpo, que pioraram depois que comecei a usar um perfume novo e após o período de estresse que passei por conta da morte do meu tio. As manchas vermelhas se espalharam pelo braço e pernas como se fossem queimaduras, coçando e doendo muito.

Eu tinha que dormir com um pano entre as pernas, senão grudava pele com pele. Fiz muitos exames e nenhum médico descobria o que eu tinha. Depois, meus braços começaram a doer – era muito forte! Procurei um ortopedista, que me indicou um tratamento que exigia injeções mensais para aliviar a dor. E de fato aliviou mesmo!

Tomei a primeira dose em agosto e acabei engravidando em setembro. Só então soube que a injeção cortava o efeito do anticoncepcional. Eu estava doente, grávida e ainda não sabia o que eu tinha. Comecei o acompanhamento e minha ginecologista pediu mais exames. A essa altura, minha pele estava praticamente em carne viva. Tanto que fiz uma biópsia que apontou lúpus.

Eu estava prestes a completar 30 anos. Minha médica, a partir daí, pediu para eu tomar um corticoide em doses pequenas, porque eu estava grávida. Poucas semanas depois disso, descobri que a gravidez era de gêmeos – um menino e uma menina. Quase infartei quando recebi a notícia porque já tinha um menino de 7 anos e, quando você já tem um filho, começar tudo de novo não é fácil. A obstetra disse: ‘Greice, um só já era de risco, mas agora piorou’.

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Greice Kelly grávida de gêmeos (Greice Kelly do Amaral/Arquivo Pessoal)

Como era uma gestação gemelar, a doença progrediu muito rápido, mesmo com os medicamentos. Em poucos dias, eu já não andava, mal mexia os braços, sentia muita fraqueza muscular e cheguei ao ponto de ir ao hospital de cadeira de rodas. A médica também não sabia o que estava acontecendo, mas achou melhor me internar em um hospital que fosse maternidade, então fomos para o São Luiz do Itaim, onde já tínhamos decidido que seria o parto.

Lá, eu fui examinada por uma reumatologista, que viu todos os exames que eu já tinha feito, pediu novos testes e conversou com a médica que tinha me atendido até então. Foi nesse momento que descobrimos que, na verdade, o meu problema era ‘dermatomiosite’, uma doença autoimune rara, que não tem cura (a condição provoca uma inflamação que ataca pele e músculos).

Fiquei internada 10 dias tomando medicamentos. Eu estava com 20 semanas de gravidez. Fiquei careca, perdi cílios e sobrancelhas, emagreci cerca de 20 quilos. A doença tirava meu apetite, mas eu precisava comer por causa dos gêmeos. Tudo o que eu engolia me fazia engasgar porque o problema afetou também o músculo da garganta.

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Quando o tratamento acabou, voltei para casa. Eu estava me sentindo melhor da doença, mas ainda tinha muita dificuldade para me mexer. Os médicos já haviam deixado claro que eu só melhoraria depois que as crianças nascessem.

Fiquei só 3 dias fora do hospital. Depois disso, fui fazer um ultrassom de rotina e recebemos uma nova bomba. A Rafaella não estava recebendo nutrientes o suficiente pelo cordão umbilical e corria risco de vida. A médica me deu duas opções: uma era esperar que ela morresse naturalmente na minha barriga e continuar com o Hulisces, que estava indo bem; a outra era tirar os dois bebês assim que Rafaella deixasse de receber oxigênio e entregar nas mãos de Deus.

E como eu dormiria sabendo que tinha um bebê morto na minha barriga? Como escolher entre um e outro? Nem pensei duas vezes! Falei para a médica para fazermos o parto no momento que fosse necessário. Não era eu quem iria escolher, mas Deus e se fosse da vontade dele os dois iriam sobreviver. O plano, então, era que eu ficasse internada monitorando a saturação (quantidade de oxigênio que a Rafaella recebia).

Fiquei uma semana no hospital e estava indo bem, tanto que a médica disse que eu teria alta em breve e só precisaria voltar diariamente para medir a saturação dela. No último dia antes de receber a alta, ela começou a perder oxigênio. O parto teria que acontecer! Fui direto para a sala de cirurgia e foi tudo bem rápido.

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Os bebês nasceram no dia 28 de março de 2017, na minha 25ª semana de gravidez. O Hulisces tinha um peso adequado para a idade, de 780 g, mas a Rafaella pesava 340 g e media 29 centímetros. E ela foi pesada ainda envolta no saco amniótico, pois os médicos tinham medo que ela não sobrevivesse, então o peso dela era ainda menor que isso. Ela tinha pouquíssimas chances.

Menor bebê prematura do Brasil, que nasceu com 340 gramas
Rafaella com poucos dias de vida, na UTI neonatal (Divulgação/Arquivo Pessoal)

Os dois foram direto para a UTI neonatal e eu, debilitada, fiquei internada por três dias. Depois, fui liberada para voltar para minha casa, na zona Sul de São Paulo, ainda sem andar. Como morava longe da maternidade e estava nesta situação, não consegui ir ao hospital ver as crianças. Meu marido que ia todos os dias, chegava tarde… E eu ainda tinha meu menino mais velho, que a minha mãe ajudou a cuidar nessa fase.

Foi muito difícil não ter condições para visitar meus filhos. Só fui retomar meus movimentos corretamente mais de um mês depois do parto. O Hulisces ficou seis meses internado, mas não teve que fazer nenhuma cirurgia. Já a Rafaella deu mais trabalho, como era de se esperar. Teve duas paradas cardíacas, seus bracinhos e uma perna quebraram e ela teve que colocar uma sonda para se alimentar, pois não conseguia engolir o leite.

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Durante esse período, saía bem cedo de casa, deixava meu filho na casa da minha mãe e ia para o hospital. Eu ia embora à tarde, para dar tempo de chegar em casa quando a perua entregasse meu filho. Depois, fazia o jantar, ajudava com a lição, brincava… Não podia deixar de dar atenção para ele também. E assim eram todos os dias.

Foram nove meses de UTI, sempre de cabeça erguida. Sempre confiante, eu não podia desistir! Os meus filhos precisavam de mim, então eu tinha que me tratar, fazia fisioterapia enquanto eles estavam internados. Eu tinha que ficar bem para pegar meus filhos nos braços quando eles saíssem. Só eu sei o que eu passei. É muito duro ir para casa e não poder levar seus filhos junto.

Às vezes, eu chegava em casa e chorava muito, mas sempre tentei fazer tudo com um sorriso no rosto, pois tinha que mostrar que estava ali bem para eles. E depois de quase 10 meses de UTI, estava na hora de ir para casa. Rafaella ainda precisava de oxigênio e sonda no estômago – e está com os dois até hoje – mas os médicos optaram por liberá-la a receber assistência em casa.

Rafaella usando sonda no estômago (Greici Kelly do Amaral/Thinkstock/Getty Images)

Não é fácil a volta, mas nada como a nossa casa, né? Hoje, ela faz fonoaudióloga para que aprenda a engolir e fisioterapia também. Eu ainda faço o meu tratamento – na verdade terei que tomar remédios para o resto da vida. Não tenho histórico da doença na família, mas agora sei que muitas pessoas passam a vida sem manifestá-la.

Se eu engravidar mais uma vez, vai acontecer tudo de novo. Eu amo meus filhos, mas foi uma gravidez muito sofrida, dolorosa. Uma coisa que não desejo para ninguém. Estou afastada do meu trabalho por causa da dermatomiosite, mas recentemente passei por uma perícia e meu retorno ao expediente provavelmente será no dia 4 de abril. Mesmo com os bebês em casa terei que voltar, porque com três filhos não posso me dar ao luxo de não trabalhar.

Agora vivo uma rotina corrida, cuidando dos três. Um está dormindo, os dois acordam, dou comida para um, o outro acorda, dou mamadeira e assim vai… Tenho que conciliar. Tem dias que só consigo tomar banho à meia-noite. Mas vale a pena, pois eles estão em casa, no lugar deles. Posso cansar, mas sei que estão perto de mim. E isso é tudo o que importa”.

Os irmãos Hulisces e Rafaella juntos e em casa (Greici Kelly do Amaral/Arquivo Pessoal)
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